Trem-de-ferro, óleo sobre tela de Almiro Borges, "naïf "baiano, considerado o primeiro no Brasil a pintar marias-fumaças |
I - Galope sangrento
Sobre
campos de sol fotografados de fome
de manhã
surpreendo-me entre maquinistas.
guarda-freios,
foguistas, agulheiros
colecionam
tristezas numa ferrovia.
Acompanho-lhes
o passo, utensílios diários,
exiladas
faces como nuvens atônitas,
contra
pontilhões investem, contra água pesada.
Sucedo de
rotas e destinatários,
de
mercadorias emerjo, melancólico.
Experiências
metálicas de locomotivas
trituram
músculos, afogada energia
de
trabalhos humanos e apitos agudos,
trilhos
que sulcam horizonte sem âncora;
me
alimento de fogo, velocidades sofridas
de vagões
conduzindo cacau e sombra
sobre
cidades e montes, sobre latifúndio:
negro mar
se agacha, silencioso salta,
come
homens e meninos que choram sonhando.
Entre
estações que gritam impossível atraso,
sonolentos
comboios avançam na noite.
Desenvolvem
sem termo choro agressivo,
um choro
duro de homens e fornalhas
devorando
madeiras e carne em lamento.
Lento
uivo de rodas que se multiplicam
com
substância noturna de salários
acumula
vegetação nos eixos aluídos,
esperança
consome na carreira profunda
sobre
ilhas de acaso engrossando velho
patrimônio
de mortes alugadas.
Rápidos
horários com palavras de fumo
seu voo
de espuma e lâminas corroídas
e
matérias subjugadas anoitece
no sangue
roxo operário com ferrugem,
elabora
sentidos e desgraças na fronte
espessa.
Na garganta incendiada cresce
gemido
áspero de peito mutilado,
com
umidades ocultas, com soluço.
II -
Inclinação do Touro
Abandona-se
à agonia das campinas
vencidas,
idêntico de origens, branco touro.
Bruscamente
desperta das árvores em fuga,
da massa
dos dias. De repente, das raízes
do pranto
inclina-se operoso, agrupa-se
a um
barulho de ferros e caldeiras,
a êmbolos
movendo-se na paisagem confusa.
Do
sentimento comum de águas em arranco,
súbito
levanta-se, acorda ferroviárias
perspectivas
amarradas ao volume do sono.
De aurora
que lhe umedece cascos e chifres
baixa uma
luz influente de conquista;
do seu
dorso de argila ao meu rosto chega
uma luz
que me alcança cruza-me os nervos
ampla de
rumos mergulha na carne de todos
resistente
caindo sem parar nas cabeças.
De neutra
cinza liberto cansaço, no oleoso
crepúsculo,
evoluindo em cada elemento,
sua construção
permanece de touro veloz
em cada
pedra (ou manhã) no metal dos segundos.
"Abandona-se à agonia das campinas / vencidas (...) das árvores em fuga"... Trem de ferro, pintura de Kissac Júnior |
A tela indicada como de Kissac Junior é de JONAS LEMES.
ResponderExcluir