ATORES DA POESIA
Cid Seixas
Esta é uma mesa redonda de poetas, ou melhor, é um encontro de
poesia. Um momento em que todos nós teremos oportunidade de ouvir e de falar um pouco
da criação poética. Uns falando da sua própria experiência, outros falando do contexto no qual se insere o seu processo
criativo. Falando de outros poetas.
O
texto a seguir traça um quadro múltiplo ou um panorama sumário da poesia baiana do século vinte. (NÓS, POR EXEMPLO)
Devo começar dizendo que a minha presença nesta
mesa, ao lado de um criador de obra vasta e nacionalmente reconhecida, como Ruy
Espinheira Filho, – poeta que “escreve no peito dos homens”, conforme o dizer
do estudioso e crítico do modernismo brasileiro Mário da Silva Brito – a minha
presença pode ser atribuída à generosidade e à amizade do professor doutor Francisco Ferreira de
Lima e dos demais organizadores deste encontro.
Estou aqui presente na qualidade de poeta menor, de... – gravem a expressão irônica com a qual me defino – meio-poeta. Acredito que nenhum criador, nenhum intelectual, deve medir a sua importância a partir da autoavaliação, da autoestima, mas a partir do juízo isento e descomprometido de terceiros; da crítica, portanto. Ou mesmo de uma crítica desfavorável. Em 1979, Flávio Renê Kothe, quando do lançamento do meu primeiro livro que alcançou circulação nacional, com uma tiragem excessiva de três mil exemplares, Fonte das pedras, publicado pela Editora Civilização Brasileira, estampou dois artigos de exaltada crítica demolidora, um no Rio e outro em São Paulo. Num dos trechos em que procurava demonstrar seu desagrado pela produção deste autor, ele dizia:
“Cid Seixas parece ser um desses tantos
poetas que, só porque escreve algo parecido com versos, também se acha no direito
de dizer besteiras. Não é um poetastro simplesmente menosprezível e que não
saiba nada do que está fazendo, mas
também não é uma grande voz no horizonte
da poesia. Com boa vontade pode ser até considerado um poeta quase estadual.
Seixas está mais para a espacialização de Cummings do que para a sutileza de
Mallarmé. Não que ele não queira ser
sutil, mas Salvador não é Paris,
especialmente a Paris do sonho de qualquer subdesenvolvido.”
Aceitando o puxão de orelha do crítico, reconheço desde já
que o meu papel no quadro da poesia brasileira, ou mais modestamente, da poesia
baiana, é de um coadjuvante; não de um protagonista, como a maioria dos
escrevedores de versos imagina ser. É, portanto, na qualidade de poeta que, com boa
vontade, no dizer desse crítico, pode ser considerado quase
estadual, que participo desta mesa redonda para falar de
poetas federais, de poetas estaduais e, talvez, municipais. Lembre-se que a conhecida expressão foi
ironicamente usada por Drummond, no livro Alguma
Poesia, de 1930, no contexto de um pequeno poema dedicado
a Manuel Bandeira, em que dizia:
Nu, de José Guimarães, 1º modernista baiano |
“O poeta municipal
Discute com o poeta estadual
Qual deles é capaz
De bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
Tira ouro do nariz.”
Toda literatura – quer seja aquela que se considera patrimônio da
humanidade, quer seja a literatura nacional, a literatura estadual, ou ainda o
acervo de uma região – toda literatura é constituída tanto por autores
essenciais quanto por autores secundários, terciários etc. Os primeiros, os
grandes autores, os poetas fortes, na terminologia do crítico norte-americano
Harold Bloom, são poucos, são raros. Os demais, os poetas menores, são muitos.
Mas uma tradição literária não dispensa nem a uns nem a outros. Os escritores
considerados secundários, os continuadores de um processo, são responsáveis
pelo estabelecimento do gosto, pela fixação das conquistas trazidas pelos
mestres.
Fernando Pessoa só pôde ser reconhecido e
compreendido, depois dos seus diluidores, depois dos pequenos poetas que deram
curso ao discurso imprevisto e inovador da sua poesia. Todos aqueles que, mesmo
não sendo grandes vozes, realizam um trabalho sério e consciente, contribuem
para a afirmação da literatura do seu povo e da sua língua.
É, portanto, penso eu, na qualidade de
escritor secundário, ou mesmo terciário, que participo desta mesa. Ou melhor: na
condição de meio poeta (pedi que gravassem a expressão). De meio poeta porque
poeta-crítico. Um pouco poeta, um pouco crítico. Como não atribuo a mim mesmo a
designação de poeta (porque poeta é Pessoa, é Drummond, é Shakespeare), como
dispenso rótulo gracioso, é na condição de leitor da poesia presente em toda
arte que aqui estou.
Por isso, não falarei do meu próprio trabalho,
salvo se, acidentalmente, ele for lembrado nas discussões ou debates que fecharão
esta mesa-redonda. Falarei aqui da poesia baiana como uma construção social,
conjunta. Os grandes poetas deixam uma espécie de
vazio quando se vão. É como se a ausência da palavra primordial inibisse o surgimento de outras vozes. Soam, apenas,
velhas vozes saudosas. Depois do fenômeno Castro Alves, a Bahia viveu
uma espécie de baile da saudade das viúvas do arrebatamento lírico
de Cecéu; como Castro Alves era tratado pelos mais próximos.
Tivemos dificuldade de sair do romantismo.
Romantismo esse que vai impregnar os parnasianos e os simbolistas baianos.
Carentes de grandes vozes, nos apegamos demasiadamente ao passado, à tradição.
Vejam que quando o modernismo chegou à Bahia, com a publicação da revista Arco &
Flecha – em 1928, e com a geração de poetas e teóricos
como Eugênio Gomes, Godofredo Filho, Afrânio Coutinho, Hélio Simões, Pinto de Aguiar e Carvalho Filho – vejam que mesmo
nesse momento de busca de novidades, o movimento modernista na Bahia foi
designado de “tradicionismo dinâmico”. Seus protagonistas não ousavam romper
com a tradição. A tradição era mais forte do que a renovação.
Para melhor compreensão da vida literária
baiana dessa época, convém não perder de vista o alvorecer do século, quando Afrânio Peixoto e Xavier Marques
esboçaram um procedimento estético que se tornou matriz para poetas, prosadores e publicistas.
Entre os nossos criadores mais destacados
do início do século XX estão os chamados “bravos rapazes” das revistas Nova Cruzada e
Os Annaes, que desempenharam o papel de
disseminadores do simbolismo, no primeiro decênio do século vinte. Mas os nomes de Pethion de Villar,
Pedro Kilkerry, Durval de Moraes e Arthur de Salles não poderiam transpor os
limites do simbolismo visto da província e anunciar a instauração do pensamento
moderno. As condições do ambiente cultural baiano criavam entraves
para o grande salto que representaria uma nova revolução na sua formação
estética.
Bem verdade que em outros estados nordestinos,
poetas de inspiração parnasiana e simbolista evoluíram para o modernismo,
conforme o significativo exemplo de Jorge de Lima – que começou como sonetista
neoparnasiano, autor do antológico “Acendedor de Lampiões”, um dos XIV
Alexandrinos, e chegou a ostentar o título de “Príncipe dos
Poetas de Alagoas”. Jorge de Lima
conseguiu dar o salto e já com O Mundo do Menino Impossível aderiu
ao modernismo.
Até mesmo o fenômeno Pedro Kilkerry, que
foi uma espécie de “sistema de alarme premonitório” da arte poética moderna,
teve sua voz abafada pelo som bombástico dos tambores retóricos da velha Bahia.
Surpreendentes são alguns trechos de Kilkerry no Jornal
Moderno, em 1913:
– “Olhos novos para o novo! Tudo é outro
ou tende para outro!
– O metro é livre: vivamo-lo. O mais
importante, porém, de tudo, dessa complexidade, de toda essa demência
raciocinante é que as harmonias individuais, os caracteres não podem ser velhos
como os senadores de Roma ou os sete sábios que cofiaram longas barbas na velha
Grécia. Não se arrastam passos, braços não tremem; na
existência do século não se titubeia.
– Ao tempo em que escrevo estas linhas, já
aí está a urgência suarenta do tipógrafo a espiá-la e ouço a trepidação ansiosa
do maquinismo impressor, a que estou associando a ânsia dos leitores no nosso
órgão, que é o do seu momento social, da hora que soa.”
Apesar da sonora proposta vanguardista – Olhos novos
para o novo! – a província desconheceu ou não quis entender
esse lado da contribuição de Kilkerry, cujo pensamento foi encontrar paralelo anos
depois, não mais na Bahia, mas, em São Paulo, pelo intrépido voyeur Oswald
de Andrade: “Ver com olhos livres”, conforme notou e anotou atento Augusto de Campos, traçando um paralelo entre os
dois poetas. Para demonstrar a força da tradição entre
nós, veja-se um caso emblemático: Em 1928 a Pongetti editava o livro Samba
Verde,
com poemas nitidamente modernos, de Godofredo Filho que, antes mesmo do
esperado lançamento, recolheu toda a edição e afastou o seu autor do rol dos
primeiros modernistas brasileiros.
Teriam os tambores antigos atingido os ouvidos cosmopolitas do modernista baiano, abatendo o pássaro em voo pleno? A tradição fala mais forte na primeira capital da colônia, onde a vanguarda é tradicionista. É este contexto cultural que nos estrutura, que fala por todos nós. Somos todos uma consequência desta “Triste Bahia, oh! Quão dessemelhante”, conforme o verso do nosso poeta primeiro, Gregório de Mattos. Algumas cidades do interior contribuíram de modo notável para a formação do quadro de poetas modernos da Bahia. Feira de Santana nos deu tanto Godofredo Filho, autor do longo e famoso “Poema da Feira de Santana”, quanto Eurico Alves, poeta telúrico, que fez os ventos da roça soprarem sobre os ares cosmopolitas do modernismo.
Do sul do estado, das roças de cacau, veio a poesia de Sosígenes Costa. O poeta transitou do simbolismo para o modernismo. Seu texto que mais me fascina insere-se numa trilogia brasileira formada por Martim Cererê, de Cassiano Ricardo (publicado em 1928),
Cobra Norato, de Raul Bopp (publicado em 1931), e Iararana, de Sosígenes Costa, escrito
por volta de 1933 e publicado postumamente em 1979, com introdução, apuração do texto e glossário de José Paulo Paes. Iararana documenta os resultados do contato de Sosígenes Costa com as ideias estéticas que constituíram a espinha dorsal da revolução modernista, iniciada em 1922. Mas, ao mesmo tempo, marca os pontos de diferenciação entre o seu programa e o do grupo paulista, numa frutífera e personalíssima independência. Iararana é a grande epopeia do modernismo grapiúna, contando a história da raça brasileira a partir da imposição dos valores civilizatórios greco-romanos às culturas nativas do país.
O texto de Sosígenes revela a compreensão de que à arte moderna cabe realizar a tarefa de digerir os conceitos do mundo clássico, depois de destruí-los e devorá-los, antropofagicamente. A proposta cultural da nossa Antropofagia não é uma simples formulação teórica do manifesto oswaldiano, mas a tradução de uma prática elaborada pelo processo criador de escritores brasileiros; ou de qualquer escritor comprometido com o amanhã da sua arte.
Depois dessa geração de precursores do modernismo e de modernistas baianos, os anos cinquenta trouxeram algumas vozes expressivas, vozes destiladas pelo rigoroso engenho da poesia de 45. Entre esses poetas podemos citar, entre outros, os nomes de Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Carlos Anísio Melhor, João Carlos Teixeira Gomes e José Carlos Capinan. Os primeiros poemas de Florisvaldo Mattos que ganharam audiência e notoriedade são de 1953. Esse autor da Geração Mapa foi cooptado por Glauber Rocha para o núcleo do que viria a ser um dos movimentos culturais mais frutíferos da Bahia. Glauber e outros jovens, quando leram os textos de Florisvaldo Mattos, identificaram no companheiro, alguns anos mais velho do que eles, o tradutor das suas aspirações intelectuais pela voz da poesia. Foi com entusiasmo e admiração que a troupe glauberiana conquistou o novo aliado. Mesmo assim, ele só veio a publicar o seu primeiro livro, Reverdor, em 1965. Depois, no ano de 1996, a Fundação Casa de Jorge Amado publicou, de Florisvaldo Mattos, A Caligrafia do soluço & Poesia anterior, reunindo a sua produção poética.
Outros dois integrantes da geração Mapa, que só vieram a ser publicados em livro muitos anos mais tarde, são Carlos Anísio Melhor e João Carlos Teixeira Gomes. Anísio viveu como boêmio e deixou seus poemas perdidos nas mãos das muitas amadas. Parte da sua vida foi vivida em mesas de bar, nos velhos tempos da boemia, e outra parte em sanatórios psiquiátricos, onde, em meio aos loucos, tratava-se do vício da bebida. Anísio gastou toda a sua fortuna, herança deixada pelo pai, em viagens a cassinos e em orgias que duravam semanas. Ele costumava fechar as boates exclusivamente para sua roda de amigos, que eram muitos. Acabada a fortuna, passou a viver nos hospícios psiquiátricos, chegando a ser interno como indigente. Recuperado da bebida, terminou os seus dias numa casinha humilde e com um emprego de funcionário público. Somente em 1982, por iniciativa dos amigos, foi publicado o seu único livro, Canto Agônico, embora figure com destaque em várias revistas e antologias.
O velho Anísio, na época das Jogralescas, criadas por Glauber Rocha nos tempos do Colégio Central, tinha a preferência do público como declamador de poemas. Para quem não sabe, nos anos cinquenta, as Jogralescas eram verdadeiros espetáculos teatrais, onde os jovens estudantes construíam os cenários, as situações dramáticas, enfim, toda uma
movimentação cênica, interpretando seus sentimentos, suas ideias – seus poemas.
João Carlos Teixeira Gomes – hoje jornalista e professor aposentado, crítico literário, estudioso da obra de Gregório de Matos, sobre a qual escreveu um dos livros essenciais – João Carlos Teixeira Gomes também teve o seu primeiro livro publicado tardiamente, por iniciativa de Carlos Cunha e minha. Quando ocupei a direção do Teatro Castro Alves, promovemos o lançamento do livro no foyer do teatro. Ciclo Imaginário é de 1975, mais de vinte anos depois das Jogralescas e dezoito anos depois de ter se iniciado na literatura através da revista Mapa, a mesma revista de Glauber Rocha, Florisvaldo Mattos, Paulo Gil Soares, Calasans Neto e tantos outros. Em 1987 a Editora Nova Fronteira publicou, no Rio de Janeiro, A esfinge contemplada, o mais importante livro de Teixeira Gomes.
Grupo da Geração Mapa, por volta de 1960, vendo-se Joca, Guerrinha, Florisvaldo, Calá e Hélio Oliveira. |
Por fim, quando terminavam os anos cinquenta, isto é, em 1959, surge a poesia de José Carlos Capinan. Ele marca o limite entre a geração dos anos cinquenta e a chamada geração de sessenta. Poeta engajado, produziu uma obra vigorosa e altamente expressiva, uma obra comprometida com o homem, com a luta política pela emancipação social. Seus primeiro e mais importante livro, Inquisitorial, publicado na Bahia, em 1966, e relançado, trinta anos depois, no Rio de Janeiro, pela editora Civilização Brasileira.
Capinan levou muitos anos distanciado da poesia escrita. Tornou-se conhecido como compositor de música popular, parceiro de Gilberto Gil e Caetano Veloso, na época revolucionária do Tropicalismo. Anos depois, retornou ao livro, publicando algumas obras. Mas a poesia engajada de Inquisitorial constitui-se o marco da sua expressão. Chegamos então aos anos sessenta, quando a poesia baiana é enriquecida por vozes múltiplas e expressivas. Cito apenas alguns nomes, outros são igualmente dignos de destaque. Myriam Fraga, autora de Sesmaria, Marinhas, Femina e tantos outros livros. Ildásio Tavares, autor de Canto do homem cotidiano, Tapete do tempo, Ditado e, além de poeta, romancista expressivo com Roda de fogo, romance que marca as angústias humanas e os equívocos da ditadura instaurada em 1964.
Da região de Feira de Santana surge Antonio Brasileiro, uma das grandes vozes da moderna poesia baiana. Ele começa a ser notado a partir de 1967, quando criou a revista Serial, de poesia. Nos meus tempos de estudante, Antonio Brasileiro foi uma referência importante. Brasileiro publicou Estudos, Fragmentos de Agapanto, Os três movimentos da sonata, A pura mentira e outros. Em 1996, a Fundação Casa de Jorge Amado editou a sua Antologia poética; reunião dos textos mais expressivos de Antonio Brasileiro.
Maria da Conceição Paranhos é outra voz feminina da geração de sessenta, autora de Abc-reobtido, de Chão circular e de outros livros. No ano da graça de 1996, quando a Fundação Casa de Jorge Amado mantinha uma importante coleção de escritores baianos, a autora publicou As esporas do tempo.
E encerrando esta referência incompleta aos
poetas surgidos na segunda metade do Século XX, voltamos a Ruy Espinheira Filho. Trata-se do poeta baiano
da sua geração com maior audiência local e em nível nacional. Notem que Ruy começou a publicar relativamente tarde.
Nascido em 1942, somente em 1979, aos trinta e sete anos, com Julgado do
vento, mostrou seu trabalho ao país. E em 1981, com
suas Sombras luminosas, recebeu o Prêmio
Nacional de Poesia Cruz e Souza, instituído pelo Governo do Paraná.
É verdade que as Edições Cordel, mantidas
em Feira de Santana pelo amor à poesia, publicaram o pequeno volume Heléboro,
nos idos de 1974. Nesse livrinho, em formato de cordel, estão reunidos os poemas
com os quais o então estudante universitário Ruy Espinheira Filho
ganhou por anos consecutivos todos os concursos literários promovidos pela
Universidade Federal da Bahia, deixando nos estudantes da época, concorrentes
de Ruy, a imagem do imbatível lutador de palavras. No mais, conforme os versos
do velho Gregório de Mattos, nosso poeta primeiro: “Isto sois, minha Bahia,
isto passa em vosso burgo”.
SEIXAS, Cid. Nós, por exemplo, atores da Poesia.
Texto apresentado à mesa redonda sobre Poesia Baiana, no I Seminário de Estudos
Literários. Universidade Estadual de Feira de Santana, 1996.
Grupo do movimento Caderno da Bahia (1948-1955). Reúnem-se aí, da esquerda para a direita, o pintor Caribé, o jornalista Odorico Tavares, seu irmão Cláudio Tavares e o escultor Mário Cravo Jr.
A INTERRELAÇÃO DE MOVIMENTOS
LITERÁRIOS NA BAHIA MODERNISTA
Florisvaldo Mattos
Em um parcimonioso inventário do desempenho dos Rebeldes – aqueles, segundo Cid Seixas, “bem-humorados mosqueteiros, que combateram o bom combate dos fins dos anos vinte aos princípios dos anos trinta” (SEIXAS, 1996), em 1992, Jorge Amado produz o que o crítico considera apenas uma “avaliação sentimental”, sob a forma de sucinto inventário.
Único vivo do grupo que compôs a Academia, no exercício da saudade, faço o balanço dos livros publicados pelos Rebeldes, por cada um de nós. A Obra Poética e Iararana, de Sosígenes Costa: sua poesia, nossa glória e nosso orgulho; a obra monumental de Édison Carneiro, pioneiro dos estudos sobre o negro e o folclore, etnólogo eminente, crítico literário, o grande Édison; os Sonetos do malquerer e Os Sonetos do bem-querer, de Alves Ribeiro, jovem guru que traçou nossos caminhos; os dois livros de contos de Dias da Costa, Canção do Beco, Mirante dos Aflitos; os dois romances de Clóvis Amorim, O Alambique e Chão de Massapê; o romance de João Cordeiro devia chamar-se Boca suja, o editor Calvino Filho mudou-lhe o título para Corja; as coletâneas de poemas de Àydano do Couto Ferraz, a de sonetos de Da Costa Andrade; os volumes de Walter da Silveira sobre cinema — some-se com meus livros, tire-se os nove fora, o saldo, creio, é positivo. (AMADO, 1992).
Nas palavras de Amado, embora não tenham varrido a literatura dos movimentos do passado – “não enterramos no esquecimento os autores que eram os alvos prediletos de nossa virulência [...], em geral todos os que precederam o modernismo” (AMADO, 1992) -, os Rebeldes concorreram, “de forma decisiva, para afastar as letras baianas da retórica, da oratória balofa, da literatice, para dar-lhe conteúdo nacional e social na reescrita da língua falada pelos brasileiros”. “Fomos além do xingamento e da molecagem, sentíamo-nos brasileiros e baianos, vivíamos com o povo em intimidade, com ele construímos, jovens e libérrimos nas ruas pobres da Bahia” (AMADO, 1992), sublinha o autor de Navegação de Cabotagem.
Abstraindo-se o movimento de Ala das Letras e das Artes (ALA), que vigorou a partir de 1936, sob o comando intelectual de Carlos Chiacchio e, por isso mesmo, uma continuidade da pauta de ideias pregadas e defendidas pelo grupo de Arco & Flexa, persistindo no receituário de seu “Tradicionismo Dinâmico”, que defendia um modernismo respeitador da tradição e duraria até o final da Segunda Grande Guerra (1945), visto à distância de hoje, percebe-se que o legado da Academia dos Rebeldes estará sutilmente presente nos dois movimentos baianos que se seguiram ao fim do conflito mundial: o de Caderno da Bahia, que se inicia por volta de 1947, e o da chamada Geração Mapa, como sequência deste, a partir de 1955/56.
Escultura de Mário Cravo Jr., em frente ao Elevador Lacerda
NA ESTRADA DA LIBERTAÇÃO
Caderno da Bahia veio com uma novidade, a presença forte das artes plásticas, segmento estético em tudo ausente em movimentos anteriores, embora fosse predominante o objetivo das letras. Vale lembrar que, estranhamente, em nenhum dos movimentos anteriores (Samba, Arco & Flexa e Academia dos Rebeldes) havia participação clara das linguagens plásticas. A mais razoável explicação para tanto deve-se à predominância da arte acadêmica, presente em instituições de prestígio, como a Escola de Belas Artes, e representada por artistas do porte e prestígio de Presciliano Silva, Alberto Valença e Mendonça Filho. As novas ideias germinaram fora desse circuito tradicionalista, a partir dos artistas plásticos Mário Cravo Jr. e Carlos Bastos, na volta de viagens e cursos realizados nos Estados Unidos, na França e no Rio de Janeiro, onde tomaram conhecimento das revoluções estéticas.
O Caderno da Bahia começou sem muitas pretensões, mas, como se a nossa geração estivesse aguardando um veículo com que antes não contava, as adesões se precipitaram. Suas atividades ganharam fôlego. E logo relativo prestígio o cercou, não só aqui, como nos outros estados, onde se processava luta mais ou menos igual: a da afirmação dos talentos jovens na província eminentemente dominada pelo gosto acadêmico. (SANTANA, 1981)
É justamente no editorial inserido na edição de 17 de abril de 1950, no qual se percebem ressonâncias de ideias proclamadas pelos Rebeldes, agora estimuladas pela avalancha libertária do pós-guerra e centradas em fortes aspirações de paz que se alastravam. O pensamento de esquerda responsável pela opção comunista de influentes rebeldes, açulado pela propaganda internacional de princípios marxistas difundidos a partir do sucesso da Revolução de 1917 e a instalação do comunismo na Rússia, a postura de rejeição a todas as formas de idealismo político, que desaguassem em regimes ditatoriais, e o claro propósito de abraçar tudo o que representasse fortalecimento do humanismo, eram visivelmente os esteios ideológicos em que repousava a disposição de Caderno da Bahia.
O editorial aponta como destino preferencial do grupo a “ampla e larga estrada da libertação, na qual marcha uma nova humanidade, na busca de um mundo de tranquilidade e de trabalho, de paz e de amor entre os povos”, reconhecendo este como seu roteiro, “a serviço da paz e da defesa e enriquecimento da cultura”, em contraposição ao outro, “o caminho sangrento e tortuoso do desespero, no qual as formas sociais historicamente decadentes, e mesmo superadas, tentam conservar seus privilégios de exploração e de injustiça”. Vasconcelos Maia diria, alguns decênios depois, que Caderno da Bahia era “um boletim literário e artístico, mas, como a situação política exigia, também político” (SANTANA, 1981). Ao definir as características do movimento, como a consciência do que buscavam, Maia informa, de forma clara o essencial, o que lhe deu suporte: “Tínhamos tido e aprendido as lições da Semana de Arte Moderna de 22 e do movimento aqui liderado por Pinheiro Viegas” (SANTANA, 1981).
A boemia também tinha seu lugar. Além de alguns espaços sobreviventes, como o Café das Meninas, os componentes de Caderno da Bahia se reuniam preferencialmente na Pastelaria Triunfo, misto de bar e mercearia, na Praça Municipal, mas, para dar um toque especial de fruição hedonista, criaram seu próprio espaço, o Bar Anjo Azul, um ambiente decorado em tons barrocos, que se tornaria um ícone local de sofisticações boêmias, situado na Rua do Cabeça (Centro). O ambiente refletia a atmosfera de doutrinas estéticas e comportamentais em moda na época, como o surrealismo e o existencialismo, refletindo-se na postura dos frequentadores. O interior imitava um bistrô parisiense, onde a música de preferência era o Jazz, na voz de Billie Holiday. Bebia-se pernod ou xi-xi de anjo, este uma especialidade da casa, à base de aguardente, de fórmula secreta, guardada a sete chaves.
Tal como os Rebeldes, a frequência nos bordéis e cassinos figurava naturalmente na agenda do grupo. Relembra Vasconcelos Maia:
Íamos muito em grupo aos cabarés. Não tanto ao Tabaris, porque não tínhamos grana. Íamos mais aos rumbas, aos boleros. Apesar de moços, éramos muito conhecidos. Quando chegávamos nesses dancings, dominávamos o ambiente. Os donos e as dançarinas nos tratavam otimamente, era formidável. Jenner Augusto se arvorava a cantor, Mário Cravo a mágico, nosso amigo Jairo Saback fazia um número de música, ficávamos donos dos salões. (SANTANA, 1981).
AMPLITUDE DO RAIO CULTURAL
O movimento que se seguiu, o da chamada Geração Mapa, tinha igualmente como proposta básica romper com a inércia cultural, a dominação academicista, que ainda alimentava o preconceito contra a arte moderna; mas a realidade era inteiramente outra. Já se haviam esmaecido os fortes reflexos do pós-segunda guerra, embora tivesse irrompido a guerra da Coreia, mas de curta duração e menor repercussão no noticiário, e popocassem outras insufladas pelo capitalismo na luta por sua hegemonia internacional. O mundo se pautava agora pela Guerra Fria, no confronto de Estados Unidos e União Soviética (URSS). Há uma novidade cultural: a partir de 1952, como instrumento de divulgação cultural, Caderno da Bahia seria substituída pela revista Ângulos, criada por Adalmir da Cunha Miranda e outros acadêmicos de Direito, como Machado Neto, sob a direção do Centro Acadêmico Ruy Barbosa, que advogava a mesma postura de luta contra o conservadorismo renitente e o conformismo intelectual, encerrando esta sua fase em 1961, após 17 edições.
O grupo de Mapa começou a aparecer nas páginas de Ângulos, antes da criação de sua própria revista, que iria dar rótulo à geração, circulando em três edições, nos anos de 1957 e 1958, para o que contou com substancial apoio de Zittelmann de Oliva, então um dos sócios da empresa Artes Gráficas, situada na Rua do Saldanha (Centro), para ser depois superintendente do recém-lançado Jornal da Bahia. Era a forma de se afirmarem talentos do nível de Glauber Rocha (praticamente o líder do grupo, apesar de ser o mais jovem), Fernando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares, Calasans Neto, Fred de Souza Castro, João Carlos Teixeira Gomes, Fernando Rocha, Carlos Anysio Melhor, Sante Scaldaferri, Ângelo Roberto, e outros, entre os quais este redator. A eles se agregariam, algum tempo depois, a poeta Myriam Fraga e os então contistas João Ubaldo Ribeiro, Sônia Coutinho, David Salles e Noênio Spínola.
A geração Mapa vivenciou, e a ele se incorporou, o rico momento de reforma da então Universidade da Bahia (só se tornaria Federal, em 1977), empreendido pelo reitor Edgard Santos, com a criação das escolas de arte (Música, Dança e Teatro), reestruturação da Escola de Belas Artes, fundação de institutos culturais, entre os quais se destacava o Centro de Cultura Afro-Oriental (CEAO), além dos de ciências exatas e, mais adiante, novas unidades de ensino, como o Curso de Jornalismo, inicialmente integrante da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Participou da criação e funcionamento do Museu de Arte Moderna, inaugurado pela arquiteta Lina Bo Bardi, em 1960, e na programação avançada de teatro, sob o comando de Martim Gonçalves, então diretor da pioneira Escola de Teatro.
Quanto à fruição hedonista, os integrantes do grupo seguiram, com variações, o roteiro das duas gerações anteriores (Academia dos Rebeldes e Caderno da Bahia): bares, restaurantes, bordeis, cassinos, dancings, recém-surgidas boates, mas, para encontros, tinham como suas preferências a Sorveteria Cubana, na parte alta do Elevador Lacerda, e os restaurantes Cacique, na Praça Castro Alves, e Porto do Moreira, então na Rua do Cabeça. Até hoje pergunta-se por que a preferência do grupo, de fins de tarde à meia-noite, cotidianamente, pela Sorveteria Cubana, que não servia bebida alcoólica, mas somente sorvetes, milk-shakes e bolinhos. Simples: a inocência também leva ao Paraíso.
*Mattos, Florisvaldo. Academia dos Rebeldes e outros exercícios redacionais. Salvador: ALBA Cultural, págs. 38 a 44, 2022.
MAGIAS E ARTE DE CALASANS NETO
Florisvaldo Mattos
Artista
consciente e predestinado, como o definiu o também hoje saudoso poeta e crítico
de arte Wilson Rocha, recordo Calasans Neto na figura pertencente à irrequieta
e sedutora malta de jovens que, na segunda metade dos anos 1950, deixava os
bancos do curso secundário, para decididamente participar e influir no
vertiginoso processo cultural de que a Bahia se mostrava em trepidante cenário.
Vinham eles das chamadas Jogralescas,
febris e depois afamadas apresentações de poesia teatralizada, levadas então ao
palco, no auditório do ainda Colégio da Bahia (hoje Central), em que Calá, além
de autor da cenografia, desempenhava também função de ator.
Com
Glauber Rocha à frente, compunham esse grupo cavaleiros andantes, tomados de
igual fervor, Fernando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares, Carlos Anísio Melhor,
Fred Souza Castro, João Carlos Teixeira Gomes, Fernando Rocha, Ângelo Roberto,
Antônio Guerra Lima, entre outros, ao lado de louçãs demoiselles que infundiam, a um só tempo, ardor, beleza e
inspiração àqueles rumorosos dias. Estavam resolvidos a subjugar e varrer do
ambiente cultural a esclerose decadentista que ainda o corroía, lançando luzes
sobre o opaco horizonte à sua frente, não obstante os novos rumos descortinados
por Edgar Santos, reitor da então Universidade da Bahia, com seu vitorioso
projeto de reformas estruturais.
A
eles me incorporei, em inícios de 1957, a convite de Glauber, que se
entusiasmara com um poema de minha autoria, intitulado “Composição de ferrovia”
e publicado no número 11, da revista Ângulos,
então prestigioso ícone editorial da Bahia, que acabara de circular. Calasans
Neto era um desses quixotes, montado
em seu rocinante, cujo peitoral de
sonhos varava o vasto e sensível campo das artes plásticas, um dos poucos
redutos que a geração anterior, a dos cavaleiros da cruzada vitoriosa de Caderno da Bahia (1948-1955), conseguira
desbravar, abrindo fendas na resistente muralha do academicismo dominante, acolhidos
pela sensibilidade modernista do educador Anísio Teixeira, à frente da
Secretaria da Educação e Cultura, no governo Octávio Mangabeira (1947-1951).
Nas
artes plásticas, irrompia com ânimo forte e aspirações a que mais adiante seria
rotulada de Geração Mapa, por contar em seu pelotão com quatro varões de
indiscutível talento artístico: Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Ângelo
Roberto e Hélio Oliveira, a que depois se juntaria José Maria Rodrigues. Realce
neste leque de criadores, já mestre em muitas artes, inclusive na da conversa alegre,
informal, bem-humorada e envolvente, Calá logo revelaria excepcional vocação
para a gravura em madeira e na ilustração de livros e álbuns constantes de
obras publicadas pelas Edições Macunaíma e revista Mapa, duas iniciativas editoriais que se tornariam carros-chefes
para afirmação e prestígio literário e artístico do grupo.
Eu próprio, não tenho por que negar, me considero um
dos beneficiários das habilidades e
magias visuais da goiva de Calasans Neto, desde que, tendo sido o ilustrador de
meu primeiro livro, Reverdor, de 1965,
o seria de outros que se seguiriam, tais como Fábula Civil (1975) e A
Caligrafia do Soluço e Poesia Anterior (1996), além de uma plaqueta de
poemas com que eu e Fernando da Rocha Peres, em 1985, (Dois poemas para Glauber Rocha), homenageamos a memória deste
glorioso companheiro de geração. Em todas essas obras, a arte de Calá
destacava-se como forte elemento, capaz de impulsionar as sugestões estéticas
que o enunciado de versos e estrofes buscava transmitir, podendo-se afirmar
mesmo que eram as imagens das gravuras o seu visual condutor.
Trabalhadas
em madeira, no primeiro caso, as gravuras de Calá agregavam feição gráfica aos
poemas do livro, conferindo energia e
vigor a seu enunciado telúrico, tanto no que respeita às alusões épicas, quanto
ao lirismo nas partes marcadas por separatrizes, desde a capa até a contracapa,
cujas imagens se articulavam com o universo rural ou mecânico, por onde se
insinuava o seu conteúdo.
No
livro Reverdor (Salvador: Edições
Macunaíma, 1965), desenhos de cavaleiros vestidos em armaduras, em cenário de
cavalaria medieval, precediam os poemas dos cinco monólogos de Garcia d´Ávila;
a seguir, figuras de cabras placidamente pastando, em encostas (mais adiante,
esses animais se tornariam signos definidores de uma das fases da arte de Calá,
incutindo nas telas, e também em gravuras, dimensão mitológica de conotação
campestre), advertiam para o fundamento agrário da seção “Agrotempo” e, por
fim, uma locomotiva, arrastando um comboio de vagões, anunciava os poemas da
seção final denominada “Composição de ferrovia”. Havia imaginação, com figuração
modernista, evocação e bucolismo, a refletir o objeto verbal que os versos
adiante cogitavam expressar.
Houve
depois nova colaboração deste mágico artista, na edição de outro livro de minha
autoria, Fábula Civil (pelo mesmo
selo editorial, em 1975), cujas elocuções abandonavam o ambiente rústico e o
chão bucólico da região cacaueira, para centrar-se na trepidação de um universo
urbano conturbado, prenunciando horrores, que ameaçavam, desafiavam e violavam
as serenas estivas do humanismo. A poesia agora se voltava para uma ordem de
fatores pulsantes, em cenário marcado por violência, ditadura, opressão e medo.
Neste
denso circuito imaginativo, as xilogravuras irão imprimir especial figuração,
traduzindo verbal expressão de denúncia, assombro e terror, presente na
linguagem dos poemas, e agigantando a edição, desde o vermelho da capa, com
título em baixo relevo. Letras fortes e cruamente esculpidas compõem a página
de rosto e se embrenham pelas três seções divisórias que se seguem, em
sugestiva dança de imagens e títulos também gravados. Agora tensos e
meditativos rostos defrontam-se com enigmas, seres humanos em célere fuga sobre
chão de caveiras e ossos; bocas escancaradas sob açoites sugerem espanto e dor,
invocando urgências num trançado de tragédia, como viventes solitários de uma
noite que não passa, submersa em sentimentos de piedade e compaixão.
Calá
também iria participar da homenagem conjunta, em forma de plaqueta de poemas, que
eu e Fernando da Rocha Peres prestamos à memória de Glauber Rocha, em 1985,
agora com um conjunto de monotipias alusivas à obra do saudoso amigo e já
famoso cineasta. Na edição de A
Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior, obra editada pela Fundação Casa
de Jorge Amado (Prêmio Copene de Cultura e Arte, 1996), Calasans Neto comparece
com oito gravuras que integram capa e separatrizes da coletânea de poemas.
Nesta memória, apenas assinalo parte atomizada da significativa obra gráfica de Calasans Neto, que, para ficar apenas no campo da poesia, conferiu qualidade visual, artística e de fidelidade a edições de obras de outros poetas, a começar por Samba de Roda, de Fred Souza Castro, de 1957, livro com que o selo Edições Macunaíma inaugurava sua aventura editorial (suponho ter sido também o primeiro livro ilustrado por Calá). Seguiram-se, entre livros e plaquetas, os de Fernando da Rocha Peres (Diluviano, Rurais, Tempo Objeto), Paulo Gil Soares (Mirante dos Aflitos), os muitos de Myriam Fraga, Alberto Luiz Baraúna, Humberto Fialho Guedes, José Carlos Capinan, e de outros nomes consagrados, como Jorge Amado, Godofredo Filho e Carvalho Filho, entre outros baianos, nas áreas de poesia e ficção, como o livro de contos, também inaugural, de Sonia Coutinho, Do herói inútil (1964), sem esquecer monumental edição com poemas de Vinicius de Moraes e Pablo Neruda, um primor de criatividade, em matéria de conteúdo editorial e gráfico.
Na Bahia, pertence à esfera da alta cordialidade estética esta aliança fraternal entre as artes plásticas, a poesia e a literatura, cooperação que faz parte da história da civilização ocidental, desde o Renascimento, porém acentuada a partir dos movimentos literários e artísticos do século XIX e incrementada com as vanguardas de início do século XX, quando se consagrou e se tornou uma saudável referência na produção de livros e álbuns, muitos destes apenas de arte.
Quanto
a mim, esse intercâmbio de minha poesia com a linguagem plástica de Calasans
Neto teve um significado de diálogo afetivo e congraçamento de ideias, que
coincidiam com aspirações estéticas de uma geração, em que palavras e imagens,
traços e cores se harmonizavam, sob os signos da colaboração e dos afetos,
unificando propostas e ânimos, desde que a gravura desse artista, sendo ela
própria também um processo poético, em escala visual, pressupõe entrelaçamento
de identidades que se situam na raiz dos temas abordados, como no caso de meu
livro Reverdor, em que suas gravuras,
funcionando como separatrizes, procuravam realçar o núcleo de poemas que
cantavam o labor dos campos e heróis do passado, desbravadores da terra
descoberta, a partir da ocupação, a fincarem as raízes da nação brasileira.
Nele, uma dinâmica visual trespassada por um sopro de inocência juvenil; em
mim, um estado mental de aventuras verbais, que buscava transmitir pureza de
origens, com chão e gentes, a sancionarem pensamento, palavras e imagens;
enfim, uma relação que se traduzia e se justificava pela confluência de
sentimentos e aspirações geracionais, fortemente alojados num cosmo íntimo de
amizade.
Aproveito para manifestar o
meu eterno agradecimento a José Júlio Calasans Neto, ou simples e familiarmente
Calá, que nos deixou num dia frio de outono, em 2006, por sua desprendida
solidariedade e generosidade, e também para anunciar novidade, que demonstra
permanecerem saudavelmente vivas a magia e a arte desse notável baiano.
Trata-se de atitude tão digna quanto rara, no atual panorama cultural da Bahia,
a de um empresário da construção civil, Denis Guimarães, que me foi apresentado
pela jornalista Elane Varjão, certa manhã, em razão de que ele resolvera pôr em
prática projeto inteiramente pessoal, que, segundo me confessou, se destinava a
coletar e preservar o acervo artístico de Calasans Neto, representado por gravuras,
pinturas, esculturas, assim como documentos, e mais o que fosse e onde estivesse,
para tanto não medindo esforços em consegui-lo. Pediu-me então que lhe indicasse
um contato; sugeri que procurasse Auta Rosa, hoje também saudosa viúva desse memorável
artista plástico; porém não tive conhecimento do que ocorreu posteriormente.
Espero que tenha obtido merecido sucesso, para que a obra de um artista de tão alto
nível criativo não mergulhe no esquecimento, como tem sido comum nesta Bahia.
CANTEIRO DE OBRAS
A
Calasans Neto
Triste nada mais triste
nas torrentes urbanas
são passos insones sombras
entre automóveis e hábitos.
Marulho de pés e pedra
escuro clamor de buzinas
deslizamos sobre leito
de ritos – sulcos na face.
Os engenheiros rasgam
o ventre da cidade
mar de mitos represado
o fel da impotência
escorre ladeira abaixo.
Tudo resplandece em luxo visual
no cotidiano das paredes claras.
Dentadura gretada de edifícios
engole projeta miragens
morno hálito de sangue
sobre todos – por ali sai
um odor antigo um bafio
rude muito sem disfarces.
Lábios e mãos se apagam
em escrita de muros – implacável
olhos ouvidos rostos numerados
mansamente nos consumimos
em surdo medo e azinhavre.
(Florisvaldo Mattos, Fábula civil. Salvador: Edições Macunaíma, 1975). Ilustração: xilogravuras de Calasans Neto, para o livro REVERDOR, de Florisvaldo Mattos. Salvador: Edições Macunaíma, 1965)
TRANSVANGUARDISTA SANTE SCALDAFERRI
Florisvaldo Mattos
Seja por impulso afetivo e geracional, seja por juízo crítico quanto à obra do artista, a personalidade de Sante Scaldaferri sempre suscitou definições. Atado por laços de cotidiana e sincera amizade, Paulo Gil Soares viu no moço quieto, franco, prestativo e sorridente um “coração aberto a todas as dores do mundo que não deviam ser suas”. Com olhar ativo e perscrutante de cineasta ainda por estrear, Glauber Rocha percebeu na linguagem plástica de sua pintura uma “cor Bahia”, que a um só tempo concentrava atmosfera, luz e “pathos bahianos”, a denotar um fundamento de raízes distante do figurativismo decorativo de fácil transposição, síntese que, à época, de tão precisa e inventiva, para o crítico Clarival do Prado Valladares, dispensava explicações.
Em mais de uma
apreciação, Wilson Rocha vislumbrou na aparência fantástica e na visão
dramática do mundo biomórfico de Sante uma prova de “honradez pictórica”, de
visão poderosa de artista maior “que acompanha a aventura do homem no mundo e
observa os absurdos da existência humana”, cuja deformação se impunha pela dura
verdade do conteúdo, expressa por “uma dramaticidade de acentos irônicos e
brutais”. Para Ferreira Gullar, pela “atitude irreverente e corajosa”, Sante
era “o boca do inferno da pintura baiana”, fiel a uma arte de desmistificação
que punha “a nu todas as hipocrisias e pretensões, tanto sociais, quanto
artísticas”, enquanto José Roberto Teixeira Leite reconhecia, na “dura realidade”
geográfica que seus quadros espelhavam, “o severo cotidiano de muitos milhões
de brasileiros”. Além de perceber “um modo próprio de organizar o universo
visual”, a um mesmo tempo carregado de significações, Gullar encara os
personagens de Scaldaferri como “saídos de uma iconografia que a cultura urbana
submete e marginaliza”; contrariamente ao belo, refinado e transcendente,
apontam para baixo, para o popular, que, na obra do artista, “se identifica com
a feiura e a rudeza das figuras e das cenas”. (apud MATTOS, 2006).
Já numa clave que o
desvia dos acenos da circunstância, Walmir Ayala não titubeia em descrevê-lo
como “um pintor próximo da massa, do sofrimento indefeso dos desfavorecidos”,
refletindo o universo cultural de um povo, mas, consciente das suas
contradições, “onde a pobreza canta e dança nas ruas”, optando por “uma pintura
que contesta a diluição provocada pelo consumo turístico”.
Eu
próprio, ao deparar-me com seus vaqueiros e cangaceiros de fundas e vastas
olheiras, seus rebanhos bucólicos de bois e trânsitos de contritos beatos -
signos que chamaria de cor-Nordeste, projetando intenso verde, vermelho, ocre e
sépia -, recriados e tratados com humanidade sobre tela ou madeira, tomei-os em
lavra poética como “cintilação campestre” de um universo patriarcal, que
aprisionava o tempo e colhia “a rosa alvaçã”, na “pelagem do incontemplado”. (“Aura alvaçã”, poema, in MATTOS, Florisvaldo Fábula civil. 1975. p. 33).
Foi justamente esta predominante fixação na figura humana, já agora construída com elementos de deformação, decomposição e desarticulação, segundo Teixeira Leite, “com evidentes intenções expressivas”, que irá representar um salto na arte de Sante Scaldaferri. Embora confesse, por mais de uma vez, em depoimentos e entrevistas à imprensa, ter evitado vincular-se a escolas ou correntes pictóricas, não resta dúvida de que o impulso e a espontaneidade com que desde jovem abraçou a arte moderna, livrando-se das peias do receituário acadêmico, levaram-no a descobrir a fecunda trilha da cultura popular.
Aferra-se de início com
seriedade e responsabilidade à essência de signos populares e, daí, a uma nova
atitude artística em relação à figura - principalmente a figura humana -, que
abre seu espírito à estética do expressionismo, tantas são as identidades com
as suas propostas e intenção revolucionária de olhar o mundo “por trás da
aparência das cores” - um de seus ditames. Assim, opta por uma gramática
plástica de deliberada simplificação, formas reduzidas ao essencial, corpos
distorcidos, até se confrontar com certa obsessão pelo grotesco, o satírico e o
caricatural, sem com isso estar traindo – muito pelo contrário - aquela
representação do pathos baiano que Glauber Rocha de início nele identificou.
Quanto a isto, anota
Teixeira Leite (apud MATTOS, 2006): “essa tendência a pintar o ser
humano como é por dentro não permite dúvidas: Sante é um expressionista e, sua
arte, como toda arte expressionista, resvala para a sátira e para a farsa, para
a caricatura e a imprecação”. E, pela perspectiva do não convencional e do
grotesco, não se recusa a suscitar um parentesco com o alemão Hieronymus Bosch
(1450-1516), a que se poderia acrescentar o Goya dos Caprichos (1799), a série de 82 gravuras que retrata um universo de
pesadelos e ferozes ataques aos costumes, isto é, à hipocrisia da
circunstância. O crítico descreve-o como um “pessimista incorrigível”,
descrente da nobreza do homem, encarando-o “como um animal depravado e
imperfeito”, cujo exterior grotesco apenas reflete o seu interior deformado
pelas paixões, os vícios e a ânsia de prazer e poder. Por isso, o artista vê o
ser humano no seu trânsito social.
Nesse aspecto, há clara
similitude entre o baiano e personagens de proa do expressionismo alemão, a
exemplo de Franz Marc, na sua opção conceitual por uma pintura animalista, sob
o argumento de que a impureza dos homens que o rodeavam não lhe despertava os
verdadeiros sentimentos, pois, enquanto via só feiura nas pessoas, os animais
lhe pareciam mais belos e mais puros, como diz numa carta à mulher (1915), enviada
do teatro da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual veio a morrer. Embora
suponha que nenhum deles “importou vanguardas estrangeiras”, nem se submeteu a
modismos internacionais, não há como negar que é também pelo visor
expressionista que o poeta e crítico de arte Theon Spanudis mira Scaldaferri,
ao unir sua arte, pela originalidade e autenticidade temáticas, à de dois
outros baianos, Rubem Valentim e Raimundo de Oliveira. No primeiro, o
misticismo e o simbolismo religioso de fundo afro-brasileiro; no segundo, o
catolicismo popular, bíblico, enfocado na ingenuidade.
“Sante se interessa pelo
povo nordestino, seus dramas, paixões e vitalidade”, sublinha Spanudis (apud
MATTOS, 2006), agarrando-o pelas dobras da fatalidade geográfica. Com
variações de temas – no caso de Valentim, o construtivismo simbólico das
crenças de origem afro - arrisco-me a dizer que os três são tributários daquele
despojamento rude e elementar de cores fortes e saturadas, aplicadas com pincel
grosso, para sugerir ou definir figuras num espaço repleto de vibração
interior, marca do expressionismo -, lógico que mais acentuado no caso de
Scaldaferri, cujo parentesco artístico na Bahia, a meu ver, o alinha com Mário
Cravo e, no Brasil, com Iberê Camargo.
Fatalidade geográfica do Nordeste, presente na arte de Sante
Sem ser um especialista,
mas insistindo na tecla da codificação pictórica do expressionismo, que, pela
violenta deformação da figura, o elemento fisiológico, o corporal e a obsessão
pelo corpo humano - e, porque não dizer, por um ainda persistente vínculo com a
cultura europeia -, o aproxima da arte de Edward Munch, Kirchner, Egon Schiele,
Erich Heckel, James Ensor e, mais recentemente, Francis Bacon, sou tentado a
divisar em Sante, principalmente no que construiu desde a segunda metade dos
anos 1980, culminando em obras expostas na Galeria Paulo Darzé, em novembro de
2006, e a buscar inter-relação de sua arte com a representativa dos movimentos
de pós-vanguarda ou transvanguarda, que vicejaram, persistiram e se desdobraram
na Alemanha, Itália, Estados Unidos e outros países, nos últimos decênios do
século XX.
Não tenho dúvidas de que
é nesta saga estética de ousadias figurativas que se encaixa confortavelmente
Sante Scaldaferri. A refinada afetação (roçando no excessivo e no vulgar), o
gosto por efeitos espaciais desconcertantes, a intensidade emocional derivada
das formas distorcidas, as desproporções, a maestria no manejo das técnicas da
pintura, as excitantes e eróticas alusões, a tendência à exuberância e ao
monumental, a marca de desespero e manifesto horror, a secreta irracionalidade
- enfim, toda uma arqueologia visual da transvanguarda, que, segundo a crítica,
evoca o maneirismo de Pontormo, Parmigianino, Bronzino e El Greco, sendas do
barroco, e, cogito – porque não? -, do romantismo libertário de Goya e do
visionário, de William Blake.
Pela tendência à narração insubmissa e satírica, pejada de ironia, a habilidade e variação no uso das técnicas da pintura, recorrendo, entre outras, até à quase pré-histórica encáustica, de suportes e materiais (madeira, borracha, pano, plástico), além da vitalidade e independência do vigoroso desenho – com a propositada malícia que levou Umberto Eco a vislumbrar em quadros seus “uma sombra pop” –, descortino em Sante um artista mais identificado com a rebeldia estética de alemães, como Georg Baselitz, Anselm Kiefer, Jörg Immendorff, A. R. Penck, Sigmar Polke, Walter Dahn; os italianos Sandro Chia, Francesco Clemente, Enzo Cucchi, Mimmo Paladino; os americanos Julian Schnabel, David Salle, Cindy Sherman e, em certo sentido, por múltiplos indícios de avanços em sua caminhada, com a rudeza de desenho e grafismo de Keith Haring e Jean-Michel Basquiat, e de outros mais, todos legítimos representantes do que desde os anos 1980 se passou a chamar de transvanguarda (HONNEF, 1994), pelos laços com as vanguardas de inícios do século passado e suplantação de seus processos e desdobramentos.
Como eles, sem se recusar até mesmo ao apelo à caricatura
(afinidade possível com o traço satírico de George Grosz), em essência,
Scaldaferri pinta visões (as suas) de um mundo torto, execrável, no seu secreto
horror ou exposto clamor. Gostaria de reformar este mundo cruel, mas, não
podendo, escarmenta-o, denuncia, ironiza, satiriza. Como? Pela distorção, pela
vigorosa e contundente expressão do grotesco, contra o totalitarismo subliminar
da sociedade em que vive, a alimentada e ancestral desigualdade, a sua miséria
explícita e invencível. Muitos se recusariam a pôr um quadro dele na parede da
sala de estar, não pela fácil alegação de fealdade das figuras, mas por outras
obsessões, uma delas a hipocrisia.
Conheci Sante Scaldaferri por volta de 1956 (não sou forte em datas), pela mão de Glauber Rocha, no instante mesmo em que um punhado de jovens de mente lúcida e febril começava a agitar o meio cultural baiano (entre os quais, além dele e GR, Paulo Gil Soares, Fernando da Rocha Peres, Calasans Neto, Fred Souza Castro, João Carlos Teixeira Gomes, Carlos Anísio Melhor, Ângelo Roberto, Antônio Guerra Lima), a partir das sessões de poesia dramatizada, levadas no auditório do então Colégio da Bahia (depois Central), sob o mítico e lúdico nome de Jogralescas, no movimento que depois desembocaria em ações mais avançadas e ousadas, projetando-se sob o vago rótulo de Geração Mapa, a inserir-se na história cultural da Bahia.
Acostumei-me, a partir
daí, a conviver com esse monumento de fraternidade, posto que Sante já
ostentava, na aparência, por onde circulasse, largo sorriso e bigode mexicano,
à Pedro Armendáriz, barba à época acastanhada e a luminosa e irrefreável
calvície. Passei também a admirar, no cotidiano de encontros do grupo, em
reuniões, exposições de arte, peças de teatro e salas de cinema, um artista
cuja obra se afirmava na busca de horizontes mais amplos, de essência
perdurável, em conteúdo e forma, rumo à universalidade que lhe suscitavam
inquietações interiores e dúvidas, sua visão de mundo e, em tudo, suas emoções.
Acompanhei essa árdua prova de fidelidade a um sacerdócio incontestável,
transpirando amor à arte como uma fatalidade.
Por isso, mesmo ante uma crítica mais purista, higiênica, depilada e zarolha, atuante no Rio e São Paulo, que, no dizer do crítico Frederico Morais, exerce uma ditadura no país, a torcer o nariz para exemplos de férrea sinceridade e ousada imaginação, Scaldaferri prosseguiu impávido, no seu caminho e na sua devoção. E, ante tais evidentes mostras de soberba ou intencional descaso, a cada exposição que fazia, catálogo ou livro de arte que publicava, esse grande artista baiano sempre ostentou no rosto e no riso uma expressão de radiante e sonora felicidade, mas também uma lição de bravura, para a arte e para os artistas, e de vida, para todos os que o conheceram, cuja obra não se desmerece, nem se desmerecerá ante a de qualquer grande pintor brasileiro.
REFERÊNCIAS
MATTOS, Florisvaldo.
Artigo. “Cogitações de uma narrativa plástica”. Salvador: Paulo Darzé, Galeria
de Arte, Catálogo, 2006.
SCALDAFERRI, Sante. Pinturas
Recentes. Salvador: Paulo Darzé, Galeria de Arte. Exposição: de 10 a 30 de
novembro de 2006.
Sante Scaldaferri (1928-2015) foi dos destaques da Geração Mapa POESIA |
Sante, no silêncio das pastagens |
AURA ALVAÇÃ
A Sante Scaldaferri Ó cintilação campestre remanescente cerâmica de universo patriarcal! Contemplo claro rebanho de reses lentas ganhando o silêncio das pastagens. Explode pelos currais sinuoso berro de espuma, drapejam vozes de aboio sobre capim outonal, verde produção de esterco Ó perene geografia de homens e naves, sistema do couro, campo domado! Andejo rechã buscando germinais rastos de reses. Ao sol da manhã prefiro curar sofridas corolas ou laçar chifres em fuga – arisca abóboda, ogiva do tempo aprisionado –, colher a rosa alvaçã, pelagem do incontemplado. (Florisvaldo Mattos. Fábula civil. Salvador: Edições Macunaíma, 1975). |
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