segunda-feira, 5 de junho de 2023

LAFORGUE, POETA MAIOR DO SIMBOLISMO FRANCÊS

 

    

JULES LAFORGUE E O SIMBOLISMO FRANÊS 

CELINA SCHEINOWITZ

Ao mestre Cláudio Veiga 

           Enfocar “Soir de Carnaval”1, poema de Jules Laforgue (1860-1887), cuja tradução pela autora desse ensaio, bem como o original, encontram-se em anexo, para buscar razões que justifiquem, 128 anos após sua morte, suas composições continuarem a encantar o público leitor e situar o poeta no contexto do Simbolismo francês, eis as metas traçadas para este trabalho.

Sabe-se que a lírica de Laforgue se encontra na base da linguagem poética de Ezra Pound e de T. S. Eliot, em sua primeira fase, e que grande se faz seu impacto sobre os Surrealistas. É também conhecida a influência que exerceu sobre os poetas brasileiros, como Pedro Kilkerry (1885-1917), Marcelo Gama (1878-1915), Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e outros2. Suas composições têm sido vertidas para o português, notadamente, na contemporaneidade, por Régis Bonvicino, o que reforça a importância na aceitação do poeta francês entre nós.  Por outro lado, ainda confirmando essa recepção altamente positiva, cabe registrar-se uma cena de que alguns têm conhecimento, ocorrida na Bahia, neste ano de 2015 - quando transcorre o 155o aniversário de nascimento do bardo francês -, em que um poeta se comove, ao ler “Soir de Carnaval”, de Jules Laforgue, a ponto de passar a dialogar com este, desenvolvendo o tema poetizado, como numa fuga de Beethoven, e escrevendo versos e mais versos. Trata-se de Florisvaldo Mattos, que, nesse, dir-se-ia, êxtase mágico, que só aos poetas é dado experimentar, constrói um longo poema3, ainda inédito, “Visões de Éden súbito contemplado”, no qual, instigado pelo poema “Soir de Carnaval”, propõe-se a perscrutar vivências “no tempo em que o Homem não existia”, prestando uma homenagem cativante ao simbolista francês, presente na epígrafe de seu poema, que conclui com os versos “Da janela, a manhã me justifica, / imaginando o que pensou Laforgue, / na sua perfeição antropomórfica, / em noite de gelado Carnaval.”

A perenidade dessa sedução, sempre renovada, intriga e dá lugar a que se questione: Quem foi Jules Laforgue, que obra legou para a posteridade e que lugar ocupa na literatura francesa?

Breve, a vida de Jules Laforgue: durou apenas 27 anos. Além de breve, difícil e triste, pois era pobre, doente e de temperamento pessimista. Nasce em Montevidéu, assim como Isidore Ducasse, o conde de Lautréamont, e Jules Supervielle; sua família retorna à França, em 1866, instalando-se primeiramente em Tarbes, no sul da França, e transferindo-se para Paris, em 1877. Infeliz, seus infortúnios crescem com a morte da mãe, em 1877; apoia-se, então, na irmã, em procura da ternura a que sua alma aspira. Em 1880, conhece o escritor Paul Bourget, que se torna seu protetor e o encaminha para o cargo de leitor, em Berlim, da imperatriz Augusta de Saxe-Weimar, avó do futuro Guilherme II; no dia de sua partida, fica sabendo do falecimento do pai, em Tarbes, mas, novo choque emocional, viaja, impedido de assistir ao enterro. Permanece na função, em Berlim, de 1881 a 1886. Nesta data, volta à França, casa-se, em Londres, com a inglesa Leah Lee e o casal se instala em Paris, onde ele vem a falecer de tuberculose no ano seguinte, quatro dias após ter completado 27 anos.

Em vida, publicou quatro livros, Les Complaintes (1885), L’Imitation de Notre-Dame la Lune (1886), Concile Féerique (1886) e a coletânea de contos Moralités Légendaires (1887). Após sua morte, em 1890, seus amigos imprimem Derniers vers, Fleurs de Bonne Volonté e Le Sanglot de la Terre. Como tradutor de Walt Whitman, publicou na revista Vogue, em 1886, a versão para o francês de alguns poemas de “Leaves of Grass”.

As obras completas de Jules Laforgue (Oeuvres complètes) vieram a lume em 1901-1903, com o selo da Editora Mercure de France.

Jules Laforgue permanece na história da literatura francesa como cultor do Simbolismo e do Decadentismo, além de ser considerado um dos criadores dos versos livres, que abrem as portas para a Modernidade.

O Simbolismo são tendências diversas de um movimento literário, no final do século XIX, cujo traço característico é sugerir mais do que expressar. O poeta busca dardejar diretamente a sensibilidade do leitor, transmitindo-lhe as emoções fugitivas e obscuras que o assaltam, no momento da composição, procedendo à evocação de sentimentos instáveis e profundos. Nessa feitura, contrapõe-se às normas da retórica que privilegiam a inteligência, no embasamento da lírica até então em vigor, para tentar se aproximar da música, com o despertar para um sortilégio mágico que conduz ao mundo do sonho. Para o Simbolismo, a essência da realidade não é palpável, é fluida e se alicerça no mistério.

Poeta simbolista, Jules Laforgue foi considerado na sua época, e ainda o é hoje, o maior porta-voz do Movimento Decadentista, outra vertente do Simbolismo, que se caracteriza pelo pessimismo, pelo tédio e pelo descrédito nas instituições humanas e no próprio homem. A fonte desse posicionamento decorre de suas leituras de Schopenhauer, aliadas ao seu temperamento angustiado e à sua vida desafortunada.

Na elucidação das duas versões Simbolismo/Decadentismo, convém recorrer à observação do momento histórico que se vive. O Simbolismo se instala na França em um período de grandes perturbações políticas, com os acontecimentos sangrentos de 1870 e 1871, a queda do Segundo Império, a capitulação de Sedan, a Comuna de Paris, a instabilidade da Terceira República em seus primórdios, perturbações estas que não afetam os escritos de Verlaine, Mallarmé e Rimbaud, obras eminentemente atemporais. Já os poetas chamados de decadentistas, Jules Laforgue entre estes, ofuscam-se com as desordens desse período sombrio e criam, como forma de escapismo, versos que se enquadram na atmosfera propícia aos prazeres sensuais e às sensações extravagantes, eivados de pessimismo.
O Simbolismo foi teorizado por Jean Moréas (ou Jean Papadiamantopoulos; grego de nascimento). No seu “Manifeste du Symbolisme”, publicado no jornal Le Figaro, de 18 de setembro de 1886, Moréas proclama que a poesia buscará nas aparências sensíveis “leurs affinités ésotériques [accessibles aux seuls initiés] avec des Idées primordiales”. Esse mesmo teórico não demora, todavia, a romper com os simbolistas e funda, em 1891, a école romane, que adota sobriedade de inspiração e técnica inteiramente clássica, ao modo dos poetas da Plêiade (século XVI).

A fantasia lírica de Jules Laforgue marca-se por uma extrema originalidade e pela emoção sincera que expressa. O poeta partilha, em sua obra, a visão irrisória que tem da vida, servindo-se de recursos estilísticos diversos, tais como o uso de palavras zombeteiras, sarcásticas ou falsamente enfáticas; cortes bruscos e inesperados aos seus impulsos e desejos; introdução de refrão popular em um tema sentimental; mescla ironicamente argumentos graves com um ritmo saltitante; ridiculariza com uma terminologia metafísica ou acanalha com termos de gíria. Mas, ao firmar este estilo pessoal, ele o faz com um sorriso irônico no canto dos lábios, a revelar que não se deixa ludibriar. Laforgue pratica amiúde, em suas composições, a mistura de tons.

            O leitor encontra facilmente ilustração para essas particularidades estilísticas, percorrendo sua obra. Inclusive, a leitura desta, no caso de dificuldades na aquisição de livros, permanece accessível pelo acesso à Internet.

No que diz respeito à criação dos versos livres, é de conhecimento dos especialistas que outros poetas lhe disputaram a honra dessa invenção (Gustave Kahn, Jean Moréas, Marie Krysinska); todavia, o mais acertado parece considerar-se como o verdadeiro precursor dos versos livres, Rimbaud, em certos poemas das Illuminations. Muito usados a partir da segunda década do século XX, passando a caracterizar a lírica do Modernismo, os versos livres não obedecem a nenhuma regra pré-estabelecida quanto ao metro, à posição das sílabas fortes ou à presença ou regularidade de rimas4. Sugere-se a leitura do poema “L’hiver qui vient” que se encontra às pp. 541-543 da antologia Lagarde & Michard, no volume relativo ao século XIX, a fim de perceber a modernidade da dicção simbolista de Jules Laforgue, bem como a utilização da ironia, jogos de palavras e, sobretudo, a ingenuidade criada pelos refrãos populares, em um poema moldado nesse tipo de versos.

            Resta ainda, para concluir este ensaio, examinar o poema “Soir de Carnaval” e tentar justificar a proposta que se concretizou com relação à tradução aqui apresentadPoema tipicamente laforguiano, “Soir de Carnaval” lembra aqueles quadros, não assinados, de pintores célebres, achados ao acaso em algum porão ou depósito de coisas velhas e que subitamente são reconhecidos pelos especialistas. Um conhecedor da lírica simbolista e decadentista francesa certamente reconheceria a pena que traçou a escritura desses versos, especificidade idiossincrática que se buscará destacar na presente análise. A composição do poema não se enquadra, como “L’hiver qui vient”, a que se fez referência acima, no esquema dos versos livres, invenção, todavia, às vezes atribuída a Jules Laforgue,  como também já se afirmou aqui.

Construído em alexandrinos, rimados, “Soir de Carnaval” compõe-se de seis quartetos. Os vocábulos iniciais do poema, quatro palavras que compõem o primeiro hemistíquio do verso introdutório, vazado numa configuração clássica (“Paris chahute au gaz” - v. 1), colocam a cena que vai ser glosada no poema, com especificação do lugar, a capital francesa evocada pela denominação que lhe é própria, o momento em que é observada, tratando-se de uma cena noturna, denotada por sinédoque, e o objeto da observação, a cidade que se embala, ao passo da dança. Atenção merece ser dada ao verbo
chahuter, que já introduz um tom próprio da linguagem de Laforgue. Significa “dançar o chahut”, uma dança indecente e vulgar, em moda nos meados do século XIX, segundo os dicionários Littré (do século XIX) e Robert (que considera essa acepção um arcaísmo). O termo não é mais utilizado hodiernamente nesse sentido, significando hoje “bagunçar” e aplicando-se sobretudo aos estudantes, ao promoverem desordem, com gritaria, vaias e barulho, em sala de aula, na presença do professor e, subsidiariamente, a uma situação análoga, como um público em repúdio a um conferencista. O uso de uma palavra não nobre, que denota um ato vulgar, faz parte dos procedimentos estilísticos de Jules Laforgue e já serve como uma assinatura para o poema.

          Se a assinatura Jules Laforgue, no primeiro hemistíquio, é de tipo vocabular, no segundo é através de seu pessimismo que ela vem à baila, “L’horloge comme un glas” (v. 1), sendo comparado com um dobre fúnebre de sinos o relógio que ouve tocar e que vai soar uma hora, por encadeamento ou enjambement, com o verso seguinte: “Sonne une heure” (v. 2). Um toque só; mas o poeta o percebe como funesto e lúgubre. Desperta-lhe a morte. Imediatamente, quase arrependido de estar triste, convoca a alegria, “Chantez! dansez!” (v. 2). Desencantado por sua experiência de miséria e infelicidade, dá-se conta de que os divertimentos do Carnaval se efetivam não com o objetivo de serem gozados, mas como uma forma de consolo, porque “la vie est brève” (v. 2) e “Tout est vain” (v. 3).

Nova assinatura do poeta surge ainda na primeira estrofe, com a presença da lua, sonhadora e fria: “[...] - et, là-haut, voyez, la Lune rêve / Aussi froide qu’aux temps  où l’Homme n’était pas” (v. 3-4). Companheira inseparável do poeta – autor, não por acaso, de L’Imitation de Notre-Dame la Lune (1886) –, frequentemente a lua se mostra em suas composições, assim, ela aparece, em “L’hiver qui vient”, insignificante e, estranho, como planeta (“c’est la saison et la planète falote!”5) e aponta risonha, para o personagem pantomímico e carnavalesco, nas “Variations sur le mot ‘Falot, Falote’ “:
                         

 

 Falot, falote!

 clapote,

                          Un chien aboitEt puis se noie, taïaut, taïaut!
                       La Lune, voyant ces ballets,


                               Rit à Pierrot!      

                                   Falot ! Falot!


                                                    (Jules Laforgue. Complainte6)                

         

Discutir-se-á agora quanto à métrica e ao ritmo da estrofe inicial do poema analisado, última assinatura de Jules Laforgue a ser aqui comentada, com relação a essa primeira estrofe. Quatro alexandrinos, três dos quais, o primeiro, o terceiro e quarto, formados de dois hemistíquios, com a cesura no sexto pé e, consequentemente, acento forte no sexto e no décimo-segundo. Entretanto, logo no segundo verso do poema, configura-se um corte no ritmo binário do verso inicial, as cesuras recaindo, nesse segundo verso, sobre as posições métricas 3-6-8-12, resultando dessa forma uma cadência saltitante, que se coaduna com o sentido expresso pelas palavras:

             Paris chahute au gaz. L’horloge comme un glas
              Sonne une heure. Chantez! dansez! la vie est br

 

(Jules Laforgue. Soir de Carnaval, v. 1-2)

Com um título que se reporta ao Carnaval, ou seja, à alegria, e com uma primeira estrofe que amalgama o clima de alegria da festa com o sentimento de desânimo e de aflição, o poema, nas três estrofes seguintes, vai desenvolver unicamente a vertente negativa, com modulações sobre o tema do logro, da ilusão, da dor e do desespero, deixando inteiramente de lado as formulações acerca dos embalos carnavalescos. A segunda estrofe estampa uma reflexão sobre a infelicidade, em que se fazem variações sobre o destino do homem, que, se resplandece, é para depois se apagar, destino no qual tudo o que é vivenciado não passa de engodo, inclusive a Verdade e o Amor.

Na terceira estrofe, o tom da fala poética se eleva e o poeta abandona o nível do quotidiano e do dia-a-dia, para se movimentar nas altas esferas do conhecimento, especialmente da História, no caso. Com efeito, o poeta se pergunta onde despertar o eco de todos esses gritos e lágrimas:

 

 Ces fanfares d’orgueil que Babylone

 Memphis, Bénarès, Thèbes, Rome

Ruines où le vent sème aujourd’hui des fleurs 

 

(Jules Laforgue. Soir de Carnaval, v. 10-11)

    Ao contemplar as grandes civilizações que se destacaram na História, constata que as cidades que alcançaram o apogeu do desenvolvimento, quer seja na Mesopotâmia, no Egito faraônico, na Índia ou entre os romanos, depois decaíram e esfumaçaram-se em ruínas. Assim, nem a História fornece ao poeta guarida para suas mágoas.

Na estrofe seguinte, a quarta, faz-se um retorno ao patamar pessoal, o poeta volta-se para dentro de si. O pessimismo da voz decadentista própria a Laforgue vem à tona e ele se desespera: pensa na morte (“Et moi, combien de jours me reste-t-il à vivre?” – v. 13), joga-se no chão, grita e estremece. Depara-se com o nada, não se encontrando salvação nem na religião (“Dans le néant sans coeur dont nul dieu ne délivre” – v. 16).

Após divagações sobre os infortúnios que consternam a alma do poeta, já prenunciadas na primeira estrofe e que se estendem, com exclusividade de tratamento, nas estrofes 2, 3 e 4, há, na quinta estrofe, uma volta ao tema inicial, Paris que se diverte, numa noite de Carnaval. À cena introdutória, contida nos dois versos inaugurais e já anunciada no título da composição, na qual se capta uma visão de conjunto da festa, substitui-se agora, nesse quinto quarteto, uma cena pontual, direcionada para um indivíduo. Filtrada por seu olhar decadentista, o poeta flagra um operário, completamente embriagado, que retorna da festa, não à procura de seu doce lar, mas que caminha, ao acaso, em busca de um qualquer ignóbil reduto:Et voici que j’entends, dans la paix de la nuit,

                    

 

Un pas sonore, un chant mélancolique et bête

          D’ouvrier ivre-mort qui revient de la fête

 Et regagne au hasard quelque ignoble réduit. 

 

(Jules Laforgue. Soir de Carnaval, v. 17-20)
 

         A sexta estrofe retoma a temática da tristeza da vida, “incurablement triste” (v. 21) e o poeta conclui, com angústia, que tudo na vida é vaidade, “Aux fêtes d’ici-bas, j’ai toujours sangloté: / “Vanité, vanité, tout n’est que vanité!” (v. 23-24). Antes de lançar sua verdadeira conclusão:

                        - Puis, je songeais: où sont les cendres 

 

(Jules Laforgue. Soir de Carnaval, v. 24)

 

             O derradeiro verso do poema constitui, não o esboço de um riso irônico, muitas vezes considerado uma marca da lírica de Jules Laforgue, mas, sem chegar a ser uma gargalhada, é uma risada que ele dá, a significar que não se leva a sério, que graceja quando discorre sobre a vaidade humana e sobre a brevidade da vida. Temática, entretanto, mor da lírica laforguiana. Poeta sem ilusões.
            Esse derradeiro verso é também um piscar de olhos para Villon (1431 -?) – o grande poeta francês, de vida desordenada e desregrada, agressivo com os poderosos, mas de grande ternura para seus irmãos de miséria. Na “Ballade des dames du temps jadis”7, Villon, ao modular sobre a graça frágil de mulheres ilustres que se foram deste mundo, não martela sobre idêntica fragilidade da vida, com o refrão “Mais où sont les neiges d’antan?” ? Parece pertinente registrar-se uma idêntica metrificação, em octossílabos, na construção dos dois segmentos aqui postos em para

 

Mas, o que o rei Davi, o salmista, vem mesmo fazer aqui? Mistério! Mistério da voz poética de Jules Laforgue. Esse simbolista francês que, no século XXI, continua a seduzir alguns leitores. Se não são numerosos, os seduzidos, poderão eles ao menos bradar, com outro poeta, “we few, happy few.”

 

NOTAS

1Agradecemos a Heloísa Prata Prazeres Pedra e a Florisvaldo Mattos nos terem posto em contacto com “Soir de Carnaval”, essa joia poética da literatura francesa, sugerindo tanto a tradução do poema como a elaboração destas notas, para publicação.

          2Cf. especialmente Flavia Togni do Lago. Manuel Bandeira e Jules Laforgue: Dor, ironia. Universidade de São Paulo, 2012; e Aline Taís Cara. Jules Laforgue e Carlos Drummond de Andrade: a ironia e a construção do gauche, 2015 (Fonte: Internet).

3Setenta e seis versos, distribuídos, na versão que conhecemos, em um quarteto introdutório, seguido de nove oitavas.
4Manuel Bandeira, no ensaio “Poesia e verso” comenta, com certo humor, a respeito da elaboração dos versos livres: “[...] À primeira vista, parece mais fácil de fazer [o verso livre] do que o verso metrificado. Mas é engano. Basta dizer que no verso livre o poeta tem de criar seu ritmo sem auxílio de fora. [...] Sem dúvida, não custa nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo em linhas irregulares, obedecendo tão somente às pausas do pensamento. Mas isso nunca foi verso livre. Se fosse, qualquer um poderia pôr em verso até o último relatório do Ministro da Fazenda”. In: Norma Goldstein. Versos, sons, ritmos, p. 37.
5Cf. LAGARDE, André et MICHARD, Laurent. Op. cit., 1969, p. 543. 
6Cf. CLANCIER. Op. cit. p. 118.
7Cf. O poema  “Ballade des dames du temps jadis” , de François Villon. In: LAGARDE, André et MICHARD, Laurent. Op. cit., 1963, pp. 215-21.

 

REFERÊNCIAS

 

CLANCIER, Georges Emmanuel. Panorama critique de Rimbaud au Surréalisme. Paris: Pierre Seghers Éditeur, 1955, pp. 113-126.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 2000.


LAGARDE, André et MICHARD, Laurent. Moyen Âge. Les grands auteurs français au programme. Paris: Bordas, 1963. 

_______________________________. XIXe siècle. Les grands auteurs français au programme. Paris: Bordas, 1969.

 

LANSON, Gustave. Histoire de La littérature française. Paris: Librairie Hachette, 1957.
LITTRÉ, Émile. Dictionnaire de la langue française. Paris: 1863-1872 (supl. 1877) (1a edição); Paris: Gallimard/Hachette, 1975.

 

ROBERT, Paul. Le Petit Robert. Dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française, de Paul Robert, avec la collaboration de Alain Rey et Josette Rey-Debove. Paris: Paul Robert, Société du nouveau Littré,  1994. (1a edição: 1967)
A Autora:

           Celina Scheinowitz é Doutora em Letras pela Universidade de Paris IV, Paris-Sorbonne, com pós-doutorado pela École des Hautes Études (França); aposentada da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana. Publicou artigos e livros, entre os quais L. S. Senghor, Élégies (L'Harmattan, 2009) e Les affres de l'inhumanité: défi romanesque de Frankétienne (Éditions Avenir, 2012).


JULES LAFORGUE


Soir de carnaval



Paris chahute au gaz. L'horloge comme un glas
Sonne une heure. Chantez! dansez! la vie est brève,
Tout est vain, - et, là-haut, voyez, la Lune rêve

Aussi froide qu'aux temps où l'Homme n'était pas.

Ah! quel destin banal ! Tout miroite et puis passe,
Nous leurrant d'infini par le Vrai, par l'Amour;
Et nous irons ainsi, jusqu'à ce qu'à son tour
La terre crève aux cieux, sans laisser nulle trace..

Où réveiller l'écho de tous ces cris, ces pleurs,
Ces fanfares d'orgueil que l'Histoire nous nomme,
Babylone, Memphis, Bénarès, Thèbes, Rome,

Ruines où le vent sème aujourd'hui des fleurs?

Et moi, combien de jours me reste-t-il à vivre?
Et je me jette à terre, et je crie et frémis
Devant les siècles d'or pour jamais endormis

Dans le néant sans cœur dont nul dieu ne délivre!

Et voici que j'entends, dans la paix de la nuit,
Un pas sonore, un chant mélancolique et bête
D'ouvrier ivre-mort qui revient de la fête
Et regagne au hasard quelque ignoble réduit.

Oh! la vie est trop triste, incurablement triste!
Aux fêtes d'ici-bas, j'ai toujours sangloté :
« Vanité, vanité, tout n'est que vanité!»
- Puis je songeais: où sont les cendres du Psalmiste?

 

NOITE DE CARNAVAL

Jules Laforgue

Paris cai na gandaia, iluminada ao gás. 

Sinistra uma hora soa, nesse mundo cão. 
Cantem! Dancem!  Breve é a vida e tudo é vão. 
No alto, fria, a lua indiferença traz.

Aqui, tudo que brilha depois se esvai, 
Iludindo-nos com o infinito do Amor
E da Verdade. Por sua vez, se o calor
Da terra se ergue aos céus, pasmem! Pois tudo cai.

Onde despertar ecos, lágrimas, odores, 
Fanfarras de orgulho da História em redoma,
Babilônia, Mênfis, Benares, Tebas, Roma, 
Ruínas onde o vento semeia flores?

E eu, quantos dias restam para eu viver? 
Jogo-me ao chão e estremeço,  sufocado,
Frente aos séculos de ouro do passado
Deitados no nada, sem nuga a oferecer.

E eis que súbito ouço, na paz da noite, 
Passo sonoro, melodia cheia de dor
De um obreiro ébrio, que retorna com ardor
Da festa, buscando canto para pernoite.

Que vida triste! Incuravelmente triste!
Às festas daqui, sempre chorei sem saudade:
"Vaidade, vaidade, tudo apenas vaidade!"
- Mas, onde estão as cinzas do Salmista, as viste? 

         Tradução: Celina Scheinowitz

Uma explicação da tradutora, em 12/10/2015:

Coloquei o título NOITE DE CARNAVAL na minha primeira digitação, que perdi. Porque entrou uma ligação no meu celular, atendi e não consegui recuperar o que estava digitando. Por isso, ao recomeçar, fiz 3 envios. 
Soir de Carnaval é construído de alexandrinos, em versos rimados. Não consegui fazer uma tradução poética, por causa de alguns problemas, sobretudo de doenças familiares, que estamos vivendo. Uma verdadeira tradução, como o faria Cláudio Veiga, mas espero que tenha traduzido pelo menos o sentido. Como gosto de trabalhar, quem sabe eu traduza esse poema tão expressivo e cativante. Um dia, não muito distante. 
Celina

    Vincent Van Gogh, Noite Estrelada, um dos ícones do Pós-Impressionismo 


Ante belas paisagens noturnas, com a Lua pontificando nas alturas, tais registros, em foto ou pintura, sempre me fazem lembrar dois versos de um magnífico poema do consagrado simbolista francês Jules Laforgue (1860-1887), capazes de impressionar qualquer leitor que com eles se defronte, tal a força do enunciado especulativo, simbólico e mítico, quase místico. Ei-los abaixo.

Tout est vain, - et, là-haut, voyez, la Lune rêve

Aussi froide qu´aux temps où l´Homme n´était pas.

                                  Jules Laforgue (Soir de Carnaval)

 

Tudo é vão, - e, lá no alto, vede, a Lua sonha

Tão fria como no tempo em que o Homem não existia. 

                                          (LAFORGUE, trad. nossa, livre)

Mas, ante a beleza do poema, também resolvi agora reproduzir tanto o ensaio da professora e escritora, Doutora em Letras pela Sorbonne (Paris), Celina Scheinowitz, como o poema publicado no nº 54, da Revista da Academia de Letras da Bahia, em 1917, no original (para deleite dos familiarizados com a língua francesa), como a competente tradução dela. Mirar a Lua, achar que ela sonha no seu brilho e pensar no tempo em que o homem ainda não existia, mas ela estava lá, no alto céu, brilhando, imagem evocativa que é um portento imaginativo. Só mesmo na mente de um poeta desse nível, que Ezra Pound considerava um dos mais importantes do Simbolismo francês, por suas ideias estéticas para a época, ao lado de Paul Verlaine. Portanto, aí estão o poema e a tradução.


TRISTE, TRISTE

Jules Laforgue 


Olho o fogo. Sufoco um bocejo, indolente.

O vento chora. A chuva escorre na janela.

Monótono, um piano ao lado ritornela.

Come esta vida é triste e passa lentamente.

 

E penso em nossa Terra, um átomo nascente

No infinito vogar, etérea caravela;

Pressinto quanto é pouco o que se nos revela

Do Todo a nós vedado inexoravelmente.

 

Nosso destino! sempre essa mesma comédia,

Vícios, tristezas, tédio e doença, ao fim tragédia.

Depois vamos florir belos goivos dourados.

 

Nos retoma o Universo, e nada mais subsiste

De nós, na placidez mortal dos descampados.

Ah! como estamos sós! E como estamos triste!

 


           TRISTE, TRISTE


Je contemple mon feu. J´étouffe un bâillemente.

Le vent pleure. La pluie à ma vitre ruisselle.

Un piano voisin joue une ritounelle

Comme la vie est triste et coule lentement.

 

Je songe à notre Terre, atome d´un moment,

Dans l´Infini criblé d´étoiles éternelles,

Au peu qu´ont déchiffré nos débiles prunelles,

Au Tout qui nous est dos inexorablement.

 

Et notre sort! toujours la même comédie,

Des vices, des chagrins, le spleen, la maladie,

Puis nous allons fleurir les beaux pissenlits d´or.

 

L´Univers nous reprend, rien de nous ne subsiste,

Cependant qu´ici-bas tout continue encore.

Comme nous sommes seuls! Comme la vie est triste!_
(Sem indicação de tradutor).


Três poemas de Jules Laforgue (Tradução Régis Bonvicino)

MEDIOCRIDADE
No infinito coberto de eternas belezas,
Como átomo perdido, incerto, solitário,
Um planeta chamado Terra, dias contados,
Voa com os seus vermes sobre as profundezas.

Filhos sem cor, febris, ao jugo do trabalho,
Marchando, indiferentes ao grande mistério,
E quando um dos seus é enterrado, já sérios,
Saúdam-no. Do torpor não são arrancados.

Viver, morrer, sem desconfiar da história
Do globo, sua miséria em eterna glória,
Sua agonia futura, o sol moribundo.

Vertigens de universo, todo o seu só festa!
Nada, nada, terão visto. Partem do mundo
Sem visitar sequer o seu próprio planeta.

LOCUÇÕES DO PIERROT XII

Mais outro livro ; ó nostalgias
Longe de todo este gentio,
Do tal dinheiro e do elogio,
Bem longe das fraseologias!

De novo um dos meus pierrots morto;
Daquele crônico orfelismo,
Coração pleno de dandismo
Lunar em um estranho corpo.

Nossos deuses se vão; sem cura,
Os dias, de mal a pior,
Já fiz o meu tempo. É melhor
Sim, entregar-se à Sinecura!

LAMENTO DA BOA DEFUNTA

Pela avenida ela fugia,
Iluminada eu a seguia,
Adivinhei! O olho dizia,
Hélas! Eu a reconhecia!

Iluminada eu a seguia,
Boca ingênua, nada via,
Oh! sim eu a reconhecia,
Ou sonhaborto ela seria?

Boca murcha, olho-fantasia;
Branco cravo, azul esvaía;
O sonhaborto amanhecia!
Ela em morta se convertia.

Jaz, cravo, de azul esvaía,
A vida humana prosseguia
Sem ti, defunta em demasia.
– Oh! já em casa, boca vazia!

Claro, eu não a conhecia.

( Fonte: Blog da Revista 7faces.)

Jules Laforgue (1860-1887)

 Laforgue (Montevidéu, 16 de agosto de 1860 - Paris, 20 de agosto de 1887) foi um poeta inovador e romancista de idioma francês, porém poeta frequentemente classificado como simbolista decadente, influenciador de muitos que deram os primeiros passos rumo ao modernismo, como o irlandês W. B. Yeats (1865-1939), amigo de Ezra Pound (1885-1972). 


   Paris Sob a Chuva, Impressionismo urbano de Gustave Caillebotte (1848-1894),

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