Por Marcos Rodrigues
Jornalista
A cidade do Salvador foi cenário da Revolta dos Búzios ou Revolta dos
Alfaiates, ocorrida no fim do século 18, em agosto de 1798. Sob forte
influência da Revolução Francesa, a intenção era separar o Brasil de Portugal,
abolir a escravidão e criar a República. A memória do movimento parece ter caído
num lugar comum com a persistência de alguns em tornar heróis os líderes Lucas
Dantas, Luís Gonzaga, João de Deus e Manoel Faustino, condenados à forca.
Acredito que até hoje um elemento passa totalmente despercebido ao longo de
todo o período colonial, a comunicação.
Todos os anos, neste mês, revejo passagens do livro A Comunicação Social
da Revolução dos Alfaiates, do jornalista e professor Florisvaldo Mattos.
Resultado da sua dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia, é um
trabalho pioneiro como estudo de comunicação transversal ao fato histórico em
questão. As marcações oportunas dão mostra da educação já deformada que
recebemos e uma cultura nunca levada a sério pelas classes dirigentes, como
elemento de cidadania.
Para começo de conversa, o primeiro ponto salientado pelo autor é o
aspecto oral da comunicação. É sabido por outros estudos que na Europa as artes
gráficas seguiam a todo vapor no seu desenvolvimento. Porém, a coroa portuguesa
não foi capaz de trazer para a colônia tais avanços industriais. A tradição
oral foi a principal marca da produção cultural e da comunicação do brasileiro
até o presente. A origem estaria nas dificuldades da população em acessar os
produtos da cultura já em alta no chamado primeiro mundo.
Por aqui, em 1761, a sede do governo-geral foi transferida para o Rio de
Janeiro. Sem conhecer a imprensa, a capitania da Bahia tinha em torno de 50 mil
habitantes, a maioria escravos ou alforriados e homens livres desempenhando
ofícios considerados desprezíveis pelas elites da época, como alfaiates. Essa
população pobre, negra, mestiça sofria com o alto custo de vida, a falta de
alimentos e o preconceito racial. O clima tenso favorecia, portanto, a
circulação de ideias de “igualdade, liberdade e fraternidade”, o lema da
Revolução Francesa.
Diante desse contexto, como se davam as relações culturais no Brasil
daquele período? O livro de Florisvaldo Mattos é uma oportunidade de conhecer a
sociedade colonial brasileira, nos aspectos da educação, cultura e comunicação.
Um texto útil a quem se preocupa com a formação cultural brasileira e luta por
uma sociedade menos cruel, sem discriminações.
O autor relata a clara falta de interesse em alfabetizar os índios, que
deveriam ser utilizados só como força de trabalho. Os negros vindos da África
deveriam ser mantidos na ignorância, afinal eram apenas mercadoria.
A coroa portuguesa não pensou na educação, nem cuidou dos valores
culturais de índios e negros escravizados. O sistema educacional em nenhum
momento beneficiou essa população heterogênea mantida na subserviência. Os
portugueses limitaram o desenvolvimento da cultura na colônia, a começar pelo
ensino, observa o pesquisador, e desprezaram a construção de um sistema
educacional.
Mattos revela que “a colônia não conheceu nem a imprensa nem a
universidade e as sociedades literárias, quando toleradas”. O intercâmbio
intelectual era mínimo e não havia a comunicação de ideias, tendo em vista a
precariedade das técnicas de informação. Assim, poucos escreviam cartas ou
livros e a sociedade baiana da época teve a sua forma mais avançada de
comunicação no uso limitado da escrita. A Bahia colonial passou ao largo da
produção impressa.
Desse modo, conforme o texto, adquirir conhecimentos necessários ao
desenvolvimento cultural, troca de informações, só seria possível de três
maneiras: pelo aprendizado informal, pela comunicação manuscrita e pelo livro
ou outros materiais impressos, geralmente de origem estrangeira e de
contrabando. Ao que parece escapou aos historiadores que, do nascimento ao
fracasso, a Revolução dos Alfaiates constituiu apenas atos de comunicação. Obrigado,
professor. Terminou o espaço.
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