sábado, 1 de agosto de 2015

CYRO DE MATTOS - A P0ESIA DE FLORISVALDO MATTOS


Nascido em Uruçuca, antiga Água Preta, Florisvaldo Mattos morou na adolescência em Itabuna. Há muitos anos tem presença destacada nos meios culturais de Salvador. O livro “Poesia Reunida e Inéditos”, publicado recentemente pela Escrituras Editora, traz toda a poesia  de um dos poetas mais importantes da poesia contemporânea brasileira. Alcança um período de produção poética desde 1952 até os dias atuais. O conjunto dessa obra poética expressiva, agora reunida, traz os seguintes livros: “Noticiário da Aurora”, “Reverdor”, “Agrotempo”, “Fábula Civil”, “A Caligrafia do Soluço”, “Mares Anoitecidos”, “Imagens da Terra”, “Sosigeniadas”, “Solidões Inteiras” e “Decifrador de Cristais”.
De “Noticiário da Aurora” observa-se logo que o lírico já aderia ao artesão nas emoções primeiras, sem que um estivesse afastado do outro. Com os instrumentos do sonho, linguagem cativante e vigor nas imagens, o discurso iniciante prenunciava uma poesia assumida em níveis elevados. Desse noticiário do coração no seu inicio e manhã que verte imagens claras avultam visões belas gravadas na memória, reminiscências do real adentrando na chuva, em cuja fala percebe-se a infância, que arde como brasa.         Poeta de grande expressão plástica, riqueza imagística inconfundível, de construções formais que impressionam vivamente, em cuja escrita comparecem processos metafóricos, cromáticos, rítmicos, hábeis sintagmas, tudo isso no discurso resultante de exemplar carpintaria, em Florisvaldo Mattos o lírico ausente do tom confessional vulgar  e o poeta dotado de profundo humanismo caminham lado a lado. O lírico e o poeta social escorrem no verso sonoro de rico conteúdo uma dialética suscitada pela reinvenção do discurso no texto consciente.  Nos poemas “Jacutinga” e “Barro Vermelho, Um Lugar”, o poeta plasma na dor verdes horizontes de uma paisagem que escapa: “E o mato esconde aos olhos do menino/  No cenário de sonho da descida/ Agudo fio do aço campesino/ Que pela vida foi cortando a vida.”                   O humanismo dessa poesia singular cifra-se em várias tonalidades: a histórica, dos poemas enfeixados em “Reverdor”, com ressonância rural, em que o poeta constrói esplêndidos monólogos e se refere “a varões portugueses que vieram ter poderes e honrarias – entre eles Garcia D´Ávila, conquistador primeiro”, com suas lutas pelo assentamento do feudo tropical onde “reinou e reina”, bem como em “Mares Anoitecidos”, em que pende no canto veemente  para o lado dos vencidos; a do tempo agrário na fala tecida “com lágrimas e suor subterrâneo de músculos e ferramentas”, onde se fez a semeadura do homem dos cacauais, dos cascos pisando chão de ternura; a social, sem ser panfletária, em que enuncia o tema do homem alugado na cidade grande, ceifado na igualdade e liberdade, quando mais vale a união como verdade; a das vastidões abaladas com o transdiscurso acusando sentimentos fortes contra genocídios cometidos no século XX e, finalmente, a de acento afetivo-intelectual, em que despontam emotiva hispanidade, referências a amigos, experiências intelectuais e artísticas admirações eletivas.        
Síntese perfeita do elegíaco e o épico no espaço da região cacaueira baiana,  o  poema longo intitulado “Ferroviaura” toca muito a minha sensibilidade. A memória galopa pelos rastros do sonho deixados por uma ferrovia que se perdeu no tempo,  a velha E.F.I.C., sucessora da State of Bahia South Railway Company. Leia este trecho do poema  de intenso fulgor lírico, entrecortado por aguda emoção na zona do onírico:
O trem// verde e vermelho como a vida/ mas pode-se agregar/                               ocre e amarelo/ se é de homens e coisas/ que se fala/  O trem// ânsias de infância /arrimo de velhice/  O trem// transido soluço/ bandeira de sorrisos/ O  trem// flauta de vidro/ vertebrado canto/ O  trem// centopeia de nuvem/ potro de esmeralda/  O trem// O trem de Água Preta/ Dardo de som lançado/ no infinito/ rajada de luz /atravessando o paraíso/  me aduba o coração/  o sonho acorda/ o trem de Ilhéus do fundo de seu sono.


Nascido em Itabuna/BA, Cyro de Mattos é escritor, autor de vários livros de poesia, ficção, ensaio e memórias, escreveu este artigo e o publicou em “A Tarde”, jornal de Salvador, edição de 25/1/2012, página 2, espaço da editoria de Opinião.


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