SÍNTESE
Noite silenciosa. Casa silenciosa.
Mas sou a mais calma estrela,
Eu também produzo luz própria
Além dos limites de minha noite.
Cerebralmente, voltei para casa
De infernos, céus, lixo e gado
E também o que se concede à mulher
É obscura e doce masturbação.
Revolvo o mundo. Agonizo a presa.
E depois dispo-me na alegria:
Não há morte, nem pó malcheiroso
Que me leve, eu-conceito, de volta ao mundo.
.
SYNTHESE
Schweigende Nacht. Schweigendes Haus.
Ich aber bin der stillsten Sterne;
Ich treibe auch mein eigenes Licht
Noch in die eigne Nacht hinaus.
Ich bin gehirnlich heimgekehrt
Aus Höhlen, Himmeln, Dreck und Vieh
Auch was sich noch der Frau gewährt,
Ist dunkle süße Onanie.
Ich wälze Welt. Ich röchle Raub.
Und nächtens nackte ich im Glück:
Es ringt kein Tod, es stinkt kein Staub
Mich, Ich-begriff, zur Welt zurück.
– Gottfried Benn, em “Poesia expressionista alemã: uma antologia”. [organização e tradução de Claudia Cavalcanti]. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
TREM RÁPIDO
Marrom de conhaque. Marrom de folhagem. Marrom avermelhado. Amarelo malaio.
Trem rápido Berlim-Trelleborg e estâncias no mar Báltico.
Carne que ia nua:
Até a boca queimada do mar.
Maduramente mergulhada. Para a felicidade grega.
Em saudade-crescente: quão longe está o verão!
Já é o penúltimo dia do nono mês!
Restolho e última amêndoa são nossos desejos.
Ostentações, o sangue, as fadigas.
A proximidade das dálias entorpece.
Marrom-de-homem atira-se em marrom-de-mulher:
Uma mulher é algo para a noite.
E se foi bom, ainda para a próxima!
Ah! e então de novo aquele estar-consigo-próprio!
Esses mutismos! Esse ser-levado!
Uma mulher é algo com cheiro.
Indizível! Agonize! Resedá.
Para lá é Sul, pastor e mar.
Em cada declive se encosta uma sorte.
Marrom-claro-de-mulher cambaleia em marrom-escuro-de-homem:
Pare-me! ei, estou caindo!
Sinto a nuca tão cansada.
Ah, este febril doce
último cheiro dos jardins.
D-ZUG
Braun wie Kognak. Braun wie Laub. Rotbraun. Malaiengelb.
D-Zug Berlin – Trelleborg und die Ostseebäder.
Fleisch, das nackt ging.
Bis in den Mund gebräunt vom Meer.
Reif gesenkt. Zu griechischem Glück.
In Sichel-Sehnsucht: wie weit der Sommer ist!
Vorletzter Tag des neunten Monats schon!
Stoppel und letzte Mandel lechzt in uns.
Enthaltungen, das Blut, die Müdigkeiten,
Die Georginennähe macht uns wirr.
Männerbraun stürzt sich auf Frauenbraun:
Eine Frau ist etwas für eine Nacht.
Und wenn es schön war, noch für die nächste!
Und dann wieder dies Bei-sich-selbst-sein!
Diese Stummheiten. Dies Getriebenwerden!
Eine Frau ist etwas mit Geruch.
Unsäglisches. Stirb hin. Resede.
Darin ist Süden, Hirt und Meer.
An jedem Abhang lehnt ein Glück.
Frauenhellbraun taumelt an Männerdunkelbraun:
Halte mich! Du, ich falle!Ich bin im Nacken so müde.
O dieser fiebernde süße
Letzte Geruch aus den Gärten.
(1912)
– Gottfried Benn, em “Poesia expressionista alemã: uma antologia”. [organização e tradução de Claudia Cavalcanti]. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
A BELA JUVENTUDE
A boca da moça que longo tempo jazera em meio aos juncos estava toda roída.
Quando lhe abriram o peito, o esôfago era só buracos.
Acabaram achando numa arcada abaixo do diafragma
um ninho de ratos novos.
Uma das ratinhas morrera.
Seus irmãos viviam do fígado e dos rins;
bebiam sangue frio e tinham
passado ali uma bela juventude.
E bela e pronta foi também a morte deles:
jogaram-nos todos na água.
Ah, como os focinhozinhos guinchavam!
SCHOENE JUGEND
Der Mund eines Mädchens, das lange im Schilf gelegen hatte,
sah so angeknabbert aus.
Als man die Brust aufbrach, was die Speisröhre so löcherig.
Schliebflich in einer Laube unter dem Zwerchfell
fand man ein Nest von jungen Ratten.
Ein kleines Schwesterchen lag tot.
Die andern lebten von Leber und Niere,
tranken das kalte Blut und hatten
hier eine schöne Jugend verblebt.
Und schön und schnell kam auch ihr Tod:
Man warf sie allesant ins Wasser.
Ach, wue die kleinen Schnauzen quietschten!
– Gottfried Benn [tradução José Paulo Paes], em “Gaveta de tradutor”, de José Paulo Paes. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996.
Homem e mulher passam pelo pavilhão de cancerosos
O homem:
A fila aqui são ventres podres
e aquela, peitos podres. Cama fede junto
a cama. As enfermeiras trocam de hora em hora.
Vem, ergue devagar esta coberta.
Olha: esta massa gorda com humores podres
já foi querida outrora por um homem,
era seu êxtase e seu lar.
Vêm, olha as chagas neste peito. Notas
o rosário de nós pequenos, moles?
Apalpa. A carne é mole e nada sente.
Esta outra sangra como que de trinta corpos.
Ninguém tem tanto sangue.
Tiveram que cortar,
daquele ventre canceroso uma criança.
Que durmam. Dia e noite. — Diz-se aos novos:
o sono aqui faz bem. — Mas aos domingos
deixam-nos acordar, para as visitas.
Comem um pouco. Suas costas cobrem-se
de chagas. Olha as moscas. A enfermeira,
às vezes, lava-os. Como se lavasse um banco.
A cova aqui já ronda cada cama.
A carne desce à lama. A chama some.
A seiva se derrama. A terra chama.
Mann und Frau gehn durch die Krebsbaracke
Der Mann:
Hier diese Reihe sind zerfallene Schöße
und diese Reihe ist zerfallene Brust.
Bett stinkt bei Bett. Die Schwestern wechseln stündlich.
Komm, hebe ruhig diese Decke auf.
Sieh, dieser Klumpen Fett und faule Säfte,
das war einst irgendeinem Mann groß
und hieß auch Rausch und Heimat.
Komm, sieh auf diese Narbe an der Brust.
Fühlst du den Rosenkranz von weichen Knoten?
Fühl ruhig hin. Das Fleisch ist weich und schmerzt nicht.
Hier diese blutet wie aus dreißig Leibern.
Kein Mensch hat soviel Blut.
Hier dieser schnitt man
erst noch ein Kind aus dem verkrebsten Schoß.
Man läßt sie schlafen. Tag und Nacht. – Den Neuen
sagt man: hier schläft man sich gesund. – Nur sonntags
für den Besuch läßt man sie etwas wacher.
Nahrung wird wenig noch verzehrt. Die Rücken
sind wund. Du siehst die Fliegen. Manchmal
wäscht sie die Schwester. Wie man Bänke wäscht.
Hier schwillt der Acker schon um jedes Bett.
Fleisch ebnet sich zu Land. Glut gibt sich fort,
Saft schickt sich an zu rinnen. Erde ruft.
– Gottfried Benn, em “Poesia alheia, 124 poemas traduzidos”. [tradução e organização Nelson Ascher]. Rio de Janeiro Imago, 1998.
CAMPO DE INFELIZES
O Grito, de Edvard Munch, 1893 |
Farto da minha busca de ilhas,
rebanhos mudos, verde morto,
quero ser margem, ser baía,
de belos barcos ser um porto.
A minha praia quer sentir-se
pisada a vivo com pés quentes;
queixa-se a fonte a oferecer-se,
quer refrescar sedes ardentes.
E tudo quer a sangue estranho
subir, ir afogar-se a esmo,
até um outro ardor de vida,
nada ficar quer em si mesmo.
GEFILDE DER UNSELIGEN
Satt bin ich meiner Inselsucht,
des toten Grüns, der stummen Herden;
ich will ein Ufer, eine Bucht,
ein Hafen schöner Schiffen werden.
Mein Strand will sich von Lebendem
mit warmen Fuß begangen fühlen;
die Quelle murrt in gebendem
Gelüste und will Kehlen kühlen.
Und alles will in fremdes Blut
aufsteigen und ertrunken treiben
in eines andern Lebensglut,
und nichts will in sich selber bleiben.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
PALAVRA, FRASE
Palavra, frase – E as cifras falam
a vida vivida, súbito sentido,
o sol estaca, as esferas calam,
tudo se concentra a ela volvido.
Palavra – um brilho, um voo, um fogo,
um jacto de chamas, de estrelas um traço –
em redor do mundo e de mim há logo
o escuro medonho no vazio espaço.
EIN WORT
Ein Wort, ein Satz -: aus Chiffren steigen
erkanntes Leben, jäher Sinn,
die Sonne steht, die Sphären schweigen,
und alles ballt sich zu ihm hin.
Ein Wort – ein Glanz, ein Flug, ein Feuer,
ein Flammenwurf, ein Sternenstrich –
und wieder Dunkel, ungeheuer,
im leeren Raum um Welt und Ich.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
PEQUENA SÉCIA
Estenderam sobre a mesa o corpo de um
distribuidor de cerveja que se afogou.
alguém lhe havia encaixado entre os dentes
Edvard Munch, Ansiedade, 1894 |
Imagens |
Quando, com um longo escalpelo,
num corte subcutâneo,
a partir do peito,
arranquei a língua e o palato,
devo ter-lhe tocado,
pois resvalou para cima do cérebro
que se encontrava ali mesmo ao lado.
Então, quando o cosia,
coloquei-a na cavidade torácica,
entre as maravalhas.
Bebe até te fartares no teu vaso!
Descansa em paz,
pequena sécia!
KLEINE ASTER
Ein ersoffener Bierfahrer wurde auf den Tisch gestemmt.
Irgendeiner hatte ihm eine dunkelhellila Aster
zwischen die Zähne geklemmt.
Als ich von der Brust aus
unter der Haut
mit einem langen Messer
Zunge und Gaumen herausschnitt,
muß ich sie angestoßen haben, denn sie glitt
in das nebenliegende Gehirn.
Ich packte sie ihm in die Brusthöhle
zwischen die Holzwolle,
als man zunähte.
Trinke dich satt in deiner Vase!
Ruhe sanft,
kleine Aster!
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
RÉQUIEM
Em cada mesa dois. Mulheres e homens entre-
cruzados. Sem tormento. E próximos e nus.
O peito esquartejado. O crânio aberto. O ventre
pela última vez agora a dar à luz.
Do cérebro aos testículos, cada um três malgas rentes.
E o templo de Deus e o estábulo infernal
agora peito a peito no chão da cuba, os dentes
a arreganhar prò Gólgota e a queda original.
O resto nos caixões. Tantos recém-nascidos:
cabelos de mulher, um peito de miúdo,
pernas de homem. De dois amantes prostituídos,
qual vindo de um só ventre, vi que ali estava tudo.
REQUIEM
Auf jedem Tische zwei. Männer und Weiber
kreuzweis. Nah, nackt, und dennoch ohne Qual.
Den Schädel auf. Die Brust entzwei. Die Leiber
gebären nun ihr allerletztes Mal.
Jeder drei Näpfe voll: von Hirn bis Hoden.
Und Gottes Tempel und des Teufels Stall
nun Brust an Brust auf eines Kübels Boden
begrinsen Golgatha und Sündenfall.
Der Rest in Särge. Lauter Neugeburten:
Mannsbeine, Kinderbrust und Haar vom Weib.
Ich sah von zweien, die dereinst sich hurten,
lag es da, wie aus einem Mutterleib.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
UM HOMEM FALA
Um homem fala:
Aqui não há consolo. Vê, como a terra
acorda também de suas febres.
Mal brilham ainda algumas dálias. Está devastada
como depois de uma batalha a cavalo.
Oiço a abalada no meu sangue.
Tu – meus olhos bebem já
os azuis das colinas distantes.
Algo toca de leve as minhas fontes.
EINER SANG
Einer sang:
Ich liebe eine Hure, Sie heisst To.
Sie ist das Bräunlichste. Ja, wie aus Kähnen
Den Sommer lang. Ihr Gang sticht durch mein Blut.
Sie ist ein Abgrund wilder, dunkler Blumen.
Kein Engel ist so rein. Mit Mutteraugen.
Ich liebe eine Hure. Sie heist To.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
CHOPIN
Não muito fecundo na conversa,
as ideias não eram o seu forte,
as ideias vão de roda,
quando Delacxroix desenvolvia teorias
ele ficava inquieto, por seu lado
não podia dar razões para os Noturnos.
Fraco amante:
sombra em Nohant
onde os filhos de George Sand
nenhum conselho proveitoso
lhe aceitavam.
Doente dos pulmões,
com hemorragias e formação de cicatrizes
naquele modo que se arrasta;
morte tranquila
ao contrário de uma
com paroxismos de dor
ou com salvas de tiros:
encostaram o piano (Erard) à porta
e Delphine Potocka
na hora extrema
cantou-lhe um Veilchenlied.
Viajou para Inglaterra com três pianos:
Pleyel, Erard, Broodwood,
tocava a vinte guinéus por noite
um quarto de hora
nps Rothschilds, Wellingtons, em Strafford House
e perante inúmeras jarreteiras;
sombrio de fadiga e do acercar da morte
voltava para casa
no Square d’Orléans.
Depois queimou os seus esboços
e manuscritos,
sobretudo nenhuns restos, fragmentos, notas,
esses indícios traiçoeiros –
e disse no fim:
”As minhas tentativas consumaram-se à medida
do que me era possível alcançar”.
Cada dedo devia tocar
com a força correspondente à sua estrutura,
o quarto é o mais fraco
(só irmão siamês do dedo médio).
Quando começava, pousava-os
em mi, fá sustenido, sol sustenido, lá sustenido, dó.
Quem dele já ouviu
certos Prelúdios,
seja em casas de campo ou
em colinas
ou por portas abertas de terraços,
dificilmente o esquecerá.
Nunca compôs uma ópera,
nenhuma sinfonia,
só estas progressões trágicas
de convicção artística
e com uma mão pequena.
CHOPIN
Nicht sehr ergiebig im Gespräch, Ansichten waren nicht seine Stärke,
Ansichten reden drum herum,
wenn Delacroix Theorien entwickelte,
wurde er unruhig, er seinerseits konnte
die Notturnos nicht begründen.
Schwacher Liebhaber;
Schatten in Nohant,
wo George Sands Kinder
keine erzieherischen Ratschläge
von ihm annahmen.
Brustkrank in jener Form
mit Blutungen und Narbenbildung,
die sich lange hinzieht;
stiller Tod im Gegensatz zu einem
mit Schmerzparoxysmen
oder durch Gewehrsalven:
man rückte den Flügel (Erard) an die Tür
und Delphine Potocka
sang ihm in der letzten Stunde
ein Veilchenlied.
Nach England reiste er mit drei Flügeln:
Pleyel, Erard, Broadwood,
spielte für 20 Guineen abends
eine Viertelstunde
bei Rothschilds, Wellingtons, im Stafford House
und vor zahllosen Hosenbändern;
verdunkelt von Müdigkeit und Todesnähe
kehrte er heim
auf den Square d’Orléans.
Dann verbrennt er seine Skizzen
und Manuskripte,
nur keine Restbestände, Fragmente, Notizen,
diese verräterischen Einblicke –
sagte zum Schluß:
“meine Versuche sind nach Maßgabe dessen vollendet,
was mir zu erreichen möglich war.”
Spielen sollte jeder Finger
mit der seinem Bau entsprechenden Kraft,
der vierte ist der schwächste
(nur siamesisch zum Mittelfinger).
Wenn er begann, lagen sie
auf e, fis, gis, h, c.
Wer je bestimmte Präludien
von ihm hörte,
sei es in Landhäusern oder
in einem Höhengelände
oder aus offenen Terrassentüren
beispielsweise aus einem Sanatorium,
wird es schwer vergessen.
Nie eine Oper komponiert,
keine Symphonie,
nur diese tragischen Progressionen
aus artistischer Überzeugung
und mit einer kleinen Hand.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
MÃE
Trago-te em mim como uma ferida
que não se fecha em minha fronte.
Nem sempre dói, e não se apouca
ao coração por ela a vida.
Só fico às vezes cego de repente
e sinto sangue na boca.
MUTTER
Ich trage dich wie eine Wunde
auf meiner Stirn, die sich nicht schließt.
Sie schmerzt nicht immer. Und es fließt
das Herz sich nicht draus tot.
Nur manchmal plötzlich bin ich blind und spüre
Blut im Munde.
– Gottfried Benn, em “50 Poemas, de Gottfried Benn". [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
BREVE BIOGRAFIA DE GOTTFRIED BENN
Gottfried Benn (1886-1956) |
Gottfried Benn nascido a 2 de Maio de 1886, em Mansfeld, no Bandenburgo, Gottfried Benn foi o mais velho dos filhos de uma larga família dada à luz por um pastor protestante (Gustav Benn) e uma suíça de língua francesa (Caroline Benn). Cresceu a contar histórias aos irmãos mais novos e a odiar a austeridade paterna, que o obrigou a estudos de teologia, primeiro, filologia, depois, e de medicina, finalmente, apesar do seu interesse pelas letras. A perda da mãe, aos 26 anos, forneceu-lhe o motivo para o primeiro livro de poemas: Morgue und andere Gedichte (1912). À publicação do livro, seguiram-se contatos com Else Lasker-Schüler e editores e escritores expressionistas. Enquanto prestava serviços médicos durante a Primeira Grande Guerra, apaixonou-se pela atriz Edith Brosin. O casamento pouco durou. Benn perdeu a mulher em 1921. Especializado em doenças sexuais, atraído pelo nazismo e pela cantora de ópera Ellen Overgaard (a ordem de interesses é aleatória), acabou por ser ostracizado pelos parceiros mais liberais. Mas o regime do Führer também não lhe foi menos hostil. «O poeta passou a uma forma aristocrática de emigração; remetido ao silêncio desde 1936, data em que ainda saem os seus Poemas Escolhidos, silêncio em que vai ficar até 1948 (Poemas Estáticos), em Maio de 1938 fora excluído da Câmara dos Escritores, com radical proibição de escrever e publicar» (Vasco Graça Moura). A razão da hostilidade nazi ter-se-á ficado a dever, antes de mais, ao simples facto dos seus livros terem sido publicados por firmas presididas por judeus. Mas também foi acusado de publicar uma poesia degenerada e homossexual. Ainda assim, voltou a servir durante a Segunda Grande Guerra. Para trás tinham ficado, além dos poemários, uma novela e algumas peças teatrais. Voltou a casar uma segunda e uma terceira vezes. A sua segunda mulher, que era igualmente sua secretária, suicidou-se em Julho de 1945 e, em Dezembro de 1946, o poeta juntou-se a uma jovem dentista chamada Ilse Kaul. Terminada a Guerra, foi relegado ao silêncio pelos aliados. Só a publicação dos Poemas Estáticos reabilitou o autor, publicando a partir de então trabalhos em prosa e em verso. Em 1951, foi-lhe atribuído o Prémio Georg Büchner. Morreu no dia 7 de Julho de 1956, vítima de cancro nos ossos.
Fonte biográfica: "Antologia do Esquecimento".
Obra de Gottfried Benn em português
:: 50 Poemas, de Gottfried Benn. [selecção, tradução e prefácio de Vasco Graça Moura]. Porto: O Oiro do Dia, 1982; Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
Antologia (participação)
:: Poesia alheia, 124 poemas traduzidos. [tradução e organização Nelson Ascher]. Rio de Janeiro Imago, 1998.
:: Poesia expressionista alemã: uma antologia. [organização e tradução de Claudia Cavalcanti]. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
Gottfried Benn e Ilse Benn, sua mulher
Direitos reservados aos herdeiros
Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske, em colaboração com José Alexandre da Silva.
Georg Trakl, poeta expressionista austríaco
![]() |
Georg Trakl, 1910 |
Georg Trakl era reconhecido por pessoas como os filósofos Wittgenstein, (que apesar de o admirar, dizia não o compreender), e Heidegger, que tentou decifrar a sua "ambígua ambiguidade".
Tornou-se, através dos poemas escritos, sobretudo nos seus dois últimos anos, num dos maiores expressionistas e num poeta de excepção que, estabelecendo o nexo entre a loucura de Hölderlin e o desespero de Paul Celan, tem sido um poeta de culto para um sem-número de leitores devotos.
Obras (Poesia): "Poemas",1913; "Sebastião no Sono", 1915.
:: Fonte: porosidade-eterea (acessado em 4.4.2016).
:: Dados biográficos complementares:
BARRENTO, João. Georg Trakl - Uma Vida sem Ornamentos. in: A Phala, nº 28, p.4-6. Disponível no link e link. (acessdo em 4.4.2016)
BARRENTO, João (excertos biográficos). Georg Trakl. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
CARONE NETTO, Modesto. Trakl transforma grito em geometria. Folha de S.Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
"(...) recebi o “Sebastião no Sonho”, do qual muito já li: comovido, estupefato, cheio de pressentimentos e perplexidade; pois logo se entende que as circunstâncias desse soar ascendente e ressoar descendente foram irremediavelmente únicas, justamente como as que nascem do sonho. Tenho a sensação de que, mesmo para alguém próximo a Trakl, essas perspectivas e visões só aparecem como se através de vidros, como se excluído delas: pois a experiência de Trakl é como uma sucessão de reflexos e preenche todo o seu espaço, inacessível qual o espaço do espelho."
- Rainer Maria Rilke, em 'carta a Ludwig von Ficker', publicado no livro "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
OBRA DE GEORG TRAKL NO BRASIL E PORTUGAL
:: Poemas - Georg Trakl. [tradução, introdução e notas Marco Lucchesi]. Colecao A face da utopia. Rio de Janeiro: Numen, 1990.
:: Outono transfigurado - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
:: De profundis e outros poemas. Georg Trakl. [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994, 113p.
:: Poemas à noite - Georg Trakl e Rainer Maria Rilke. [tradução Marco Lucchesi]. Edição bilíngue. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
Em antologia
:: A poesia alemã - breve antologia. (Lavant, Kaschnitz, Enzensberger, Brecht, Benn, Trakl, Rilke, Heine, Hölderlin, Schiller, Goethe).. [seleção e tradução Roswita Kempf]. Edição bilíngue. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1981.
:: Poesia expressionista alemã: uma antologia. {poetas: Johannes R. Becher, Gottfried Benn, Albert Ehrenstein, Iwan Goll, Walter Hasenclever, Georg Heym, Jakob van Hoddis, Wilhelm Klemm, Else Lasker-Schüler, Alfred Lichtenstein, Ludwig Rubiner, René Schickele, Ernst Stadler, August Stramm, Georg Trakl e Franz Werfel}.. [organização e tradução Cláudia Cavalcanti]. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
:: A alma e o caos. 100 poemas expressionistas. [Seleção e tradução João Barrento]. Lisboa: Relógio d'Água, 2001.
![]() |
Georg Trakl, Self-Portrait, likely painted in the studio of Max von Esterle, Innsbruck, November 1913 |
Do lado de fora, desertores são enforcados. Um dos feridos se mata, com um disparo, em sua presença. Ele também tenta o suicídio. Mas só obtém sucesso posteriormente, na segunda tentativa. Com uma overdose de cocaína. Idade: 27 anos. Nome: Georg Trakl.
Nativo de Salzburgo, ele nascera não na pequena Áustria de hoje, mas no grande império dos Habsburgos. Um império que não se imaginava à beira do colapso. Somente duas características distinguiram-lhe a vida: as drogas nas quais se viciara e a poesia.
Reconhecido por pessoas tão diferentes quanto os filósofos Wittgenstein, que apesar de admirá-lo, dizia não compreendê-lo, e Heidegger, que procurou decifrar sua “ambígua ambiguidade” (sic). Trakl tornou-se, através dos poemas escritos sobretudo nos seus dois últimos anos, o maior dos expressionistas e um poeta de exceção que, estabelecendo o nexo entre a loucura de Hölderlin e o desespero de Celan, tem sido cultuado quase secretamente por um sem-número de leitores devotos. [...]
Pois, mais do que o vício, é sua poesia que prefigura o próprio e outros fins. Uma poesia de declínios e ocasos, desintegração e ruínas, decomposição e lindas mortes. Uma poesia orientada para um ocidente poente (Abendland) que é a terra do entardecer (Abend), onde os animais são azuis e dorme-se um sono branco. Uma poesia dolorosamente imbuída da doença do mundo ao seu redor, descrente de qualquer cura e nostálgica de um tempo inconcebivelmente remoto.
Foi Heine que, canceroso, agonizando em seu leito-esquife, escreveu: “Dormir é bom; morrer, melhor; o certo, porém, seria nunca ter nascido”. Trakl considerava-se apenas seminascido.
O suicídio servira menos para matá-lo do que para abortar seu completo nascimento. Tratava-se, portanto, da consumação natural da nostalgia de seus poemas sob a forma de um derradeiro mergulho amniótico no antes — não depois — da vida, do pecado e da queda."
- Nelson Ascher, em orelha do livro: "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
RONDEL
Foi-se o dourado dos dias,
Cor marrom e azul da tarde:
Doces flautas vãs do pastor
Cor marrom e azul da tarde
Foi-se o dourado dos dias.
(1912)
Georg Trakl, por (...) |
TRAKL EM TRADUÇÃO DO POETA PORTUGUÊS JOÃO BARRENTO
GRODEK
Ao entardecer, as florestas outonais
Ecoam de armas mortíferas, e as planícies douradas
E os lagos azuis, por sobre os quais rola
Um sol sombrio; a noite abraça
Guerreiros moribundos, o lamento selvagem
das suas bocas destroçadas.
Mas, em silêncio, num fundo de salgueiros,
juntam-se nuvens rubras, onde um Deus irado habita;
E o sangue derramado; e frescura lunar;
Todos os caminhos desembocam em negra podridão.
Sob dourada ramagem da noite e sob estrelas
A sombra da irmã vacila pelo bosque do silêncio,
Para saudar o espírito dos heróis, as cabeças ensanguentadas;
E levemente, nos canaviais, soam as flautas sombrias do outono.
Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,
Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante do espírito,
Os filhos que ainda hão-de nascer.
(1914)
*
GRODEK
Am Abend tönen die herbstlichen Wälder
Von tödlichen Waffen, die goldnen Ebenen
Und blauen Seen, darüber die Sonne
Düstrer hinrollt; umfängt die Nacht
Sterbende Krieger, die wilde Klage
Ihrer zerbrochenen Münder.
Doch stille sammelt im Weidengrund
Rotes Gewölk, darin ein zürnender Gott wohnt,
Das vergoßne Blut sich, mondne Kühle;
Alle Straßen münden in schwarze Verwesung.
Unter goldnem Gezweig der Nacht und Sternen
Es schwankt der Schwester Schatten durch den schweigenden Hain,
Zu grüßen die Geister der Helden, die blutenden Häupter;
Und leise tönen im Rohr die dunklen Flöten des Herbstes.
O stolzere Trauer! ihr ehernen Altäre,
Die heiße Flamme des Geistes nährt heute ein gewaltiger Schmerz,
Die ungebornen Enkel.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
A Karl Borromäus Heinrich
Pleno de harmonias é o voo das aves. As verdes florestas
Juntaram-se à noitinha em cabanas mais tranquilas;
E os pastos cristalinos da corça.
O escuro acalma o murmúrio do regato, as sombras húmidas
E as flores do verão, que soam belas ao vento.
Crepuscula já a fi.onte ao homem pensativo.
E uma luzinha, a da bondade, se acende no seu coração
E a paz da ceia; pois santificados estão o pão e o vinho
Pelas mãos de Deus, com olhos de noite o irmão
Contempla-te calmamente, para repousar da espinhosa
caminhada.
Oh, este viver no azul anímico da noite.
Com amor também, o silêncio envolve no quarto as sombras
dos velhos,
Os martírios purpúreos, lamento de uma grande geração,
Que aí vai agora, piedosa, no filho solitário.
Porque, mais radiante sempre, acorda dos negros minutos da
loucura
O sofredor em soleira petrificada
E poderosamente o envolve o frio azul e o declinar cintilante
do outono,
A casa tranqüila e as lendas da floresta,
Lei e medida, e os atalhos lunares dos desterrados.
(1914)
*
GESANG DES ABGESCHIEDENEN
An Karl Borromaeus Heinrich
Voll Harmonien ist der Flug der Vögel. Es haben die grünen Wälder
Am Abend sich zu stilleren Hütten versammelt;
Die kristallenen Weiden des Rehs.
Dunkles besänftigt das Plätschern des Bachs, die feuchten Schatten
Und die Blumen des Sommers, die schön im Winde läuten.
Schon dämmert die Stirne dem sinnenden Menschen.
Und es leuchtet ein Lämpchen, das Gute, in seinem Herzen
Und der Frieden des Mahls; denn geheiligt ist Brot und Wein
Von Gottes Händen, und es schaut aus nächtigen Augen
Stille dich der Bruder an, daß er ruhe von dorniger Wanderschaft.
O das Wohnen in der beseelten Bläue der Nacht.
Liebend auch umfängt das Schweigen im Zimmer die Schatten der Alten,
Die purpurnen Martern, Klage eines großen Geschlechts,
Das fromm nun hingeht im einsamen Enkel.
Denn strahlender immer erwacht aus schwarzen Minuten des Wahnsinns
Der Duldende an versteinerter Schwelle
Und es umfangt ihn gewaltig die kühle Bläue und die leuchtende Neige des Herbstes,
Das stille Haus und die Sagen des Waldes,
Maß und Gesetz und die mondenen Pfade der Abgeschiedenen.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
RONDEL
Esgotou-se a fonte de oiro dos dias,
Os tons da tarde, azuis e outonais:
Morreram doces flautas pastorais
Os tons azuis da tarde, e outonais
Esgotou-se a fonte de oiro dos dias.
(1912)
*
RONDEL
Verflossen ist das Gold der Tage,
Des Abends braun und blaue Farben:
Des Hirten sanfte Flöten starben
Des Abends blau und braune Farben
Verflossen ist das Gold der Tage
(1912)
- Georg Trakl, em "A alma e o caos. 100 poemas expressionistas". [Seleção e tradução João Barrento]. Lisboa: Relógio d'Água, 2001.
(4.ª versão)
Em honra de Else Lasker-Schüller
1.
Lua, como se saísse coisa morta
De azul caverna,
E das flores em botão muitas caem
Sobre o atalho rochoso.
Argêntea, chora coisa doente
Junto ao largo da tarde,
Em negro barco
Amantes se passaram.
Ou são os passos de Élis
Que soam pelo bosque,
O de jacintos,
Perdendo-se de novo sobre carvalhos.
Oh, a imagem do rapaz
Moldada por lágrimas de cristal,
Sombras nocturnas.
Relâmpagos rasgados iluminam-lhe as fontes,
As sempre frescas,
Quando na colina verdejante
Ressoa a trovoada primaveril.
2.
Que silêncio, o das verdes florestas
Da nossa terra,
Da vaga cristalina
Morrendo contra um muro em ruínas,
E nós chorámos durante o sono;
Deambulam com passos hesitantes
Ao longo de espinhosa sebe
Cantores no verão da tarde,
Na paz sagrada
Do reflexo distante de vinhedos;
Sombras agora no fresco seio
Da noite, águias carpindo.
Que silêncio o do raio lunar fechando
As marcas purpúreas da melancolia.
3.
Vós, grandes cidades
petreamente construídas
na planície!
Mudamente,
fronte ensombrada,
o sem-pátria segue o vento,
as árvores nuas na colina.
Vós, rios do longínquo entardecer!
Vermelho crepuscular aterrador
cria portentosos terrores
em nuvens de tempestade.
Vós, povos moribundos!
Pálida onda
desfazendo-se nas praias da noite,
estrelas cadentes.
(1914)
*
ABENDLAND
4. Fassung
Else Lasker-Schüler in Verehrung
1
Mond, als träte ein Totes
Aus blauer Höhle,
Und es fallen der Bluten
Viele über den Felsenpfad.
Silbern weint ein Krankes
Am Abendweiher,
Auf schwarzem Kahn
Hinüberstarben Liebende.
Oder es läuten die Schritte
Elis' durch den Hain
Den hyazinthenen
Wieder verhallend unter Eichen.
O des Knaben Gestalt
Geformt aus kristallenen Tränen,
Nächtigen Schatten.
Zackige Blitze erhellen die Schläfe
Die immerkühle,
Wenn am grünenden Hügel
Frühlingsgewitter ertönt.
2
So leise sind die grünen Wälder
Unsrer Heimat,
Die kristallene Woge
Hinsterbend an verfallner Mauer
Und wir haben im Schlaf geweint;
Wandern mit zögernden Schritten
An der dornigen Hecke hin Singende
im Abendsommer,
In heiliger Ruh
Des fern verstrahlenden Weinbergs;
Schatten nun im kühlen Schoß
Der Nacht, trauernde Adler.
So leise schließt ein mondener Strahl
Die purpurnen Male der Schwermut.
3
Ihr großen Städte
Steinern aufgebaut
In der Ebene!
So sprachlos folgt
Der Heimatlose
Mit dunbler Stirne dem Wind,
Kahlen Bäumen am Hügel.
Ihr weithin dämmernden Ströme!
Gewaltig ängstet
Schaurige Abendröte
Im Sturmgewölk.
Ihr sterbenden Völker!
Bleiche Woge
Zerschellend am Strande der Nacht,
Fallende Sterne.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
§
"Trakl pertence à estirpe dos poetas videntes na que figuram Blake, Hölderlin, Rimbaud, Lautréamont e Artaud. Poetas que penetraram no obscuro do mundo e no obscuro do homem."
FORTUNA CRÍTICA DE GEORG TRAKL
ABI-SÂMARA, Raquel. Die Übersetzung von Trakls 'Verfalls' ins brasilianische und europäische Portugiesisch. In: Annette ENDRUSCHAT; Axel SCHÖNBERGER. (Org.). Übersetzung und Übersetzen aus dem und ins Portugiesische. Frankfurt am Main: Domus Editoria Europaea, 2004, v. 10, p. 129-139.
CAEIRO, Olívio. O expressionismo. in: Oito séculos de poesia alemã: Antologia comentada. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
CALIOLO, Cristina. Azuis românticos na lírica de Georg Trakl. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 2007. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
CANTARINO, Everardo Borges. As marcas do real em Georg Trakl e Modesto Carone. In: XIV Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada - ABRALIC, 2015, Pará. Fluxos e correntes: trânsitos e traduções literárias, 2015. v. 1. p. 173-174.
CARONE NETTO, Modesto. Trakl transforma grito em geometria. in: Folha de S.Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
CARONE NETTO, Modesto. Metáfora e montagem. Um estudo sobre a poesia de Georg Trakl. São Paulo: Persopectiva, 1974.
CARPEAUX, Otto Maria. A literatura alemã. [posfacio Wille Bolle]. 2ª ed., São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. [tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback]. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista SP: Editora Universitária São Francisco, 2003. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
MEYER, Alan Victor. A língua na leitura de G. Trakl por M. Heidegger. in: Ide (São Paulo) vol.34 no.53 São Paulo dez. 2011. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
MOLL, Maria Inês Gonçalves. Uma morada: linguagem e poesia em Heidegger. (Dissertação Mestrado em Filosofia). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, PUC Rio, 2008. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
ROC, João. A poesia expressionista de Georg Trakl. in: Obvious. Disponível no link. (acessado em 4.4.2016).
SALOMÃO, Priscila Casagrande. Expressionismo: A estética do feio em Murnau e Trakl. (Dissertação Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, USP, 2015.
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Georg Trakl 1914 |
Seus olhos paravam bem longe.
Quando garoto esteve no céu.
Por isso suas palavras vinham
De nuvens azuis e de brancas.
Discutíamos religião
Mas sempre como parceiros de jogo,
E levávamos Deus de boca em boca.
No princípio era o Verbo.
Coração de poeta, um firme castelo;
Seus poemas: teses cantantes.
Era mesmo Lutero.
Carregava na mão sua alma tríplice
Quando partiu para a guerra santa.
– Então soube que morrera –
Sua sombra permaneceu sem explicação
No entardecer do meu quarto.
GEORG TRAKL
Seine Augen standen ganz fern -
Er war als Knabe einmal schon im Himmel.
Darum kamen seine Worte hervor
Auf blauen und weißen Wolken.
Wir stritten über Religion,
Aber immer wie zwei Spielgefährten,
Und bereiteten Gott von Mund zu Mund.
Im Anfang war das Wort.
Des Dichters Herz, eine feste Burg,
Seine Gedichte: Singende Thesen.
Er war wohl Martin Luther.
Seine dreifaltige Seele trug er in der Hand,
Als er in den heiligen Krieg zog.
- Dann wußte ich, er war gestorben -
Sein Schatten weilte unbegreiflich
Auf dem Abend meines Zimmers.
- Else Lasker-Schüler (1915), em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
* Em: Lasker-Schüler, Else. Ich suche allerlanden eine Stadt – Gedichte, Prosa, Briefe, Leipzig, 1988.
IV
Tu és o vinho que embriaga o mundo,
E eu esvaio-me em sangue em danças de amor,
Coroando de flores a minha dor!
É a tua vontade, oh noite sem fundo!
- Georg Trakl, em "Outono Transfigurado".Georg Trakl. [tradução e prefácio de João Barrento]. Lisoa: Assírio & Alvim, 1992., p. 27.
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Georg Trakl (fotografie von C. P. Wagner in Innsbruck, 1910) |
:: Zunái - revista de poesia e debates
:: Zunái - revista de poesia e debates
Visões demoníacas mescladas com o horror da morte frequentam sua poesia forte. O suicídio de Ofélia, a execução (ou justiciamento) de Robespierre e Capet e o magistral poema Der krieg (A guerra) encenando expressionísticamente uma catástrofe bélica, numa premonição formidável da Primeira Guerra Mundial que desataria em 1914, porfia que não sofreu na própria carne (pressentiu na alma), mas expressou com força e precisão.
Diretamente influenciado por Rimbaud, a poesia de Heym cultiva a violência expressiva, renunciando à poesia de musicalidade trakliniana e à exultação de Stadler.
O fato de não ter aderido ao versolibrismo tem por efeito multiplicar a tensão interior dos poemas ao compactar neles a força reprimida da expressão levada ao ponto de explosão sempre.
Mantendo a ortodoxia sintática e estruturando conservadoramente o poema, alicerçado num estrofismo clássico, distanciado do verso livre de Stadler, Trakl, Benn e Stefan, Heym compensava esse “bom gosto”, abrindo as porteiras semânticas, optando pelo delírio do sentido, gestando imagens provocadoras, mesmo escandalosas. As metáforas exóticas, desde Rimbaud, passaram a apresentar índice de modernidade. Vê-se da poesia heymeana que o expressionismo não é menos audaz que o surrealismo no garimpo de formas semânticas heterodoxas ao limite.
Exemplo de poesia apocalíptica é o poema A guerra, em que Heym personifica o cortejo bélico “que se levanta do sono falso alçando-se de abôbadas profundas, grande, ignorado, ergue-se com o crepúsculo, animal noturno, e esmaga a lua com sua negra mão”.
E finaliza, premonitoriamente:
“O escombro toca o ombro do homem
rugido deletério invade a rua
para perguntas não há mais respostas
empalide o rosto sob rugidos de ferro
lá longe débil se ouve sinos de tiroteio
o pelo da alma treme, range o instinto
rubros estão os rios de sangue
mortos sem conta flutuam entre juncos negros
corvos se acantonam nos campos
onde batalhas supuram
a dor devora bosques
folhas de fogo saltam das árvores
ferve a raiva, pátrias se escalavram
sob os vértices das nuvens
vertigens de tormenta se erguem
e o mundo torna-se uma Gamorra”.
É patético – e antilírico – o primeiro verso do poema Ofélia, de Heym:”Ninhada de ratos d’água se alberga em seus cabelos”
Trakl e Heym são mestres na complexa operação de evocar passagens que encarnam estados psíquicos.
Trakl desenvolveu um modo peculiar de cenário desolador (pesadélico, mesmo) como um correlativo externo de suas agudas ansiedades e secretas.
Trakl detinha da realidade uma visão alienante (e negra, mesmo), mas esse tipo de subjetivismo é bom representante da concepção expressionista do mundo e das coisas da vida.
Heym e Trakl foram leitores precoces de Rimbaud, sendo nítida a influência que o vidente deixou na forma de escrita expressionista. Rastro que todos nós estamos seguindo.
Alguns críticos desavisados tentaram enquadrar G. Heym como pré-expressionista, condição logo repudiada, desde que Heym é, juntamente com Ernst Stadler e Georg Trakl, fundador do movimento, com seu livro Dia eterno, publicado em 1911.
Ihr seid verflucht. Doch eure Süße blüht
Wie eines herben Kusses dunkle Frucht,
Wenn Abend warm um eure Türme sprüht,
Und weit hinab der langen Gassen Flucht.
Dann zittern alle Glocken allzumal
In ihrem Dach, wie Sonnenblumen welk.
Und weit wie Kreuze wächst in goldner Qual
Der hohen Galgen düsteres Gebälk.
Und wie ein Meer von Flammen ragt die Stadt
Wo noch der West wie rotes Eisen glänzt,
In den die Sonne, wie ein Stierhaupt glatt,
Die Hörner streckt, (die dunkles) Blut bekränzt.
(Zdzisław Beksiński: artista polonês)
Maldição das Cidades
Vós sois malditas. Não obstante, vossa ternura floresce
como o fruto escuro de um beijo amargo,
quando a tarde quente chameja sobre vossas torres,
abarcando compridos e sinuosos becos.
Quais girassóis murchos vibram, então, uníssonos
todos os sinos no campanário. E longe,
numa visão de cruzes, crescem em tormentos de ouro
as vigas sinistras de altas forcas.
E como um mar de chamas, ergue-se a cidade,
sobre a qual ainda brilha o ocaso como ferro em brasa,
sobre a qual, liso como a cabeça de um boi,
o sol distende os chifres coroados de sangue negro.
Nota:
(*) O poema – a rigor, a seção V de uma composição mais alongada −, ao que parece, contava, de início, com três estrofes, assim como as traduziu o autor brasileiro; contudo, observa-se nas publicações recentes da obra de Georg Heym – a exemplo da divulgada neste endereço – a presença de uma quarta estrofe, interposta entre as segunda e terceira quadras supratranscritas, com o seguinte teor:
Die Toten schaukeln zu den Glockenklängen
Im Wind, der ihre schwarzen Leichen schwenkt,
Wie Fledermäuse, die im Baume hängen,
Die Toten, die der Abend übersengt.
(Os mortos oscilam ao tanger dos sinos
No vento que agita os seus negros despojos,
Como morcegos pendentes numa árvore,
Os mortos, abrasados pela luz do ocaso.)
Referência:
HEYM, Georg. Verfluchung der Städte / Maldição das cidades. Tradução de João Accioli. In: ACCIOLI, João (Seleção e Tradução). Poemas alemães. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, jul. 1954. Em alemão: p. 34; em português: p. 35.
Barris alcatroados rolavam das saídas
de depósitos escuros para os altos batelões.
Os rebocadores puxavam. A bruma da fumaça
caía fuliginosa sobre as ondas oleosas.
Dois vapores, com banda de música, vinham.
Baixaram chaminés sob o arco da ponte.
Havia fumo, fuligem e fedor sobre as vagas
imundas dos curtumes das peles marrons.
a barcaça, ressoavam os sinais,
como um retumbar crescendo no silêncio.
Deixamo-nos levar e entramos no canal
chegando lentamente aos jardins. No idílio
víamos os fanais noturnos de enormes chaminés.
BERLIM II
A margem alta da estrada, onde estávamos,
era branca de poeira. Vimos no estreito
inúmeras pessoas: fluxo de gente e multidão,
e ao longe a metrópole erguer-se na noite.
Cheias charabãs passavam pela massa
pendiam delas bandeiras de papel.
ônibus com capotas e carros.
Automóveis, fumaça e buzinas.
Rumo ao imenso mar de concreto. Mas a oeste
vimos, na longa estrada, árvore ao lado de árvore,
a filigrana das copas sem folhas.
O sol pendia grande no horizonte celestial.
E raios vermelhos abriam o caminho da noite.
E sobre todas as cabeças, um sonho de luz.
* Trad. Marco Aurélio Werle
O DEUS DA CIDADE
Escarrapachado sobre um quarteirão,
À sua volta acampam negros ventos.
Ele olha irado, ao longe, a solidão
De últimas casas em campos nevoentos.
Baal ao pôr do sol, pança luzindo,
À volta ajoelham as grandes cidades.
De um mar de negras torres vem subindo
O eco monstruoso das trindades.
Na rua, a multidão música entoa,
Em dança coribântica exaltada.
Das chaminés fabris o incenso escoa
E sobe até ele, em fragrância azulada.
No seu sobrolho crepitam temporais.
Narcortiza-se em noite o escuro dia.
Como os abutres, esvoaçam vendavais
Em cabeleira irada, que arrepia.
Estende no escuro a mão de carniceiro.
Um mar de fogo varre, num estremecer,
Toda uma rua, que acaba num braseiro,
Até que o dia tarde a amanhecer.
* Trad. João Barrento
DOIS POEMAS DE GEORG HEYM
Verfluchung der Städte (*)
Ihr seid verflucht. Doch eure Süße blüht
Wie eines herben Kusses dunkle Frucht,
Wenn Abend warm um eure Türme sprüht,
Und weit hinab der langen Gassen Flucht.
Dann zittern alle Glocken allzumal
In ihrem Dach, wie Sonnenblumen welk.
Und weit wie Kreuze wächst in goldner Qual
Der hohen Galgen düsteres Gebälk.
Und wie ein Meer von Flammen ragt die Stadt
Wo noch der West wie rotes Eisen glänzt,
In den die Sonne, wie ein Stierhaupt glatt,
Die Hörner streckt, (die dunkles) Blut bekränzt.
(Zdzisław Beksiński: artista polonês)
Maldição das Cidades
Vós sois malditas. Não obstante, vossa ternura floresce
como o fruto escuro de um beijo amargo,
quando a tarde quente chameja sobre vossas torres,
abarcando compridos e sinuosos becos.
Quais girassóis murchos vibram, então, uníssonos
todos os sinos no campanário. E longe,
numa visão de cruzes, crescem em tormentos de ouro
as vigas sinistras de altas forcas.
E como um mar de chamas, ergue-se a cidade,
sobre a qual ainda brilha o ocaso como ferro em brasa,
sobre a qual, liso como a cabeça de um boi,
o sol distende os chifres coroados de sangue negro.
Nota:
(*) O poema – a rigor, a seção V de uma composição mais alongada −, ao que parece, contava, de início, com três estrofes, assim como as traduziu o autor brasileiro; contudo, observa-se nas publicações recentes da obra de Georg Heym – a exemplo da divulgada neste endereço – a presença de uma quarta estrofe, interposta entre as segunda e terceira quadras supratranscritas, com o seguinte teor:
Die Toten schaukeln zu den Glockenklängen
Im Wind, der ihre schwarzen Leichen schwenkt,
Wie Fledermäuse, die im Baume hängen,
Die Toten, die der Abend übersengt.
(Os mortos oscilam ao tanger dos sinos
No vento que agita os seus negros despojos,
Como morcegos pendentes numa árvore,
Os mortos, abrasados pela luz do ocaso.)
Referência:
HEYM, Georg. Verfluchung der Städte / Maldição das cidades. Tradução de João Accioli. In: ACCIOLI, João (Seleção e Tradução). Poemas alemães. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, jul. 1954. Em alemão: p. 34; em português: p. 35.
HOSPÍCIO
Ernst Stadler (1883-1914, na guerra)
Aqui está a
vida, que mais nada sabe sobre si –
Consciência
de mil braças bem afundada no Universo.
Aqui soa por
salas vazias o coral do nada.
Aqui há
sossego, refúgio, regresso, quarto de criança.
Aqui nada
humano ameaça. Os olhos fixos,
Pendurados
no vazio, perturbados e assustados,
Tremem só de
medo dos quais escaparam.
Mas para
alguns o terrestre ainda cola em corpos imperfeitos.
Eles não
querem deixar o dia, que desaparece.
Eles se
jogam em espasmos, gritam estridentemente nos banhos
E
acocoram-se gemendo e abatidos nos cantos.
Mas pra
muitos o céu se abriu.
Eles ouvem
as vozes mortas de todas as coisas que circulam
E a música
suspensa do Universo.
Eles às
vezes falam palavras estranhas que não se entende.
Eles sorriem
quietos e amigáveis como fazem as crianças.
Nos olhos
ocultos, que nada de corporal mantém,
encontra-se
a felicidade.
(Tradução de
Cláudia Cavalcanti, Poesia Expressionista Alemã – Uma antologia; SP: Estação
Liberdade, 2000).
Form ist Wollust
PROCESSO
DE MODULAÇÃO NO POEMA E
NA
PINTURA: Georg Trakl e Edward Munch
Aguinaldo
José Gonçalves (PUC –GO)
RESUMO:
Este artigo se propõe a discutir o procedimento de
modulação em arte como elemento determinante na fundamentação do objeto
estético, tanto nos movimentos da literatura e sobretudo da poesia, quanto nas
obras advindas de outros sistemas icônicos ou indiciais. O artigo elege alguns
poetas do expressionismo alemão, como Georg Trakl, que produziram
desrealizações sintáticas, lexicais, prosódicas e semânticas. O interessante é
mostrar esses procedimentos nas artes plásticas, aqui figurativizados na
pintura de Edward Munch. Como resultado, demonstramos que os movimentos
tensivos, seja no signo verbal, seja no ícone, dependem do grau de articulação
entre a instância sígnica da semiótica e de sua instância semisimbólica.
Palavras-chave:
Intersemioticidade;
Modulação; Pintura; Poesia.
O processo de construção da arte nas suas várias
categorias expressivas realizado por meios distintos de linguagem respeita
sempre três instâncias das quais não é possível fugir. Referimo-nos aos
seguintes passos determinantes: composição, realização e modulação. Essas três
instâncias independem do grau de profundidade da obra realizada. Desde que a
função, poética ou estética, seja hierarquicamente posta em evidência haverá
sempre a manifestação desses graus de construção artística. Entretanto, vale
notar, que, num trabalho considerado de excelência, as instâncias construtivas
adquirem um grau de aprofundamento e complexidade que vai determinar os pontos
nevrálgicos de contenção e de contensão da obra. Evidentemente nos dois
conceitos está presente o que a semiótica greimasiana passa a denominar de
"aspectos tensivos". Gostaríamos de assinalar que tanto no processo
de composição (primeiro grau de distribuição sígnica do espaço inventivo); de
realização (operacionalização da linguagem na distribuição decisiva dos
signos); e de modulação (instância fulcral da compleição da obra), existem
graus diferenciados de articulação e de aprofundamento do trabalho artístico.
Chegamos aqui ao fundamento que conduz o presente
artigo. Consiste em assinalarmos a instância da modulação como universo sem o
qual inexiste o trabalho de arte. Modular significa elevar o processo
construtivo ao seu grau maior dentro das limitações de cada autor ou de cada
trabalho artístico. Modular significa integrar pelo processo de desrealização
sígnica as dimensões do signo enquanto representação do referente ou do objeto,
plasmando o estilhaçamento gerador das esferas semi-simbólicas da linguagem.
Dessa esfera dependerá a resultante do objeto intencional criado. Quão maior
for a profusão entre signo e semi-símbolo e quão maior for a harmonia dessa
conjunção podemos afirmar que mais intensa, mais completa, será a obra. Faremos
aqui uma espécie de introdução à questão; um anúncio talvez. O tema é complexo
e de alta valia para os estudos intersemióticos. Assim, elegemos para
abordarmos parte do assunto, alguns trabalhos do expressionismo alemão,
mediante os profícuos momentos criativos daquele movimento e o modo como
sistemas verbais e visuais se relacionaram.
Algumas
“águias” do expressionismo alemão: a força da lírica
Ao perscrutar certos textos, principalmente os textos
poéticos daqueles que se consideram como os líderes do movimento, a intensidade
do que se denominará expressionismo recai na década anterior à explosão da
primeira guerra mundial. No olhar mental de todos os melhores apresentadores e
críticos do expressionismo, há sem dúvida, uma intensa influência do pensamento
de Nietzsche (e Strindberg) nos autores desse período. Sobretudo, nessa fase
primeira, a literatura esteve voltada para a crítica ao status quo da sociedade
alemã, com valores profundamente arraigados na burguesia e mesmo no modo de se
compor das autoridades militares sem olhos para a condição social real da
população carente.
Os índices estéticos que se manifestam nas outras
artes, principalmente na música de Shoenberg e na pintura expressionista alemã
que atravessaram as fronteiras da Alemanha bem antes que a literatura, valem
muito para que possamos compreender os aspectos mais decisivos da literatura.
Para se compreender o espírito de um determinado movimento estético, é
fundamental que se conjugue os aspectos manifestados nas suas variadas formas
de expressão. Nesse sentido, pensando nas relações comparadas dos sistemas
distintos, lembramos da feliz expressão de Ulrich Weissstein: “mútua iluminação
das artes”. Cada arte, devido o meio que lhe propicia se manifestar, vale-se dos
seus recursos próprios. E esse veio apreende o sentido que nem sempre a outra
arte seja capaz de apreender com tanta intensidade.
O irracionalista específico entre os expressionistas é
o grande poeta Gottfried Benn (1886-1956). Suas poesias têm forma tradicional:
o metro, as rimas, vistas superficialmente, poderiam ser de um poeta romântico.
Também são - e isto é uma das grandes qualidades da poesia de Benn - muito musicais.
Poesias como “Anemona, Trunkene Flut” (Enchente Embriagada), “Leben” (Vida) e
outros têm, apesar de toda a exaltação dionisíaca dos instintos, algo da beleza
melancólica de Trakl e algo da meditação filosófica de Rilke. Mas o espírito
que se informa é totalmente diferente; a filosofia é a de um desespero infinito
e a melancolia é a de catástrofe inevitável. A catástrofe veio. Preparado para
tanto pelo seu biologismo e pelo seu nietzscheanismo, Benn aderiu em 1933 ao
nazismo, manifestando-se de maneira surpreendente e repelente. Desistindo das
últimas veleidades de fazer poesia “dionisíaca”, voltou-se, nos Poemas
Estáticos, para um objetivismo seco: a filosófica nietzschiana, anti-histórica,
agora lhe serve para opor ao mundo das evoluções e decomposições e putrefações
da História, o mundo estático e imperecível da arte. Mas atrás das expressões
aparentemente calmas dessa poesia “estática” se descobre o mesmo desespero de
sempre. Benn sempre foi niilista. Mas é grande poeta. Excetuando-se a figura
singular de Trakl, é Benn o maior poeta do expressionismo alemão e, também, o
mais “moderno”. Seus recursos de sintaxe e metafóricos não têm nada que ver com
a poesia de grito inarticulado; são altamente artísticos e tem,
conscientemente, relações com a poesia, a outro respeito muito diferente, de
Rimbaud e Valéry, de Eliot e Maiakovski.
Era necessário que aparecesse um olhar poético
fervoroso e competente que, segundo ele, pudesse extrair o R-X da cidade com
tal clareza e intensidade que a vencesse. Esse olhar surgiu e conseguiu.
Tratou-se do poeta Georg Heym. O que para muitos críticos mais impressionou
neste poeta é que nascido na Hirschberg, Silésia, um provinciano que veio para
Berlim, tornou-se um visionário, um surrealista superBerliner, como jamais alguém
havia visto antes. Heym amava as explosões de cores nas pinturas de Van Gogh e
desejava um dia transcriá-las em palavras. O poema dos poemas para ele era Le
bâteau ivre, de Rimbaud. Viu em Berlim, até mesmo por não conhecer cidades como
Paris, uma espécie de síntese de todas as grandes cidades e pela imaginação,
Heym conseguiu realizar uma poesia metonímica e intensa onde, segundo ele, não
haveria lugar para a dialética. A visão de Heym manifestada em suas obras pode,
dentro do que podemos compreender por expressionismo, revelar a alma, o eixo
desse movimento. O grau de ironia do poeta era como ferrugem espalhada sobre um
alumínio luzidio. Berlim insistia em ser alumínio, em seus costumes, em sua
música tradicional, em seus folguedos teatrais. E contra tudo isso se colocou a
intensidade expressionista do poeta. Tudo que se opunha aos seus olhos, à sua
percepção ferina e crítica, ele passava a odiar, mas odiar por meio de
manifestações competentes, imagens flamejantes e toda uma dimensão estética que
conseguia apreender tudo isso. Arriscaria dizer que a primeira geração
expressionista caracterizou-se, historicamente, por certo princípio de captação
ou profetização da eminência da Primeira Guerra Mundial. A intensidade de
euforia determinou de maneira singular essa geração mais do que qualquer outro
movimento estético. O número de participantes, bem como a rede do cotidiano que
delineou a atmosfera do movimento é bem maior que as obras produzidas que
permaneceram e às quais hoje temos acesso. Entretanto, como vimos realizando,
alguns artistas tiveram relevância muito grande pelo que conseguiram produzir e
pelo que ficou de suas obras. Dentro desse atormentado espírito que conduzia
todos os participantes, cada um seguia por uma determinada vertente idealista, difícil
de especificar pela sua versatilidade. É o caso, por exemplo, do poeta Ernst
Stadler (1883- 1914). Um temperamento viril e tempestuoso, descrevendo em
versos longos, whitmanianos, o êxtase erótico-sexual e sensações semelhantes
inspiradas por uma corrida em trem de estrada de ferro, rapidíssimo, ou por um
ataque de cavalaria, nas manobras do exército. Stadler acreditava que a guerra,
desencadeando os instintos, pudesse ser a suprema realização dos anseios do
homem moderno. Profetizou-a, desejando-a ardentemente. Quando em 1915 chegou a
publicar-se seu volume Aufbruch (Partida), o poeta já estava sepultado em solo
francês; morrera num ataque de cavalaria.
Outros poetas: Jakob Hoddis (1887-1942); Kurt Hiller
(1885); envolvidos na Revista Aktion. É importante assinalar que a primeira
geração do Expressionismo se encerra como o estourar a guerra de 1914.
Uma poesia para a posteridade: Georg Trakl
Pelos
casebres de barro trepa uma vinha purpúrea,
Sonoros
feixes de trigo amarelado,
O
zumbir das abelhas, o vôo do grou.
À
noitinha os ressuscitados encontram-se em atalhes rochosos.
Alguns tipos de relações intersemióticas repousam num
gesto mental traduzido por um movimento abstrato ou ao menos não perceptível
aos olhos e aos sentidos imediatos de nosso corpo ou de nossa percepção
tangível. Trata-se de uma espécie de sentimento compreendido no modo junguiano
ou por mais que possa parecer incongruente, na visão de Emmanuel kant na obra
Crítica da Razão Pura ao analisar o que denomina de SENSIBILITÉ para mostrar os
elementos da sensorialidade que vão além dos cinco sentidos. Vale aqui,
indicarmos as considerações da fenomenologia de Merleau-Ponty ao desenvolver
suas ilações sobre "o visível e o invisível" às questões concernentes
"ao olho do espírito" para a analisar, neste último caso, a pintura
de Paulo Cézanne. O movimento sintático e semântico da poesia de Trakl se
constrói pelo desajuste dos contornos e dos desconfortos em busca de uma
compreensão que se procura em vão das nuanças inusitadas da materialidade dos
signos. Dentro da retórica plástica, poder-se-ia dizer que o mesmo ocorre com
os elementos tensivos das composições do pintor Edward Munch.
Para a tradição literária, sempre há um ou dois
artistas que resistem aos turbilhões de um movimento de ideias, de uma
revolução que se insere num painel de convulsão em busca de uma metamorfose de
valores engenhando uma obra, capaz de interferir decisivamente na evolução da
forma. Tratando-se especificamente de poesia, raros são aqueles (mas eles
sempre existem) que, além de bem representar seu momento junto aos demais
companheiros de geração, deixam para o futuro o seu legado. Este legado muitas
vezes se manifesta em forma de “estranha incompreensão” ou de enigma.
É o caso desse poeta expressionista Georg Trakl que
recebeu esse grande elogio de um dos maiores pensadores do século, Luig
Wittgeinstein: “Não entendo a poesia de Trakl, mas me deslumbra, e não há nada
que me dê melhor idéia de gênio.” Sua poesia se realizou no apogeu do movimento
expressionista, entre os anos de 1912 a 1914 e, mesmo denunciando os traços de
referência do que vivenciava, fez-se poesia em que forma se impôs para suscitar
os sentidos e determinar sua universalidade. O caminho encontrado por Trakl é
aquele de todo grande poeta: conferir à imagem e ao ritmo a condução da poesia.
Entretanto, a imagem e o ritmo de sua poesia, ou ambos conjugados num só tom
desenham uma forma que se pode denominar estilo e é esse estilo que fica na
mente sensorial do leitor depois de conviver com alguns de seus poemas.
Aparentemente simples, a sua poesia faz juz ao que definiu Hölderlin sobre a
poesia lírica: “Metáfora contínua de um sentimento único”. Para lembrar os
princípios mallarmaicos (apesar da grande diferença dentre os dois poetas) a
poesia de Trakl cumpre todos os passos que devem cumprir um grande artista,
sobretudo da palavra que lida com um meio cujas duas faces se relacionam, em
princípio, arbitrárias. Para Mallarmé, o trabalho construtivo da poesia deve
passar, primeiramente, por um processo de composição, depois de realização e,
finalmente, modulação. Leiamos o seguinte poema do poeta alemão:
Meu
coração ao crepúsculo
No
crepúsculo ouve-se o grito dos morcegos.
Dois
cavalos saltam no gramado.
O
ácer vermelho sussurra.
Ao
andarilho surge no caminho a pequena taberna.
Maravilhoso
o sabor de vinho novo e nozes.
Maravilhoso:
cambalear bêbado na floresta crepuscular.
Pelos
galhos negros ressoam sinos aflitos.
No
rosto pinga orvalho. (1912)
Zu
abend mein herz
Am
Abend hört man den Schrei der Fledermaüse.
Zwei
Rappen springen auf der Wiese.
Der
rote Ahorn rauscht.
Dem
Wanderer erscheint die kleine Schenke am Weg.
Herrlich
schmecken junger Wein und Nüsse.
Herrlich:
betrunken zu taumeln in dämmernden Wald.
Durch
schwarzes Geäst tönen schmerzliche Glocken.
Auf
das Gesicht tropft Tau.
(1912)
Escolher um bom exemplo da poesia de Trakl é
praticamente impossível devido a homogeneidade com que se apresenta sua obra.
Entretanto, temos em “Meu coração ao crepúsculo” uma escolha que bem servirá
para que possamos adentrar um pouco nesta poesia e apresentar alguns de seus
procedimentos que diríamos, expressionistas, para não dizer modernos. A
metáfora-título “meu coração ao crepúsculo” nos remete de imediato ao temário
romântico, ao subjetivismo exposto e linear da maioria da poesia romântica.
Porém, ao dizermos metáfora-título, estamos nos reportando à contravenção do
título em relação aos versos do poema. Enquanto nele, por meio de um
procedimento sinedótico, o poeta se vale da imagem do coração precedida da primeira
pessoa e seguida de uma metonímia romântica (crepúsculo) nos iludindo para uma
expressão poética própria do romantismo, o corpo do poema nos conduz para um
universo de imagens extremamente visuais, marcadas pelas justaposições
metonímicas que apenas se interagem pelo movimento das próprias sensorialidades
que vão penetrando no texto. Esse procedimento de justaposição também se
estende ao procedimento sintático do poema. Os oito versos que compõem a única
estrofe, correspondem a oito orações independentes o que determina o caráter
totalmente paratático que vai cada vez mais encontrar ressonância na poesia
moderna do século XX e nos experimentalismos da poesia dos anos 50 e 60 de
vários países, inclusive na poesia brasileira. Mas de todos os poetas influenciados
por Hölderlin, só um, o primeiro, foi grande. Georg Trakl (1887-1914). Foi um
jovem boêmio muito triste, perdido na vida provinciana de Salzburgo, então
cidadezinha adormecida, poeta conhecido só de alguns poucos amigos em Innsbruck
e Viena. Morreu em 1914, em Cracóvia, atrás da frente de batalha, por superdose
de soporífero, talvez suicida. Não é possível definir em poucas palavras a
poesia de Trakl: confundem-se nela influências aparentemente incompatíveis, de
Hölderlin e de Baudelaire, a paisagem barroca de Salzburgo e a paisagem
primitiva, rústica, dos arredores, um crasso naturalismo de camponês e a música
mozartiana, sensibilidade inédita às cores e a mais rara harmonia do verso,
rica vida onírica e herética revolta religiosa. Considerado pela crítica, como
autor de poemas incomparáveis em toda a literatura alemã. A classificação de
Trakl como poeta da primeira geração expressionista tem bons motivos, além dos
cronológicos: certas coincidências com o contemporâneo e conhecido Georg Heym (não
se conheciam pessoalmente); a atitude de revolta contra a época; a morte
prematura. Mas nenhum desses detalhes dá a medida da grandeza de Trakl. Seu
hermetismo não esconde, mas revela a beleza de uma arte intemporal; sua
melancolia não é romântica, mas existencial; sua forma é menos holderliniana
que seu espírito. Críticos da maior responsabilidade colocam-no acima da poesia
de Georg Heyn e de Hofmannsthal, mas até acima de Rilke. Em termos recentes,
sua fama começa a romper a barreira linguística que condena ao
meio-desconhecimento no mundo a poesia lírica alemã; Trakl já é admirado na
França e na Inglaterra.
Um
exemplo especial de relação intersemiótica: Georg Trakl e Edvard Munch
Calma
e silêncio
Pastores
enterraram o sol na floresta nua.
Um
pescador puxou a lua
Do
lago gelado em áspera rede.
No
cristal azul
Mora
o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou
curva a cabeça em sono purpúreo.
Mas
sempre comove o vôo negro dos pássaros
Ao
observador, santidade de flores azuis.
O
silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.
De
novo a fronte anoitece em pedra lunar;
Um
rapaz irradiante
Surge
a irmã em outono e negra decomposição.
(Tradução: Cláudia Cavalcante) - Georg Trakl
Neste artigo anunciaremos alguns traços sejam do poema
de Trakl sejam da pintura E. Munch que indiciam os movimentos retóricos das
duas obras e as correspondências entre analogias profundas que acaba por
representar relações homológicas entre artes plásticas e literatura. Falando de
maneira plural assinalamos aqui aspectos que se manifestam em camadas distintas
das duas linguagens. Não podemos até os dias atuais falarmos de uma morfologia
própria da linguagem plástica, mas podemos falar de uma Gramática que dê conta
de leituras do código verbal. Entretanto, as referida Gramática fornece
subsídios para que possamos penetrar no processo inventivo das obras plásticas.
É assim que podemos abordar de maneira lógico-expressiva sobre a linguagem da
pintura. A propósito, uma vez que, como no poema, a pintura engendra
significação, é mister que ela possua os elementos constitutivos de um objeto
promovedor de sentidos.
No poema, a alta gama de singularidade se manifesta
numa espécie de desorganização os elementos pertencentes a cada uma das camadas
linguísticas que compõem o texto. Existe uma disparidade entre os elementos da
camada lexical em que o fio condutor se faz pela sequência ou melhor, pela
contiguidade de elementos díspares dentro de uma forma que teóricos da poesia
moderna T. S. Eliot e Ezra Pound denominaram de correlativo-objetivo. O poema
de Trakl dentro daquelas invenções expressionistas se compõem por meio desses
correlativos que acabam gerando uma atmosfera de elementos inusitados que ao
mesmo tempo apresentam-se num processo de desrealização e profunda harmonia
capaz de engendrar e materializar esferas do sentimento, abstratas, que não
permitem uma possível enlevação eufórica, mantendo-se como se fosse na linha do
horizonte, com olhos quedos, delineadores da disforia. Diríamos ainda, que, o
poema indica para alguns pontos de luz que são imediatamente abafados pelo teor
disfórico de certa revelação.
Esses aspectos serão aprofundados em ensaios
posteriores. Da instância lexical passaríamos às instâncias imagéticas, que
fervilham no poema como resultantes do que denominamos correlativo-objetivo.
Dentre as imagens que melhor contribuem na composição em harmonia do poema,
destacam-se epítetos e semi-sinestesias marcantes nos procedimentos de
iconização do abstrato nesse poema de Trakl. Aquilo que seria quase impossível
de ser analiticamente demonstrado no poema, isto é, suas nuanças sintáticas,
passa a ser intensivamente contornado na plasmação bidimensional do quadro de
Munch.
Seja em “O Baile” ou na “Morte no Quarto da Doente” os
procedimentos utilizados por E. Munch apresentem aspectos ou traços de estilo
bastante similares aos desencontros macro e micro estruturais da poesia de
Trakl. Em ambos os quadros o artista consegue criar uma “sintaxe plástica” numa
perfeita conjunção entre formas e cores que geram uma linha espessa na
construção dos sentidos da pintura. Especificamente em “Morte no Quarto da
Doente” o artista cria um amálgama entre os elementos da pintura e acaba
gerando o que na poesia denominamos plano imagético gerador da metáfora visual.
Ao olhar para o quadro nossos olhos não sabem por que caminho transitarem
mediante a forma engendrada na composição da obra. Munch cria tons cromáticos
difíceis de se definir e esses tons parecem dar o perfil determinante dos
sentimento buscado pela obra.
O interessante é que a questão do vazio e a questão da
ausência preenchem o espaço bidimensional por meio dos elementos presentes. A
ausência é encontrada na presentificação, repetimos, de elementos ausentes. Perguntar-se-ia:
de que modo é figurativizada a noção de morte no quarto? O observador não
consegue visualizar um elemento figural que possa delinear m possível
personagem doente, mas, com certeza, apreende o sentimento de morte sobretudo
nos componentes semi-simbólicos articulados.
Neste breve comentário vale notar o modo como o
artista à moda do poema de Trakl atenua, “abafa”, “os tons primários”, fazendo
gerar outros que intensifica a relação tensiva entre euforia e disforia. As
manchas cromáticas que prefiguraria “tempos de euforia”, acabam por gerar um
movimento descendente do qual emergem figuras humanas que comporiam o espaço da
doente. Esse espaço é invadido pelo “espaço da morte”, marcado por tons e
entretons de laranja desmanchado, azul acinzentado e o esverdeamento insípido
das paredes do quarto. Nesse ir e vir das cores nasce o que denominamos uma
sintaxe plástica em cujos nichos compostos de personagens ou atores, faces da
morte, são plasmados dentro de uma retórica e de um movimento difícil, mas que
a pintura soube construir.
Assim, deve-se notar que, tanto a obra
pré-expressionista de E. Munch quanto a poesia expressionista de Trakl,
denunciam homologicamente os universos da ruína desrealizadora, que a arte
moderna viria apresentar com mais ousadia durante todo século XX.
Referências
KANT.
E.
Critique de la raison pure. Trad. fr. Avec note par A. Tremesaygues et B KANT.
E. Critique de la raison pure. Trad. fr. Avec note par A. Tremesaygues et B.
Pacaud. Paris: PressesUniversitaires de France, 1971.
MERLEAU-PONTY,
Maurice. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta
e as vezes do silêncio e A dúvida de Cézanne. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
WEISSTEIN,
U.
Comparative Literature and Literary Theory: Survey and Introduction. Trad. W.
Riggan. Indiana, Indiana University Press, 1974.
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