quinta-feira, 18 de abril de 2019

QUANDO UM SÓ POEMA GARANTE A FAMA

POESIA, SEMPRE (COM FAMA OU SEM ELA)
O romantismo na França produziu Félix Arvers (1806-1850), um poeta que ficou mundialmente famoso com um único poema, o "Soneto de Arvers", lavrado no modelo petrarquiano, entre tudo que escreveu. O texto de Revista Prosa Verso e Arte destaca esse aspecto, porém mal alude à sua musa, Marie Mennessier-Nodier, uma jovem casada, filha do escritor Charles Nodier, pertencente à alta aristocracia francesa, que foi a fonte da paixão de Arvers, o inspirou adoidadamente, viveu tranquila, apesar da ruidosa polêmica que o gesto na época provocou, e viria a morrer, aos 82 anos, em 1893, enquanto ele só chegaria aos 44, sem que o amor, silencioso, no íntimo se esgotasse. Deve ter havido na história da poesia e no mundo esse mesmo fenômeno, isto é, poetas que se consagraram, elevados ao alto pódio da fama, por força e gáudio de um único poema. Não sei em outros países, mas, no Brasil, há pelo menos três (haverá outros?) que alcançaram esse patamar consagrador: o carioca Júlio Salusse, o gaúcho Alceu Wamósy e o paraense Hermeto Lima, todos até hoje lembrados por obra de um único poema, e, em todos, justamente sonetos.
A título de curiosidade e em deferência aos que cultivam poesias carregadas de romantismo tardio, como foi a do grande Olavo Bilac (1865-1918), com os 33 sonetos da sua "Via-Lactea", reproduzo abaixo os célebres sonetos desses três Orfeus brasileiros.
OS CISNES
Júlio Salusse
A vida, manso lago azul, algumas
Vezes, algumas vezes, mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.
Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,
Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!
Júlio Mário Salusse (1872-1948) nasceu em Bom Jardim, RJ, e morreu na cidade do Rio de Janeiro. Poeta. Obras: Necrose Azul (poesia, 1895), Sombras (1896).
DUAS ALMAS
Alceu Wamósy
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto, encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
Alceu de Freitas Wamosy (Uruguaiana, RGS; 14 de fevereiro de 1895 - Santana do Livramento,RGS, 13 de setembro de 1923) foi um jornalista e poeta brasileiro. Obras: Flâmulas, 1913; Terra Virgem, 1914; Coroa de Sonhos, 1923; Poesias Completas, 1925; Poesia Completa, 1994.
SANTA
Hermeto Lima
Essa que passa por aí, senhores,
de olhos castanhos e fidalgo porte,
é a princesa ideal dos meus amores,
a mais franzina pérola do Norte.
Contam que, numa noite de esplendores,
a essa que esmaga o coração mais forte
hinos cantaram e jogaram flores
as estrelas, em mágico transporte.
Acreditais, talvez, ser fantasia!...
Eu vos direi que não... Em certo dia,
quando ela entrou na festival capela,
eu vi a Virgem mergulhada em pranto,
e o Cristo de Marfim fitá-la tanto,
como se fosse apaixonado dela!
Hermeto Lima, poeta, jornalista, historiador, graduado em Direito, nasceu em Belém do Pará (1875) e faleceu no Rio de Janeiro (1947). Obra poética: Estalagmites (1898) e Iris (1906).

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