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Eurico Alves, poeta futurista, que se confinou em Feira de Santana |
FUTURISMO
NA BAHIA
A
poesia do feirense Eurico Alves
Florisvaldo
Mattos
Diante de exemplar postagem, do eficiente pesquisador
literário e artístico Raul Vieira Nogueira, em rede social virtual, a que aduzi
um pequeno comentário, trazendo ao cenário online poema de um poeta altamente
representativo da chamada Geração de 45, movimento que irrompeu ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como
a terceira onda do Modernismo. Na verdade, João Cabral de Melo Neto se tornaria
a maior expressão desse irrequieto grupo, que surgia decidido a impor
consistentes mudanças na ordem criativa da primeira fase modernista, vista como degenerada, propondo a adoção de uma
estética assentada no equilíbrio, na reflexão, com base no rigor e na contenção
da linguagem, além de maior respeito às
regras do verso e ao universalismo das elocuções, ideias que, em muito se
aproximavam da poética do francês Paul Valéry.
Para mim, neste reproduzido poema (“Encontro com a usina”) e no que acrescentei
(“Descoberta da usina”), o pernambucano João Cabral de Melo Neto transita por
senda enunciativa, que tem o já então ultrapassado movimento (mas,
revolucionário, quando lançado o seu manifesto, em 1909) o Futurismo, do
italiano Giuseppe Tommaso Marinetti. Porém, não quero me fixar aqui na
grandiosidade da poesia do pernambucano, que ganhou quase unanimidade crítica
nacional, depois que os concretistas de São Paulo o abraçaram, como modelo
criativo maior.
Para mim, a este futurismo tardio de João Cabral
precedeu a real e verdadeira criatividade de um baiano de Feira de Santana, o
modernista Eurico Alves (1909-1974), que se engajou nos princípios da estética
pregada pelo glorioso grupo da Semana de Arte Moderna, logo em seguida ao
movimento de 1922.
Refiro-me a seus intitulados "Poemas metálicos" (1926-1931), que não
me desonram a convicção de que este feirense se tornou no maior exemplo de
poeta futurista do Brasil modernista, tanto assim que, num longo ensaio sobre a
Academia dos Rebeldes, que capitaneou a adoção dos princípios do Modernismo, na
Bahia, atuando de 1928 a, mais ou menos, 1935, da qual Eurico Alves era
integrante, ao lado de Jorge Amado, Edison Carneiro e outros, e já escrevia
poemas, cujo eixo de linguagem se confrontava com uma Cidade da Bahia, ainda
estática, onde não havia ainda ânimo para a exaltação da máquina, da
eletricidade e da velocidade, ousei dizer essas palavras (pp. 22 e 23):
“Em verdade, a Bahia, como se chamava na época, era uma cidade estática, imersa
em orgulhosa e soberba atmosfera provinciana, onde não havia lugar para
endeusarem-se a máquina, a eletricidade e a velocidade, não obstante a inocente
ousadia futurista de um poeta, o feirense Eurico Alves (1909-1974), adepto do
grupo da revista Samba, cuja delirante imaginação divisava, em seus Poemas
Metálicos (1926-1932), uma cidade imersa na volúpia fumacenta de locomotivas,
com longas avenidas ladeadas de arranha-céus, ruas largas, pulsação mágica de
fábricas e ardentes chaminés, lanchas e transatlânticos nos portos, guindastes,
automóveis, buzinas, apitos, sirenas, guinchos, com céu cinzento sobre massas
enormes de cimento armado, reclames, títulos e dísticos luminosos – enfim, uma
festa de nítido sonho futurista.
Quem lesse poemas dessa fase de Eurico Alves, que ouso
considerar o nosso primeiro e talvez único e legítimo poeta futurista, nos anos
seguintes à sua publicação, como também muitas décadas depois, poderia supor
que o lastro de sua imaginação provinha de leituras de pensadores franceses,
desde que à época o francês ainda funcionava em países da América do Sul como
uma segunda língua cultural, ao ponto de um escritor do porte do argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986) definir os sul-americanos, segundo Bella Jozef
(1996), como “europeus no desterro”, pelo tanto que persistia neles de cultura
europeia, fazendo imaginar-se que, no caso do Brasil e particularmente da
Bahia, a França se situava à frente de qualquer outro. Quantos não foram os
poetas baianos que escreveram poemas em francês. Lembro de um: Péthion de
Villar (1874-1926).
Por isso, não será demais admitir-se que, na
imaginação sonhadora do jovem feirense, a Cidade da Bahia não se apresentava
como um símbolo do atraso patenteado por ruas estreitas e becos, por bondes
assobiando e rangendo sobre trilhos, postes com lâmpadas de pouca luminosidade,
comércio rastejante, sem nem mesmo ostentar reclames a gás neon, e o mais que
seus olhos cotidianamente viam. O que seu estro demandava eram versos que
sugerissem um cenário igual ao daqueles países cuja paisagem urbana, já
celebrada por muitos escritores, filósofos e políticos, que apontavam
nitidamente para a modernidade, ostentava um panorama constituído de
trabalhadores e transeuntes a congestionar anonimamente ruas e praças,
certamente igual ao que descrevia o francês Édouard Foucaud, de uma Paris que,
por quase um século, só despachou modernidades para o mundo, como atesta Walter
Benjamin, numa citação:
Para
o trabalhador, o desfrute da renda acabava por esgotá-la. O céu podia estar
vazio de nuvens, a casa que habita pode ter um jardim verdejante, pleno do aroma
das flores e vitalizado pelo gorjeio dos pássaros – seu espírito inativo é
insensível para os encantos da solidão. Porém, se casualmente, chega a seus
ouvidos o som ruidoso ou o apito de uma fábrica distante, se só escuta o golpe
monótono proveniente do moinho de uma manufatura, a expressão de seu rosto se
alegrará imediatamente... Já não sente o aroma delicado das flores, já não
escuta o canto melodioso do pássaro. A fumaça da alta chaminé da fábrica, os
intimidativos golpes de uma bigorna o fazem estremecer de felicidade. Recorda
os bem-aventurados dias de seu trabalho, instigado pelo entusiasmo de seu
cérebro. (FOUCAUD apud BENJAMIN, 2012, tradução nossa).
Quem lê os Poemas metálicos, de Eurico Alves,
conjetura que ele os escreveu depois de ter conhecimento das pregações de
Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), em seu manifesto sobre o Futurismo,
lançado em 1909. “O esplendor do mundo foi enriquecido por uma nova forma de
beleza, a beleza da velocidade”, exortava o italiano, na sua pregação. Todavia,
já se observava então no ambiente citadino um clima de forte aspiração por
mudanças, principalmente no que dizia respeito ao sistema de bondes, o
transporte moderno há já mais de uma década servindo aos habitantes, mas na
ocasião já em processo de acelerada reformulação, como decorrência das reformas
empreendidas pelos governos Seabra (1912-1916 e 1920-1924), perspectiva que
impelia os jovens Rebeldes para horizontes vanguardistas, contra todas as
forças do atraso, embora rejeitassem arrebatamentos futuristas, que viam como
delírio. No entanto, se pensavam assim, por outro lado, eles viam a cidade do
Salvador com olhos novos.”*
Transcrevo abaixo não apenas o poema citado, mas
outro, também de João Cabral, em que o tema da usina se prepondera, aproveitando
para, a título de exemplo, reproduzir alguns poemas de lastro realmente
futurista do baiano Eurico Alves.
Usina de açúcar e álcool, que gera bioenergia industrial
DE JOÃO CABRAL
DE MELO NETO
Descoberta da Usina
Até este dia, usinas
eu não havia encontrado.
Petribu, Muçurepe,
para trás tinham ficado,
porém o meu caminho
passa por ali muito apressado.
De usina eu conhecia
o que os rios tinham contado.
Assim, quando da Usina
eu me estava aproximando,
tomei caminho outro
do que vi o trem tomar:
tomei o da direita,
que a cambiteira vi tomar,
pois eu queria a Usina
mais de perto examinar.
Vira usinas comer
as terras que iam encontrando;
com grandes canaviais
todas as várzeas ocupando.
O canavial é a boca
com que primeiro vão devorando
matas e capoeiras,
pastos e cercados;
com que devoram a terra
onde um homem plantou seu roçado;
depois os poucos metros
onde ele plantou sua casa;
depois o pouco espaço
de que precisa um homem sentado;
depois os sete palmos
onde ele vai ser enterrado.
Muitos engenhos mortos
haviam passado no meu caminho.
De porteira fechada,
quase todos foram engolidos.
Muitos com suas serras,
todos eles com seus rios,
rios de nome igual
como crias de casa, ou filhos.
Antes foram engenhos,
poucos agora são usinas.
Antes foram engenhos,
agora são imensos partidos.
Antes foram engenhos
com suas caldeiras vivas;
agora são informes
partidos que nada identifica.
Encontro com a Usina
Mas nas Usina é que vi
aquela boca maior
que existe por detrás
das bocas que ela plantou;
que come o canavial
que contra as terras soltou;
que come o canavial
e tudo o que ele devorou;
que come o canavial
e as casas que ele assaltou;
que come o canavial
e as caldeiras que sufocou.
Só na Usina é que vi
aquela boca maior,
a boca que devora
bocas que devorar mandou.
Na vila da Usina
é que fui descobrir a gente
que as canas expulsaram
das ribanceiras e vazantes;
e que essa gente mesma
na boca da Usina são os dentes
que mastigam a cana
que a mastigou enquanto gente;
que mastigam a cana
que mastigou anteriormente
as moendas dos engenhos
que mastigavam antes outra gente;
que nessa gente mesma,
nos dentes fracos que ela arrenda,
as moendas estrangeiras
sua força melhor assentam.
Por esta grande usina
olhando com cuidado vou,
que esta foi a usina
que toda esta mata dominou.
Numa usina se aprende
como a carne mastiga o osso,
se aprende como mãos
amassam a pedra, o caroço;
numa usina se assiste
à vitória, de dor maior,
de brando sobre o duro,
do grão amassando a mó;
numa usina se assiste
à vitória maior e pior,
que é a da pedra curta
furada de suor.
Para trás vai ficando
a triste povoação daquela usina
onde vivem os dentes
com que a fábrica mastiga.
Dentes frágeis, de carne,
que não duram mais de um dia;
dentes são que se comem
ao mastigar para a Companhia;
de gente que, cada ano,
o tempo da safra é que vive,
que, na braça da vida,
tem marcado curto o limite.
Vi homens de bagaço
enquanto por ali discorria;
vi homens de bagaço
que morte úmida embebia.
E vi todas as mortes
em que esta gente vivia:
vi a morte por crime,
pingando a hora da vigia;
a morte por desastre,
com seus gumes tão precisos,
como um braço se corta,
cortar bem rente muita vida;
via morte por febre,
precedida de seu assovio,
consumir toda a carne
com um fogo que por dentro é frio.
Ali não é a morte
de planta que seca, ou de rio:
é morte que apodrece,
ali natural, que visto.
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Fábrica de automóveis, hora da marcha célere para a velocidade |
POEMA METÁLICOS DE
EURICO ALVES
DÍNAMO
Ralam o ar, rodopiando em roucos ronrons rudos,
as ruivas, rúbidas rodas raivosas, rápidas, ao fogaréu ...
Negras fauces monstros de fornalhas, abocanhando as sombras,
num doido torvelinho desordenadamente bruto,
de permeio às turbinas, aos êmbolos, às válvulas e a loucura
de mil garras de fogo — as alavancas víboras —
no vai-e-vem, vem-e-volta,
subindo, descendo, afogando-se na fofa negrura do óleo chiando ...
Tatala, lá fora, ao dorso polido das chaminés,
a crespa asa rascante e do grande morcego chagado
a noite.
Correm escuros arrepios no alto céu de ferrugem,
mordendo a usina ...
Mas, a um canto, possante, brutal, estouvadamente,
entre o delírio de carótidas veias e artérias de aço,
bates, rebates, fremes, latejas, precípite,
em cólera chispando,
rudo, rouco, raivoso, rasgando a noite,
— dínamo da fábrica — meu desvairado coração pulsando!
1926.
USINA
Como um punhado de estrelas dentro da noite,
as casas dos empreiteiros
perdem-se na festa verde
das espátulas compridas do canavial contente ...
E, ondulando, farfalhando,
o canavial se estende interminavelmente,
como um sonho esmeráldico de fartura,
da usina,
que, no centro,
estridula e apita e jazzbandiza ferros,
numa alucinação fantástica de mil músculos de aço
tinindo e retinindo, zoando e retumbando no abandono do vale.
Macabra mistura de polias, cordames, manivelas e rodas dentadas, furiosamente,
diabolicamente, alucinadamente ...
Na baixada, como dois braços sondando as estrelas,
as duas chaminés contemplativas se empertigam.
1929.
BAHIA
Gestos orgulhosos em ânsia de mãos metálicas
Afastando sóis, para a escalada da altura.
Dança alucinada de fumo, no ar, sobre a larga
paisagem cúbica dos arranha-céus.
Gritos petrificados de torres altas, altas, gloriosamente...
alucinações humanas nas avenidas longas, borborinhando...
E a pulsação mágica das fábricas
cantando;
e a gritaria ensurdecedora de lanchas e transatlânticos no porto,
guindastes rilhando, arquejando...
Buzinas, apitos, sirenas, guinchos.
E o céu cinzento das massas enorme de cimento armado...
Bahia!
E, à noite, o caminho de Sant´Iago
Dos reclamos, títulos e dísticos luminosos
Salvador, 1930.
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Eduardo Laplante. Engenho, com chaminé. Ilha de Cuba, 1857 |
*Florisvaldo
Mattos. Academia dos Rebeldes e
outros exercícios redacionais. Salvador: ALBA Cultural, 2022, 512 p.)
A POESIA DE EURICO ALVES BOAVENTURA
ou a revolução às avessas
Silvério Duque*
ao poeta Eduardo
Kruschewsky, por seu ativismo.
Et
sensi, expertus sum non esse mirum
quod
palato non sano poena est et panis,
qui
sano suavis est, et oculis ægris odiosa lux,
quæ puris amabilis.
(Santo AGOSTINHO)
No ano que passou, o
romance Vidas secas, do alagoano de Quebrângulo, Graciliano Ramos,
completou 70 anos, merecidamente festejado como uma das maiores obras da
história da Literatura Brasileira. Graciliano encontra-se no centro de uma
tendência literária que se divide, historicamente, entre a celebração e o olhar
depreciativo – o Regionalismo; que, desde o exotismo romântico de José de
Alencar, e, não totalmente, de Visconde de Taunay, ao quase desprezo de
autores, tanto já veteranos, como João Ubaldo Ribeiro e Antônio Torres, a
contemporâneos de igual qualidade, tais quais Milton Hatoum, José Lins Passos e
Ronaldo Correa, acusando tal tendência de ser uma forte variante de “beletrismo
estético”, sofre severo bombardeio pejorativo.
O Regionalismo (e
entenda-se aqui toda literatura que, desde a segunda metade do século XIX, se
direciona para o interior geográfico do Brasil, apresentando uma série de
aspectos muito próprios das comunidades afastadas dos grandes centros urbanos,
que vão desde o modo como declinam a minudências na descrição de dados locais,
à maneira como incorporam certos maneirismos linguísticos), à revelia de seus
detratores, é responsável por muitas das melhores obras de nossa Literatura,
além de ser o pioneiro no desbravamento cultural de regiões, até meados do
século XX, desconhecidas do grande público leitor, como o Sertão do Nordeste,
os Pampas gaúchos, os canaviais próximos ao litoral nordestino, a região
cacaueira da Bahia ou a Amazônia; e isso se dá, ao mesmo tempo, pelo já citado
exotismo de alguns românticos, ou, através do realismo profundo, aliado a uma
verdadeira preocupação político-social e histórico-cultural, propostos, já no
fim do século XIX, por Franklin Távora, em seu célebre O Cabeleira.
Com a geração
neo-realista de 1930, o Regionalismo atingirá seu apogeu, através de obras de
indiscutível valor literário, como o já citado Vidas secas, além
dos antológicos Fogo morto, de José Lins do Rêgo, Gabriela,
de Jorge Amado, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, A
Bagaceira, de José Américo de Almeida... Já o que me parece ser muito pouco
comentado, inclusive nos livros didáticos que chegam às mãos de milhões de
alunos de todo o País, com respeito ao Regionalismo, é a grande participação
que a Poesia assume nesse contexto; até porque, a linguagem poética,
extremamente diversa e subjetiva – abrindo-se a infinitas possibilidades de
interpretação, e, inclusive, a péssimas interpretações –, por mais que muitos a
queiram antilírica e objetiva, não se limitaria totalmente a quaisquer
paradigmas, por mais que os autores se dedicassem a tamanha proeza. Cabe dizer
aqui, no entanto, que, alguns, tais como João Cabral de Melo Neto, Ascenso
Ferreira, Alberto da Cunha Melo, tornaram-se famosos por trazer, à poesia, as
mesmas propriedades presentes nos romances ditos regionais. E o tão
desconhecido do grande público, quanto notável em suas aptidões de poeta, o
baiano, de Feira de Santana, Eurico Alves Boaventura, que, neste ano, completa
seu primeiro centenário, e de quem recolho um dos melhores exemplos de uma
poesia no mais autêntico e perfeito sentido do termo Regionalismo:
Há uma douçura nos longes de um azul discreto.
A manhã desce pela serra,
uma doce, suave manhã adolescente.
Há um gosto de mulher nua pelo ar úmido de luz.
E as longas estradas esquecem-se de si mesmas,
numa indolência vaga, indefinida.
Mugidos de reses nos currais perto da vida adormecida.
Os meus pulmões cansados de civilização,
agora gritam como cabritos ágeis e vadios,
bebendo o ar puro da manhã de sol,
quando vem este perfume de rosa-amélia dos quintais abertos.
Nem anúncios de jornais, nem estrídulos de carros,
nem o drama angustioso de mocinhas para o trabalho,
nem o tédio bom das boemias doiradas, nem o rumor,
da vida encantadora da cidade, nada, nada...
A vila é um compêndio natural de moral e probidade
que vive da ignorância de viver, que é a felicidade afinal.
Manhã pura.
Salpicada de orvalho, atarantada, suja,
passa na douce manhã vilarenga, numa auréola de mosquitos,
a doidinha trazendo no chapéu braçadas de malua veludosa,
para lavar a louça das casas abastadas da vila.
Olho as estradas. Penso nas lindas mulheres que adormecem ainda,
lá pelas cidades grandes, depois das reuniões veladas.
Um juiz, para a vila pacata, não deve
nunca ter pensamentos assim. Comprometê-los-ão tais pensamentos.
* * *
Os caminhos perdem-se na boca escancarada do céu,
deitado sobre o horizonte lá longe...
E, na manhã doce como amora madura,
a pequena vilazinha, sem ninguém, descuidada, ressoa.
I
Meu primeiro contato
com a poesia de Eurico Alves Boaventura não aconteceu de uma forma, diga-se,
comum... diria melhor, deu-se de uma maneira inusitada, repleta de grande
perplexidade, como, comumente, se dão as grandes descobertas.
A pouco mais de 30 km
de distância de Feira de Santana, para quem segue rumo ao norte da Bahia pela
rodovia BR 324, encontra-se, aos pés de um intrépido quão majestoso inselberg, tão grande e magnífico quanto
a Serra de São José das Itapororocas que enchia de esplendor e susto o jovem
Eurico, a sobrepor-se sobre aquele pedaço de agreste nordestino, encontra-se o
município de Tanquinho, onde morei por quase dez anos e, por lá, vivi alguns
dos melhores e mais instrutivos anos de minha infância e pré-adolescência, num
ambiente muito semelhante ao qual nascera o poeta feirense. Lá, numa praça
imediata aos portões da cidade e um pouco atípica para os “padrões
interioranos", que o tempo e descaso, até então, não consumiram de toda,
se é possível ler, em letras garrafais, as seguintes palavras:
VÊ-SE QUE, EM
TODA PARTE ,
POR ONDE SE OUVIU UM
ABOIO VESPERTINO,
PARA O REPASTO RUDE
DE UMA TROPA,
QUE SE ACENDEU A
TREMPE,
CAIU A SEMENTE DE UMA
CIDADE
OU VILA SERTANEJA.
e, onde, um pouco
abaixo, também, se lê:
Eurico Alves
Boaventura
Li, àquele tempo,
estas palavras, pouco delas entendi, e nada, absolutamente nada, sabia de seu
autor, além do nome que, à parede da praça, ali, se escrevia. Em minha mente e
coração de criança, todavia, uma forte curiosidade se me fazia inquieta: como,
mesmo sem entender direito uma frase ou seu propósito, poderia saber existir,
dentro dela, beleza e intento? É-me praticamente impossível descrever este
estranhamento, mesmo se passado tanto tempo: primeiro, pela minha ignorância de
menino; segundo, pelo encanto que, dela, emanava. Por menos que eu fizesse
ideia do significado de algumas de suas palavras, e menos ainda de seu
propósito, era óbvio que o seu autor falava de coisas de meu convívio, pois
àquela época, eu podia precisar de um dicionário (o “Pai dos Sábios”) para
descobrir o que queriam dizer trempe e repasto, mas vila e sertaneja eu sabia,
e as vivia muito bem; o que eu não poderia saber era como dizeres,
aparentemente, tão simples e, até então, despropositados, traziam-me uma
inquietude comum apenas àqueles que se põem diante do Mistério e da Graça; e,
por mais inútil que me fosse abordar as mais velhas e distintas pessoas daquele
lugar, na busca de uma explicação para aquelas palavras ou, pelo menos, o
porquê de elas, ali, se encontrarem, sabia que nelas se encerravam coisas
importantes, história e estórias diversas, muitos e muitos sentidos...
(Nunca mais li esta
frase e nem sei se, realmente, a transcrevi integralmente, pois há anos não vou
àquela cidadezinha e, como tantas coisas que por lá vi, vivi e deixei, ela
mora, quase que de favor, em minha modesta e já cansada memória.)
Anos mais tarde,
solitário sobre uma das mesas da Universidade onde estudei e me formei, eis um
pequeno livro cinza, de capa simplória e mal diagramada, onde lera: POESIA e,
um pouco acima, em diminutos caracteres azuis, eurico alves,
impresso pela Fundação das Artes e Empresa Gráfica da Bahia e trazia a
organização dos textos, a pesquisa, a seleção dos poemas e as notas por Maria
Eugênia Boaventura, que, mais tarde viria a saber, era uma das filhas do poeta,
a qual, através de um árduo e admirável trabalho de pesquisa, “garimpara” uma
grande quantidade de periódicos, manuscritos e correspondências, num “processo
bastante pessoal”, como ela mesma afirma na nota à edição, organizou esta obra,
levando sempre em conta o planejamento do próprio pai, que, por uma esquisitice
ou outra, nunca publicou, em vida, um único livro de poemas, o que não impediu
que tamanha tarefa não tivesse suas compensações, pois, particularmente, não
conheço outro trabalho sobre Eurico Alves Boaventura que apresente melhor
seleção, nem maior representatividade para seus poemas, e é exatamente ele, e
só ele, que me guia à composição destas páginas... Ah, Santo Agostinho, o livro
estava lá; tomei-o e li.
Epifanias à parte,
não precisei mais do que uma leitura de seus poemas para saber que, naquele
livrinho, encontrava-se os versos de um dos melhores poetas dos tantos que li e
uma das minhas mais inventivas influências. Foi de imediato que reconheci e
admirei a beleza de vocábulos simples e de locuções que me eram tão
costumeiras, e de rever, numa tão agradável poesia, uma infância, uma vivência
e uma realidade que eu, também, experimentara, embora o poeta tenha morrido
quatro anos antes de eu nascer, e, quase um século, separasse o nosso tempo de
travessuras; uma realidade composta de uma cidade grande, tumultuada e
espantosa que, a não podendo entender ou suportar, abandona-a para mergulhar
num mundo interiorano, sentimental, melancólico, repleto de estórias,
tradições, lendas, vaqueiros devidamente ornados, pequenas praças, caatingas,
velhos e novos solares ora pomposos ou abandonados, bons e antigos hábitos,
tranquilas capelas, igrejas suntuosa, fé verdadeira e inominável, pessoas
alegres ou envoltas em sua solidão e saudades, um perturbado desejo de
desvendar o desconhecido... Assim, li, e me revi, na poesia deste feirense:
duas vidas, outro tempo, e, de certa forma, o mesmo mundo.
II
A poesia de Eurico
Alves Boaventura é um rico registro de um passado que teima existir, seja na
memória de quem o viveu, ou em distantes localidades do interior nordestino;
ela nos serve de amostra para a sua maneira irreverente e espontânea de ver,
captar e criar, sem medo ou disfarces, um eu que “parecia sofrer sorrindo”,
como no dizer de seu amigo, e parceiro, Carlos Chiacchio, e, bem longe da poesie
pure de um Mallarmé, e de outros tantos despojos vanguardistas, sua
produção impressiona por construir uma poesia onde as palavras se desprendem,
muitas vezes, do raciocínio e a música das sílabas não ecoa mais que seus
significados habituais. São versos que se compõem ao léu da inspiração e a
favor das idiossincrasias, do regionalismo e da tradição ibérica. Isso, aliás,
leva-me a comentar uma característica controversa de Eurico Alves que é a sua
facilidade em assimilar influências, o que, em seu caso, vão da confessável
leitura de Émile Verhaeren à perceptível influência de Walt Whitman, da
admiração por Manuel Bandeira à correspondência com Jorge de Lima. Tal
particularidade, comum a todo iniciante e, de certa forma, útil a um poeta de
grande porte, como é o caso de Eurico, constitui-se, infelizmente, em
seus Poemas Metálicos , como um grande defeito. Os poemas que
compõem esta primeira fase de sua obra poética nada mais são que exemplos bem
elaborados de um artista à procura de caminhos próprios, exercícios
verborrágicos de uma obra tão jovem e incerta quanto o seu autor, àquela época,
e, por isso mesmo, não passam de tropeços comuns na longa caminhada rumo ao
amadurecimento que não se lhe tardaria chegar, mas não seria nos anos de 1926 a
1932.
À medida que se volta
a quantas direções lhe é possível, Eurico Alves pouco se afastará das
fronteiras do simplesmente imitável. Acometido pelos modismos de sua época e
das influências mais comuns e imediatistas, não iria muito além do
“lugar-comum” e do “meramente esperado”, e, embora não fosse um defeito único
do poeta Eurico Alves, em muitíssimo pouco foi além do que outros, acometidos
pelos mesmos “erros de tendência”, como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima,
alcançaram. Não fosse o grande aparato verbal, aliado a uma perspicácia
elegante e expressiva, que, em muito, servem para minimizar os excessos
descritivos e gongóricos que, muitas vezes, verdade seja dita, são
consequências da busca por uma linguagem moderna, a qual o bardo feirense, como
a grande maioria de seus contemporâneos, entrega-se apaixonadamente. Seus
primeiros poemas não passariam de meros exercícios inglórios do mais puro
artificialismo.
Mas, é exatamente
nesta paixão, nesta entrega sem recato, nesta peculiar romantização de temas do
Modernismo, algo imperdoável para muitos leitores, críticos e colegas de ofício
coetâneos seus, que advém o que de melhor existe nestes poemas de iniciante,
onde a chama de um talento indomável começa a fazer-se viva. Isso, aliás, não
demoraria muito, pois, já em seus Poemas , produzido entre os
anos de 1928 a 1937, sua obra tomaria a proporção e a qualidade dignas de um
talento antes provável, agora, inquestionável. Ao escrever:
(...)
molas azeitadas,
rodas
ruidozamente perfurando o solo,
rodando
movendo compaçadamente.
Vai pelo campo a fora
abrindo pautas
intermináveis
para o poema da
fartura que a chuva escreverá.
por exemplo – o grifo
é meu –, Eurico Alves vai muito além da criação de uma série de jogos verbais,
ou de uma contínua sucessão de imagens ao gosto da época, que se apagarão
quando o poema, no silêncio, precipitar-se. Através de versos como estes, o
“poeta baiano” relembra-nos que, de todas as artes, como bem acentuou César
Leal, em Os cavaleiros de Júpiter, ao referir-se à lírica de Carlos
Pena Filho, a Poesia “é a que mais profundamente deixa raízes na alma”, que
serão mais profundas se o poeta as erige com o adubo da tradição.
É uma pena que, no
primeiro ato de sua obra poética, momentos como os transcritos acima não sejam
constantes. Todavia, no capítulo que se segue, acontece exatamente o contrário,
como, por exemplo, quando escreve, já em 1934, genialidades deste tipo:
Alteia teu braço,
serenamente,
orgulhosamente
e deixa que o sol
coroe de música a tua taça.
Bebe alegre, depois,
o licor do teu sofrimento...
Mas faze como todas
as cigarras:
duvida da tortura e
do padecimento,
pensa que não tens
sangue e nem és feito de carne,
e canta como o sol os
teus versos de ouro e luz.
Sob a alegria divina
dos teus risos doirados,
que sob esta música,
a dor se diviniza...
A poesia de Eurico
Alves Boaventura tornar-se-á grande, exatamente, com a eliminação de uma
linguagem poética de caráter modernista ou, pelo menos, àquela que se remete
aos maneirismos do Modernismo paulista de 1922; e, quando esta retorna a uma
simplicidade e a um coloquialismo que alude diretamente às reminiscências de
seu autor, todas ligadas ao cotidiano ensimesmado das pessoas da roça, prova,
na prática, a afirmação de T.S. Eliot de que, “a criação artística é sempre um
complexo retorno às velhas formas, influenciada por novos estímulos originados
de fora do campo das artes”. Isto se dá porque, num sentido mais amplo, e, ao
mesmo tempo primevo, a arte nunca deixou de “ser um serviço”; assim sendo, não
constitui um elemento isolado e que a si mesmo alimenta; ela se liga à vida de
seu autor e ao mundo que o rodeia, e, por que não, que, também, existe dentro
dele; e, como já disse, Eurico, em sua poesia, é prova disto, pois, seguindo
este raciocínio, veste-se de uma autenticidade que dificilmente encontra
similaridade (os melhores exemplos de uma autenticidade assim, que eu me
lembre, estão em Ariano Suassuna , em seu monumental Romance d’A
Pedra do Reino, na poesia de Ascenso Ferreira, que desfrutava, entre tantas
coisas, da admiração do poeta feirense, ou, ainda, em Marcos Pérsico e
seu Era uma vez no Sertão, para termos um exemplo mais local e
contemporâneo), revelando elementos estruturais que desencadeiam uma vigorosa
consciência artística e uma verdadeira identificação com o mundo e a vida
sertaneja, sem afogar-se no naturalismo insípido, ou num regionalismo
panfletário, nem recorrer a um romantismo nostálgico que, na contramão do
Modernismo, levaria sua obra a um pieguismo insuportável.
O que se verá, então,
principalmente a partir dos anos 30, principalmente em poemas como A canção da
cidade amanhecente, Canção para a capela de Nossa Senhora dos Remédios, Cantiga
simples, Elegia do solar abandonado, Poema leve da rua Barão de Cotegipe, é a
captação da essência espiritual de um povo simples – mais do que isso... de uma
cidade inteira que, mesmo impregnada por tantos sonhos de grandeza, teimara (e,
até hoje, teima), por atavismo, a agarrar-se a uma tradição interiorana sem
nenhuma angústia ou culpa profunda. Revelar a essência misteriosa das coisas e
não imitá-las simplesmente é, segundo Aristóteles, a grande função da arte.
Eurico, a partir dos poemas acima citados, como ninguém, aprendeu tal lição,
pois conviveu tanto com um Sertão de vaqueiros quanto de caminhões e buscou,
tanto na vida cotidiana, quanto através de seu eu-lírico, preservar este mundo
de aboios, roupas de couro e tropas de gados.
No dizer de Agripino
Grieco, Eurico Alves seria uma espécie de “filigranista lírico”, um sentimental
à antiga... E é exatamente quando a docilidade e o lirismo profundo se lhe
apoderam que a sua poesia ganha a mais bela e abrangente dimensão. Convenhamos
que a metáfora do “filigranista”, principalmente quando associada à ideia de
“lírico à moda antiga”, é simplista, de muito mau gosto e de pouca
inteligência, entretanto, Agripino acerta ao afirmar que os mais belos poemas
de Eurico Alves são exatamente aqueles em que põe, no papel, “com toda
docilidade, aquilo que o coração lhe vai ditando”. Nosso poeta centenário é um
grande conhecedor do mundo onde nasceu e cresceu, presenteando-o com tantas
lembranças e inspirações, quanto a uma poética que se remete da mais meiga e
sutil lembrança de menino a mais pura tradição ibérica, que encontram, em
Cantigas de bem dizer e Baladas antigas, sua melhor expressão. Eurico conhecia
bem a poesia popular medieval, a longa marcha que essa percorreu até chegar às
terras tupiniquins, e sua contribuição para a nossa poesia popular, que ele
conhecera tão bem, já convertida à alma brasileira nas feiras do interior,
através dos romances de cordel e dos desafios entre violeiros; também as sentia
como poucos. Mas era um apaixonado pela lírica moderna e sua ousadia. O
resultado para um caso de amor tão peculiar, que envolvia duas paixões tão
fortes e tão aparentemente insanas, é uma fusão que se faria imprescindível
para a boa qualidade de sua obra.
Não se resguardando da atitude de um poeta maior, Eurico Alves Boaventura, à maneira de um Manuel Bandeira – sua melhor referência e maior admiração –, pensou, elaborou e produziu uma poesia, como poucas, singular e, em diversos momentos, grandiosa – o mínimo que se espera de quem se almeja como tal – onde se mostrou capaz de abranger, com maestria e perspicácia, as mais diversas direções históricas e estilísticas, de refletir, constantemente, algo de transcendental em relação ao mundo onde se encontra e de onde surgiu não importando se de forma objetiva ou onírica, de poder falar de coisas simples, ou complexas, sem lhes mascarar a essência, nem lhe desnudar os artifícios, de se rebelar contra padrões e instrumentos de estilos tomados pelo desgaste, mas de sua poesia não ter, em si mesma, um fim, ou nenhum outro propósito que não ela mesma, de sua obra não pertencer a uma determinada época, mas sim a todas, como bem resumiu Ben Johnson, ao referir-se ao legado literário de seu amigo e William Shakespeare. É o próprio Eurico Alves, aliás, que nos dá uma boa síntese deste enlace literário ao afirmar que não existem passados maiores nem melhores do que outros, pois todos são brilhantes a partir do momento em que “construíram seu tempo, projetaram um presente e deixaram margem para o futuro”.
Todavia, nem o
próprio Eurico poderia negar que nada o aproximou mais de um poeta maior do que
a negação dos vanguardismos de sua época que ele, de livre e espontânea
vontade, fizera – por mais que tenha tido um flerte temático e estilístico com
o progresso urbano deslumbrantemente futurista –, tornando-se um rebelde às
avessas, cobrindo-se do véu da tradição e do regionalismo idiossincrático, o
qual se somou a novos elementos, tanto no estilo de época quanto aos trazidos,
ou surgidos, de sua personalidade, e, crendo quase que exclusivamente no poder
das palavras e de suas expressões, elaborou uma poesia tão sensorial, e, em sua
maioria, sinestésica, quanto espiritual; tanto objetiva quanto subjetiva; tão
hodierna quão tradicional, simples em sua apresentação e complexa e reflexiva
com relação ao seu conteúdo. Não é à toa que, por mais que não tenha publicado,
em vida, um único livro de poesias, nem frequentado tantos periódicos quanto
queria ou podia, tenha uma obra bem mais agradável, profunda e sensível se
comparada à produção de seus outros colegas, membros e colaboradores da
revista Arco & Flexa.
Por mais que tal
atitude não seja bem vista pela grande maioria de nossos críticos, quase toda
amante dos movimentos de vanguarda, e que, de certa forma, o prosaísmo de seus
versos espante um bom número de leitores desavisados e mal costumados, por
consequência, principalmente, da falta de intimidade com certas “expressões
locais”, a grandeza da poesia de Eurico Alves Boaventura só acontece com o
abandono da linguagem futuristicamente verhaereniana para uma poética onde
imperam o regionalismo das idílicas vilas sertanejas e a tradição poética,
porque toda vanguarda, como nos adverte César Leal, novamente, em Os
cavaleiros de Júpiter, só pode se dar como uma ação realmente espiritual no
campo da poesia, como de quaisquer formas de arte, após sofrer os efeitos do
tempo, depois de apagados todos os encantos mais imediatos, passados os choques
teóricos e polemistas; quando longe estiverem todas as hordas de
“revolucionários” movidos pela “frustração” e pelo “ressentimento” e,
principalmente, quando os carentes de atenção e desprovidos de talento forem
postos de lado ou mergulharem no esquecimento que lhes é merecido. Aí sim
teremos aquilo que é realmente verdadeiro e digno de expressão e confiança,
cabendo, então, ao poeta, abraçar o que deste modismo lhe é útil ou optar por
ficar com as velhas e seguras doutrinas. No caso de Eurico Alves Boaventura, ao
abandonar artesanatos como:
Ralam o ar,
rodopiando em roucos ronrons rudos,
as ruivas, rúbidas
rodas raivosas, rápidas, ao fogaréu...
Negras fauces
monstros de fornalhas, abocanhando as sombras,
num doido torvelinho
desordenadamente bruto,
de permeio às
turbinas, aos êmbolos, às válvulas e a loucura
de mil garras de fogo
— as alavancas víboras —
no vai-e-vem,
vem-e-volta,
subindo, descendo,
afogando-se na fofa negrura do óleo chiando...
Tatala, lá fora, ao
dorso polido das chaminés,
a crespa asa rascante
e do grande morcego chagado
a noite.
Correm escuros
arrepios no alto céu de ferrugem,
mordendo a usina...
Mas, a um canto,
possante, brutal, estouvadamente,
entre o delírio de
carótidas veias e artérias de aço,
bates, rebates,
fremes, latejas, precípite,
em cólera chispando,
rudo, rouco, raivoso,
rasgando a noite,
— dínamo da fábrica —
meu desvairado coração pulsando!
para a elaboração de
grandes esculturas como esta:
Estou tão longe da
terra e tão perto do céu,
quando venho de subir esta serra tão alta...
Serra de São José das
ltapororocas,
afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificado no sol se o dia gargalha.
Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem céus de corolas para o meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.
Os bois escavam o
chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.
Manuel Bandeira, a
subida da serra é um plágio da vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a galopada.
Aqui come-se carne
cheia de sangue, cheirando a sol.
Que poeta nada! Sou
vaqueiro.
Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.
Feira de Santana!
Alegria!
Alegria nas estradas,
que são convites para a vida na vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio,
alegria masculina das vaquejadas, que levam para a vida
e arrastam também para a morte!
Alegria de ser bruto
e ter terra nas mãos selvagens!
Que lindo poema cor
de mel esta alvorada!
A manhã veio deitar-se
sobre o sempre verde.
Manuel Bandeira, dê
um pulo a Feira de Santana
e venha comer pirão de leite com carne assada de volta do curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos desnastrados das noites
eternas
venha ver como o céu
aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.
percebemos quanto é
categórica a afirmação de que não se pode ser autor de uma poesia, que se diga
inovadora, sem Homero ou Virgílio, sem Dante ou Camões, sem Shakespeare ou
Bocage, sem Wordsworth ou Castro Alves, ou, até mesmo, sem Baudelaire ou Manuel
Bandeira. Sendo assim, o Jorge Matheus de Lima, só por motivo de exemplo,
de Poemas Negros, descobriu o Jorge de Lima de A túnica
inconsútil, e o Eurico Alves Boaventura – que admirava a poesia do bardo
alagoano, mesmo sem ser, como ele, um dominador, por inteiro, de todos os
mecanismos de expressão poética (pois Jorge de Lima é, também, um exemplo de
poeta maior) –, descobriu o Eurico Alves de Poemas sentimentais,
após abandonar o Eurico do já citado Poemas metálicos. Do
contrário, tanto um como o outro, não iriam além do vanguardismo panfletário e
magoado, e acabariam por se condenarem a um degredo intelectual típico de quem
não foi além daquilo que lhe fora incumbido fazer, mas, novamente citando César
Leal, em seu imarcescível Os cavaleiros de Júpiter, “resta-nos
saber que, historicamente, só os verdadeiros poetas fracassam nos movimentos de
vanguarda, ao criar aquilo que não haviam intentado” e é daí que nos surge, em
sua totalidade, a grande poesia de Manuel Bandeira, de Jorge de Lima e, claro,
de Eurico Alves.
III
É uma pena que a
imensa maioria de nossos críticos, ainda, veja autores como Eurico Alves
Boaventura, Jorge de Lima, Murilo Mendes e até mesmo Mário Quintana, Dante
Milano e Bruno Tolentino, por exemplo, como produtores de uma visão “arcaizante”,
“alienada” e “pequeno-burguesa”, frutos de uma “consciência transferida” e de
uma poética que só será vista, por tal crítica, como simplista e meramente
acadêmica, pois, como já nos ensinara Esopo há tantos e tantos séculos, é
costume do tolo, que almeja aquilo que se sabe incapaz de conseguir, desdenhar
do que tanto deseja. Este tipo de reducionismo não atinge, nem jamais atingirá
a qualidade de tais escritores, embora, muitos, acabem por amargar, como é o
caso do Eurico Alves, um longo período de ostracismo injusto por consequência
da burrice, do despreparo, do descaso e da cegueira ideológica de muitos cujo
ofício, a reputação e a boa posição não deveriam permitir o uso tão bem
colocado de tais adjetivos; mas nada que o grande talento inerente a tais
artistas não supere com o tempo que é o melhor dos críticos, porque só ele,
como disse Santo Agostinho, é capaz de dar paz a toda dor.
Infelizmente, como já
disse, repito e reitero, a grande maioria de nossos críticos é parva,
preguiçosa e aproveitadora e, sendo ela, quase toda marxista, tais adjetivos só
não lhe cabem muito bem, como podem ter o seu valor e significados
quadruplicados. Porém, como certa feita afirmou Bruno Tolentino, “guardamos
nossas joias e nossas cartas de amor com o mesmo deslumbramento, mas em estojos
separados; e quando os vamos abrir, no primeiro deles achamos exatamente o
mesmo valor, o mesmo brilho, realçado pela pátina do tempo; no outro,
encontramos a tinta esmaecida, o papel amarelado, em suma, a palidez desbotada
daquilo que tanto amávamos, que um dia nos resumiu e que, de repente, se tornou
quase irreconhecível, quase ilegível, doce apenas como a vaga lembrança da
emoção de um tempo que se foi como um assovio na noite”...
(Os grandes poemas
são como estas joias, que com maior ou menor tamanho e valor, intentam-se
contra a mão do tempo; e eu gosto de pensar que, entre tantas joias, há o
pequenino diamante da poesia de Eurico Alves Boaventura fulgurando sobre o chão
das falsas críticas, as cinzas das vanguardas e o pó do marxismo.)
Enfim, se existe algo
de grande e sincera importância a dizer sobre Eurico Alves Boaventura, algo que
possa ir muito além de qualquer crítica que se possa fazer com respeito a sua
obra, é a obvia certeza de ele ser o maior poeta da história de Feira de
Santana, um dos melhores poetas da história literária da Bahia e um grande
poeta brasileiro, mesmo sem o eruditismo e o Formalismo de um Godofredo Filho
(só para ter, novamente, um exemplo local), sem a profunda herança de tradição
clássica de um Jorge de Lima. E, independentemente de a sua poesia não contar,
até hoje, com uma edição e uma crítica que façam justiça à grandeza que lhe é
inata, certamente sua obra reza entre as mais bem realizadas de toda a nossa
Literatura... Poesia essa tão imensa e verdadeira que é capaz de, passados
tantos anos, tantas leituras (dela e de outras tantas de quantos poetas pude
ler e compreender), trazer-me, ainda, o mesmo espanto, mistério e beleza
daquelas palavras que, quando eu menino, me encantaram tanto.
Feira de Santana, de
04 a 27 de junho de 2009.
* Silvério
Duque é poeta, professor, licenciado em Letras Vernáculas pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), músico profissional, já
coordenou e Escola de Música da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense e
crítico literário, escrevendo para vários jornais e periódicos. É autor
de O crânio dos peixes (Ed. MAC/2002), Baladas e
outros aportes de viagem (Ed. Pirapuma, 2006); o seu próximo
livro, Ciranda de sombras, está no prelo.
O
JOVEM EURICO E A MODERNIDADE:
O
RESGATE DO MOMENTO CULTURAL
Ívia
Alves*
Imagine-se, em plena década de vinte deste século, uma cidade de ruas estreitas, casas de dois ou três andares, encimadas e rodeadas pelas torres das igrejas, as quais podiam ser visualizadas pela irregularidade do terreno. Imagine-se, ainda andando pelas ruas, jovens de classe média e da alta burguesia, preparando-se para as Faculdades, circulando alegremente pelo centro, amontoados nos cafés de arquitetura belle époque', discutindo literatura ou as últimas notícias oriundas dos jornais da capital sobre o que acontecia de 'novidade' na Europa, em Manhattan ou mesmo no sul do país - 'greves de operários', radicais mudanças na arquitetura do Rio de Janeiro - ressonâncias da Paris de Haussmann, as fitas do cinematógrafo, a vanguarda modernista. Acrezcentem-se as reportagens sobre o novo traçado da cidade do Rio - que, por ondas, influenciava a mudança das outras cidades provincianas de aspecto rural ou colonial -, as notícias do burburinho, do vai-e-vem de pessoas para seus empregos, enfim, todas as noticias que traduziam uma mudança de hábitos, que contribuíam para a ideia de 'progresso'. No entanto, a cidade onde se recebia toda essa ressonância de coisas novas vivia a calma pasmacenta, relembrando suas glórias passadas. Salvador, primeira capital da Colônia, só respirava a modernidade através dos periódicos e dos seus jovens e inquietos estudantes, pois os principais componentes do 'progresso' que impulsionavam a transformação da atmosfera urbana ainda não se tinham formados concretos na Bahia. As efetivas mudanças ocorridas durante a Primeira Guerra Mundial (1914/1918) que haviam modificado o panorama econômico-social e cultural no sul do país, principalmente de S. Paulo - com a implantação de fábricas - e as grandes reformas urbanas do Rio de Janeiro não haviam aportado na Bahia ainda na década de trinta. Nem mesmo a existência de um pequeno parque têxtil, construído em um arrabalde da cidade - na Boa Viagem e no subúrbio de Plataforma - causou qualquer impacto na geografia e nos costumes dos moradores da velha cidade. Certos inventos, conjugados com a utilização massiva da máquina, impulsionam as artes para uma nova linguagem e um novo olhar sobre о mundo que começa a expressar a vida urbana, as multidões de pessoas nas ruas, os trabalhadores, as largas avenidas, enfim, tudo aquilo que apregoao 'progresso', concorrendo para a instabilidade e fragmentação do homem e a perda de sua identidade. Paralelamente, a aceleração da tecnologia abriu novos campos para a ciência e para a indústria e uma nova perspectiva se instaura a partir da diminuição do espaço e do tempo com os primeiros automóveis, aeroplanos, cinematógrafos, fonógrafos, telefones, principais símbolos da modernidade. A verticalização das cidades, com seus arranha-céus, as fábricas e indústrias localizadas dentro e em torno das cidades, criando uma massa de trabalhadores urbanos que se movimenta lado a lado com a burguesia nas avenidas, bulevares e praças, transformam o cenário urbano. A atitude do artista modifica-se ao procurar apreender essa realidade que se apresenta, experimentando novas formas de expressão. A literatura vai tentar, e finalmente conseguirá, apoderar-se de formas capazes de registrar e representar esse mundo moderno. Desde a segunda metade do século XIX, autores franceses - cultura eleita pela intelectualidade brasileira como modelo de civilização - vinham sinalizando a supremacia da cidade sobre o campo. Baudelaire, Mallarmé, Verhaeren, Valéry, Lautréamont, para situar alguns poetas, trataram da 50 O jovem Eurico e a modernidade representação dessa nova cidade através da experimentação na linguagem e na forma. Os poetas latino-americanos e os brasileiros como Sérgio Milliet, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, que vivenciaram este momento europeu, trouxeram para o Brasil muitas dessas perplexidades do 'mundo moderno'. Além disso, havia, no país, um trânsito muito grande de revistas e periódicos franceses, lidos avidamente pelos novos, cansados da cristalização do parnasianismo. As mudanças ocorridas, inicialmente, em São Paulo, inserem a cidade no círculo da modernidade. São inúmeras as transformações que ocorrem pouco mais de quinze anos, fazendo a cidade conviver com duas realidades, como se observa no poema de Oswald: em O cavalo e a carroça Estavam atravancados no trilho E como o motorneiro se impacientasse Porque levava os advogados para os escritórios Desatravancaram o veiculo E o animal disparou Mas o lesto carroceiro Trepou na boleia E castigou o fugitivo atrelado Com um grandioso chicote Mas a cidade urbana, populosa e cheia de trabalhadores de fábricas, incita o poeta a representá-la pela ótica do moderno:
Sentados num banco da América folhuda
O cow-boy e a meninа
Mas um sujeito de meias brancas
Passa depressa
No Viaduto de ferro.?
"Pobre alimáría", de Oswald de Andrade. Obras completas: poesias reunidas. 4ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.p. 120. Há um belo estudo sobre este contraste -carroça e bonde - "А carroça, o bonde e o poeta modernista" escrito por Robert Schwarz, no livro Que horas são? S. Paulo: Companhia das Letras 1989. O crítico evidencia como a modernidade é representada no Brasil, ainda um país agrário com componentes da modernidade. Também Carlos Drummond de Andrade tem um pоеma na mesma direção. 3"Anhangabau", de Oswald de Andrade. Obras completas: poesias reunidas. 4ed. Rio d
Ou
Fixador de corações debaixo de blusas
Álbum de dedicatórias Marquereau
Ou como nesse fragmento de um poema de Mário:
Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão.
Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas... O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal.3
Porém, seus poetas percebem a distância que separa a cidade europeia da brasileira. Daí, um entrelaçamento de elementos rurais e urbanos, sinalizando um outro tempo para o Brasil. São poemas que captam em um único flash tais contrastes como em Pobre alimária ou nesses dois poemas de Drummond:
No elevador penso no cатpo
No campo penso na cidade.
Ou
Tijolo
areia
andaime
água
tijolo.
O canto dos homens trabalhando trabalhando
mais perto do céu
cada vez mais perto mais
- a torre.
E nos domingos a litania dos perdões, o murmúrio das invocações.
O padre que fala do inferno
sem nunca ter ido lá.
...................................
No adro ficou o ateu,
no alto fica Deus.*
Por outro lado, a relação ambígua com os 'tempos modernos', com a cidade e a máquina, como também a diferença entre a homogeneidade europeia e a diversidade do povo e da cultura das regiões do país penetra no modernismo local, com representação diversa dos seus modelos. Neste caso, Mário de Andrade pode ser tomado como exemplo:
Alturas da Avenida. Bonde 3.
Asfaltos. vastos, altos repuxos de poeira
Sob o arlequinal do céu oiro-rosa-verde...
As sujidades implexas do urbanismo.
Ou a diversidade em:
Laranja da China, laranja da China, laranja da China!
Abacate, cambucá e tangerina!
Guardate! Aos aplausos do esfuziante clown.
heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes.
passa galhardo um filho de imigrante
loiramente domando um automóvel!5
É lógico que, por ressonância da Europa, componentes da modernidade passam a integrar o cenário cultural brasileiro e começam a ter expressão nas literaturas locais, mesmo que não estejam presentes. Mas, com a atmosfera criada em torno dos "tempos modernos', frequentemente aparecem como sintomas superficiais da sintonia com o momento.
Modernizemo-nos!
Enquanto essa atmosfera produzia experimentações literárias, Salvador mostrava-se ainda indiferente ao processo. Basta lembrar o censo de carros elaborado pela Secretaria de Veículos, em 1925. Ao todo, a cidade possuía 22 carros oficiais, 264 particulares, 194 de praça e 38 de transporte de massa. Em 1928, os veículos triplicam em número, mas as ruas permaneciam estreitas, oferecendo transtornos para passageiros e transeuntes.
Pela perda gradativa de prestígio político e econômico que, principalmente, sustentava uma mentalidade conservadora, a Bahia observava as inovações com cautela e desconfiança, mas ficava à margem, engessada pelo marasmo, incapaz de participar da atmosfera 'progressista' reinante no sul desde o fim da Primeira Guerra.
A urbanização da cidade dentro dos moldes modernos só começa a ser discutida pelos jornais locais a partir de 1928. E a demolição da igreja da Sé para a abertura de uma avenida, ligando o centro aos bairros ricos, convoca a maioria dos intelectuais que dão seu parecer a favor ou contra através dos periódicos locais. Escritores assinam manifestos a favor ou contra a demolição da tradicional igreja. Um dos novos críticos literários tendente à demolição assim conclui um artigo da época:
Modernizemo-nos!
Sem apedrejar ninguém. Nem os gramáticos. Nem os sonetistas recalcitrantes.
Nem, mesmo, a Sé...
Modernizemo-nos, porém, a todo custo!"
A vida intelectual na Bahia guardava, ainda, o clima da "belle époque", com os cafés e livrarias e seus periódicos dominados por jornalistas e intelectuais que já tinham posição legitimada dentro da sociedade local.
No entanto, uma geração de jovens escritores vinha emergindo, convivendo com os antigos, mas marcados pelo inconformismo e forçando a circulação de suas ideias, combatendo o marasmo da capital da província, discutindo e propondo novas formas de expressão, provavelmente ressonâncias da luta que se travava nas artes em S. Paulo e Rio de Janeiro.
Foi nos cafés, livrarias e cassinos que as futuras plataformas literárias passaram a ser planejadas. Os jovens distribuíam-se em três grupos distintos e rivais seja pelas ideias, pela classe social que ocupavam, seja pela ideologia de esquerda e direita. Muitos acontecimentos do sul do país eram comentados ou informados por jornais daquelas cidades ou por periódicos locais. Vinha também de todas as províncias o clima de inconformismo que ia envolvendo quase todo o pais e seus jovens escritores iam-se engajando, nos precários meios locais, no ritmo do modernismo do sul.
Os grupos rivais ocupavam cafés próximos e circulavam, dois deles, em torno de duas figuras eminentes e polêmicas, Carlos Chiacchio, crítico feroz do movimento paulista, e Pinheiro Viegas - velho epigramista à moda da ‘belle époque', bem vivida no Rio-, na época morando na velha Salvador. O terceiro grupo, mais velho, formado por profissionais ainda não tão notórios, que se intitulavam Poetas da Baixinha, porque se reuniam em um café na Baixa dos Sapateiros. Embora os dois primeiros grupos acompanhem a agitação intelectual existente fora da Bahia, eles não poderiam singrar o mesmo itinerário, pois a realidade local não tinha nenhuma semelhança com a realidade fabril de São Paulo.
Entre os jovens, que circulavam em torno do velho escritor de renome na cidade Carlos Chiacchio, estavam Hélio Simões, Carvalho Filho, Pinto de Carvalho e Eurico Alves. Em torno de Pinheiro Viegas participavam das discussões Jorge Amado, Edson Carneiro, entre outros.7 De qualquer maneira, operando com estilo simbolista ou com tentativas de expressão modernistas, os três grupos têm em comum a ênfase nos temas sobre a terra, a busca de raízes e uma tímida exploração do folclore e da cultura das camadas populares.
No ano de 1926, dois acontecimentos significativos preparam a entrada da Bahia na nova atmosfera. A passagem de Manuel Bandeira pela cidade e a abertura dos periódicos locais, principalmente a revista A Luva e, logo depois, os jornais A Tarde e O Imparcial para a produção dos jovens poetas. A dificuldade de circulação das novas idéias também advinha da poucа saída dos poetas do seu reduto, isto é, da Bahia, ficando impedidos de entrar em contato com o que estava ocorrendo no sul. A exceção só inclui o jovem feirense Godofredo Filho que vivenciou o clima de "revolução" na arte em S. Paulo e no Rio e o futuro crítico comparatista Eugenio Gomes. A maioria tomava conhecimento delas através das resenhas dos críticos cariocas que vivenciavam o momento e tomavam suas posições, algumas vezes, de maneira virulenta. Os intelectuais do Rio - menos Tristão de Atayde – faziam questão de fazer coro contra o grupo paulista, intitulando-o de investida "carnavalizada" da poesia moderna.
A passagem de Manuel Bandeira pela Bahia não teve grande repercussão, por não ter conseguido se avistar com os jovens poetas. Godofredo Filho, que o havia conhecido em suas viagens ao sul, resolveu obsequiá-lo e isolou-o dos demais escritores. Esse "rapto" criou uma grande irritação entre os excluídos, resultando um ensaio "raivoso" de Eugenio Gomes, intitulado Manuel Bandeira: poeta xexéu.
O segundo fato significativo deveu-se à mudança de atitude, frente ao modernismo, dos redatores e diretores dos periódicos, como Damasceno Filho, ao abrir espaço para publicação da produção dos jovens. Quase todos os novos poetas acima citados tiveram sua primeira chance de publicação através das páginas das revistas A Luva e A Renascença. Eurico Alves inaugurou sua trajetória poética no primeiro periódico.
Em meados de 1927, começavam a ter voz em jornais diários Eugenio Gomes e Carlos Chiacchio, com seções que conclamavam por uma expressão poética mais atualizada. Eugenio Gomes havia retornado do Rio e, através do jornalista baiano Rafael Barbosa, radicado na capital da República, tinha experienciado a atividade do grupo de Festa.
São esses dois críticos que irão promover a nova produção literária baiana, divulgando suas observações sobre os diversos livros considerados modernistas e sobre o movimento que já se alastrara por todo o país. De certo modo, através deles se insere na vida cultural baiana um novo ar.
Quinzenalmente, durante todo o ano de 1927, Eugenio Gomes passa a chamar a atenção da comunidade intelectual local para os livros modernistas que tomam como temática a diversidade cultural do país, dando prioridade a temas sobre o folclore e mitos, hábitos e costumes rurais.
No ano de 1928, com a entrada em cena de Carlos Chiacchio, jornal A Tarde, com seu rodapé – Obras & Homens-, tornou-se decisivo о ingresso da Bahia no clima de renovação literária. A "cruzada" contra а mentalidade provinciana recebeu ataque frontal e congregava em grupos a nova geração.9
Os dois críticos, na realidade, em seus respectivos jornais, passaram a dialogar sobre a renovação. Carlos Chiacchio inaugura seus rodapés, analisando as principais publicações de Mário de Andrade e evidencia restrição às experimentações radicais.10 Se ambos não aceitaram a orientação dada ao movimento paulista, buscam os dois um meio termo entre propostas do Rio e de S. Paulo.10
Eugenio Gomes vai buscar seus parâmetros nas críticas de João Ribeiro e Tristão de Ataíde e seu ideal de renovação inclinou-se para as propostas de Festa. A proposta, por eles sinalizada, de uma discussão de ideias, principalmente, em busca de uma temática regional, serviu para congregar os jovens poetas em torno de um interesse comum. Tanto a produção em verso como os artigos de crítica, publicados ao longo de 1928 n'O Imparcial por Eugenio Gomes, aproximam a visão baiana do programa instituído por Festa através do seu porta-voz Tasso da Silveira. Festa era a última a aparecer na arena, embora possa ser considerada anterior às outras (provenientes de São Paulo), por basear-se fundamentalmente numa tradição brasileira autêntica.
Foi de efetiva importância o estímulo e a orientação de Eugenio Gomes e Carlos Chiacchio para a renovação da literatura local, que irá culminar na publicação da revista Arco & Flexa, congregando parte dos novos escritores, inclusive Eurico Alves.
A plataforma de Arco & Flexa
Em suas resenhas críticas iniciais, Eugenio Gomes seleciona obras que evidenciem o novo ideário. Numa visão retrospectiva, sua posição é conservadora, embora, na época, o futuro ensaísta estivesse muito adiante do seu meio. Titubeante, a princípio, no emprego da linguagem com que construía sua crítica, vai tornando-a cada vez mais clara e objetiva à medida que os critérios escolhidos para o julgamento da obra se apoiam nas propostas de Festa e nas reflexões de Chiacchio.11
Procurando adequar a liberdade de novas temáticas e mesmo de novas formas à tradição, o jovem crítico bateu-se contra o soneto, contra os velhos temas e contra qualquer incorporação de formas estrangeiras. Utilizando-se desse critério, consegue apreender determinadas constantes do modernismo, como a atmosfera de euforia, de alegria, a busca do primitivo e do ingênuo, assinalando esse novo modo de ver e sentir o mundo como "uma criança" nomeando as coisas do mundo. Foi dentro desses critérios que sua aprovação recaiu sobre as produções que trabalhavam com temas da terra ou com tipos locais: Augusto Meyer e Coração verde; Cassiano Ricardo e Martim Cererê; Adelino de Magalhães e A hora veloz.
A proposta de modernismo de Chiacchio está clara nos seus rodapés iniciais. O crítico buscava uma forma de modernismo que não rompesse radicalmente com a tradição, observasse o fluxo da continuidade cultural e harmonizasse o antigo com o moderno. Esse programa destinava-se aos poetas baianos que ficavam, assim, tolhidos para experimentações, mas não para a exploração da temática regional: descrição de tipos, hábitos e costumes locais. À sua plataforma, intitulou-a de "tradicionismo dinâmico".
Analisando-a cuidadosamente e dentro de uma perspectiva histórica, a proposta de Chiacchio quanto aos temas não se afasta muito dos programas assumidos pelo Nordeste, no mesmo período, com Gilberto Freyre e outros.
Os critérios do "tradicionismo dinâmico", aliados às leituras dos artigos de Tristão de Ataíde fornecem os paradigmas de avaliação de Eugenio Gomes que toma como grau de excelência a produção literária que guarda a ligação do escritor com a tradição de sua terra, exprobrando as importações estrangeiras. A proposta de Chiacchio é ainda conservadora, pois não pressupõe a ruptura tencionada pelos modernistas paulistas, preservando e incorporando o prestígio de grandes escritores anteriores ao movimento, е decênio de vinte. Mas qualquer inovação mais radical seria vista com desconfiança e a proposta procurava um ponto de equilíbrio para ser aceita e não chocar os autores que já eram legitimados. A preocupação com um "comedimento" com relação a experimentações visava não fechar as portas para o grupo jovem. 12
A proposta de modernismo desenvolvida por Chiacchio, e ideário para a revista baiana Arco & Flexa, fundada no final de 1928, tomou como base ideias de Gabriel Alomar, formuladas para a América espanhola, em 1904.
Dulce Mascarenhas, no seu livro sobre o crítico dos rodapés de А Tarde, explica o conceito de "tradicionismo dinâmico", teoria construída por Chiacchio, baseada nas ideias de Alomar. Sua fundamentação está na tensão entre o estático e o dinâmico, este último valorizado como a essência da verdadeira renovação, porém assentada na tradição já existente. Contrariamente às teorias modernistas que propunham a ruptura com um passado tradicional literário, a posição de Chiacchio não prevê nenhuma investida contra esse tipo de perspectiva de passado e nem uma preocupação de adentrar-se pelo experimentalismo. Acatando a proposta de uma renovação "moderada ", todo o grupo em torno de Arco & Flexa assume o compromisso desta aventura.
É uma proposta que não propõe rupturas mas uma inversão do modo de ver e sentir a cultura europeia dominante, tentando inserir elementos das culturas excluídas. E, no caso da Bahia, essa proposta poderia cair como uma luva, devido à cultura negra que permanecia subjacente mas inteiramente viva e influenciadora. Por outro lado, alguns costumes ainda de uma vivência rural ou entre rural e urbana poderiam vir à tona e ser expressa por uma linguagem experimental. No entanto, as experimentações, as possíveis interseções de culturas não vão passar de primeiros ensaios. Surpreendentemente, são dois poetas nascidos fora de Salvador, que conseguem melhor expressar essa interdependência de culturas e mesmo de figuras e metáforas sobre a cidade de Salvador (a cidade da Bahia). Serão eles Godofredo Filho e Eurico Alves, ambos originários de Feira de Santana, região do agreste baiano, de paisagem completamente diversa da verdejante capital.
Em entrevista concedida ao jornal A Tarde, em 1961, trinta anos após a publicação dos cinco números do periódico, Eugenio Gomes alude à atmosfera literária daquele momento, fazendo um balanço equilibrado:
A Bahia era um dos baluartes quase inexpugnáveis do academicismo, ou simplesmente doclassicismo, de cujo predomínio localjá Castro Alves se queixava em 1864. O movimento desencadeado pela Semana de Arte Moderna, de São Paulo não teve maior repercussão ali, salvo por alguns de seus aspectos que deram motivos a comentários chistosos. [...] Mas, quando Godofredo Filho, ainda muito jovem teve seus primeiros poemas de feição moderna publicados com destaque em A Tarde refletindo o que se fazia de mais chocante no sul do pais, isto causou certo espanto e, em consequência, as reações mais desconcertantes. [...] Só mesmo em 1928 é que o modernismo tomou feição de um movimento no meio baiano, através de dois grupos: um, liderado por Pinheiro Viegas [...]e, outro, tendo à frente Hélio Simões, Carvalho Filho, Eurico Alves. [...] Neste me filiei desde o começo, passando a incentivar também o movimento com artigos que publicava regularmente em O Imparcial.13
Samba e Arco & Flexa tentavam, pelo menos, acertar o passo com as inovações, o que não conseguiram.14 Um pouco antes, no mês de agosto de 1928, surgia Moema, aclamado por Chiacchio e outros críticos locais como a primeira manifestação modernista baiana. Era o livro de versos de Eugenio Gomes, seguido, em outubro, pela revista Arco & Flexa e de Rondas, livro de poemas de Carvalho Filho. Entretanto, nenhuma das três publicações, mesmo guardando-se os limites de uma atividade literária em local desprovido de sinais da modernidade, pode ser considerada renovadora.15
Um colaborador rebelde
Apesar de pouca ou quase nenhuma mudança decorrer do apareci- mento da revista Arco & Flexa no cenário literário baiano, grande parte dos intelectuais da velha geração baiana passou a criticar e hostilizar o grupo. A imprensa local pautou-se pela crítica ou pela omissão, com exceção da cronista Carmen Dolores, que abriu espaço em sua coluna para entrevistar os jovens poetas e Carlos Chiacchio, o diretor do movimento.
Dentro dessa atmosfera, um escritor bem jovem, que fazia os estudos preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito, inicia sua carreira de poeta.16 Eurico Alves, aproveitando a abertura da revista A Luva, publica Dínamo que evidencia forte orientação modernista e quase nenhuma adesão à proposta de Chiacchio.
Dínamo
Ralam o ar, rodopiando em roucos ronrons rudos. as ruivas, rúbidas rodas raivosas, rápidas, ao fogaréu... Negras fauces monstros de fornalhas, abocanhando as sombras. num doido torvelinho desordenadamente bruto. de permeio às turbinas. aos êmbolos, às válvulas e a loucura de mil garras de fogo - as alavancas víboras - no vai-e-vem, vem-e-volta. subindo, descendo, afogando-se na fofa negrura do óleo chiando.. Tatala, lá fora, ao dorso polido das chaminés. a crespa asa rascante e do grande morcego chagado - a noite. Correm escuros arrepios no alto céu de ferrugeт. mordendo a usina... Mas, a im canto, possante, brutal, estouvadamente. entre o delírio de carótidas veias e artérias de aço, bates, rebates, fremes, latejas, precipite, em cólera chispando.
rudo, rouco, raivoso, rasgando a noite,
- dínamo da fábrica- meu desvairado coração pulsando!!7
Dentro dessa mesma preocupação da modernidade, o poeta vai em busca de sinais que constroem esses "tempos modernos". Na árida paisagem baiana, fora de sintonia, pois amarrada à agricultura e a cidadezinhas não tocadas pela mão do tempo, ele consegue extrair poemas como:
Usina
Como um punhado de estrelas dentro da noite. as casas dos empreiteiros perdem-se na festa verde, das espátulas compridas do canavial contente... E, ondulando, farfalhando, o canavial se estende interminavelmente, como um sonho esmeráldico de fartura, da usina. que, no centro, estridula e apita ejazzbandiza ferros, numa alucinação fantástica de mil músculos de açо tinindo e retinindo, zoando e retumbando no abandono do vale. Macabra mistura de polias, cordames, manivelas e rodas dentadas. furiosamente, diabolicamente, alucinadamente... Na baixada, como dois braços sondando as estrelas, as duas chaminés contemplativas se empertigam.18
O tema do maquinário das usinas não será apenas tema do poeta, mas também de Godofredo Filho, outro poeta modernista que, como Eurico Alves, tem contato com essa realidade, por ter nascido e vivido perto das usinas de cana-de-açúcar da região de Santo Amaro.
Os escritores urbanos não conseguem sequer representar tal realidade, permanecendo no canto à cidade colonial. No entanto, a preocupação com a máquina faz parte da experiência vivencial dos poetas provenientes de uma cidade pequena ainda do semiárido baiano, a Feira de Santana da época. 19 Transferido para Salvador, Eurico Alves, estimulado pela poesia de Mário de Andrade, maravilha-se com a cidade e escreve:
Noturno baiano
Todo mundo faz noturno, todo o mundo é Chopin, compondo o noturno de São Paulo e o de Belo Horizonte. Eu não sou Chopin, nem Tarrega, nem musicista, ao menos. Mas a minha Bahia também tem um bonito noturno um noturno simbólico de capital que se moderniza. 20
O poeta também experimenta vertentes outras, principalmente, nesta fase do poema flash, descrição apenas da natureza, criando imagens inusitadas:
Mistério
Choveu.
O céu com as nuvens mascaradas de velhice
era uma testa enfeitada de rugas...
Porque será que a terra está triste? trovejou.
E o céu não teve medo abriu a boca de noite e soltou a gargalhada ziguezagueante de um relâmpago.21
*Universidade Federal da Bahia. Doutora em Literatura Brasıleira pela USP. 4
EURICO
ALVES
(1909-
1974)
Antonio
Miranda
O poeta Eurico Alves ficou por muitos anos com sua
glória confinada ao diálogo que manteve com Manuel, de que resultou para a
história literária o poema “Escusa", em que é citado pelo pernambucano,
começando com esses versos singulares, lavrados dentro da atmosfera informal da
primeira fase do modernismo:
"Eurico Alves, poeta baiano, / Salpicado de
orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito, /Sinto muito, mas não posso
ir a Feira de Santana". E, depois de oferecer as razões da escusa,
rematava: "Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais da roça".
Morto em 1974, o baiano de Feira de Santana - poeta,
contista e ensaísta - foi figura de proa nos primórdios modernistas da Bahia,
ao lado de seu conterrâneo Godofredo Filho. Embora publicasse poemas e contos
esparsos em jornais e revistas nas décadas de 20, 30 e 40, sua produção poética
só veio a lume de forma organizada em 1990, por iniciativa de sua filha, Maria
Eugênia Boaventura, professora da Unicamp, em São Paulo, com o apoio da
Fundação Cultural do Estado da Bahia, no período que passou sob o nome de
Fundação das Artes, que publicou uma seleção de seus poemas, com iconografia,
documentação pessoal do escritor e apresentação do poeta Carvalho Filho; seu
companheiro de geração. Antes, apenas a Universidade Federa] da Bahia publicara
seu ensaio de cunho sociológico, "Fidalgos e vaqueiros",fruto de suas
pesquisas pelo sertão da Bahia; também havia ele publicado a plaqueta
intitulada "Respeitosas ruínas do passado pastoril".
"Poesia", o livro editado pela Fundação, embora com precária
distribuição, representou um resgate literário significativo.
Agora, por iniciativa da
professora Rita Olivieri-Godet, atualmente ensinando na Universidade de Paris
8, na França, vem a lume a edição deste livro que reúne um conjunto de quatro
ensaios críticos, cronologia biográfica, uma entrevista que Eurico Alves
concedeu à professora Ívia Alves, autora também de um dos ensaios da coletânea,
e uma seleção de poemas, que inclui inéditos, sob o título de "A Poesia de
Eurico Alves – Imagens da cidade e do sertão” (Salvador: Secretaria da Cultura
e Turismo, Fundação Cultural, EGBA, 1999).
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