(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
MEU CORAÇÃO AO CREPÚSCULO No crepúsculo ouve-se o grito dos morcegos.
Dois cavalos saltam no gramado.
O ácer vermelho sussurra.
Ao andarilho surge no caminho a pequena taberna.
Maravilhoso o sabor de vinho novo e nozes.
Maravilhoso: cambalear bêbado na floresta crepuscular.
Pelos galhos negros ressoam sinos aflitos.
No rosto pinga orvalho.
(1912)
*
ZU ABEND MEIN HERZ
Am Abend hört man den Schrei der Fledermäuse.
Zwei Rappen springen auf der Wiese.
Der rote Ahorn rauscht.
Dem Wanderer erscheint die kleine Schenke am Weg.
Herrlich schmecken junger Wein und Nüsse.
Herrlich: betrunken zu taumeln in dämmernden Wald.
Durch schwarzes Geäst tönen schmerzliche Glocken.
Auf das Gesicht tropft Tau.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
|
Georg Trakl, 1913 |
OLHANDO UM VELHO ÁLBUMSempre voltas, melancolia,
Mansidão da alma solitária.
Por fim arde um dia dourado.
Com humildade curva-se à dor o paciente
Ressoando harmonia e suave loucura.
Olha! Já escurece.
Volta de novo a noite e um mortal lamenta-se
E com ele sofre um outro.
Arrepiada sob estrelas de outono,
A cabeça mais baixa a cada ano.
(1912)
*
IN EIN ALTES STAMMBUCH
Immer wieder kehrst du Melancholie,
O Sanftmut der einsamen Seele.
Zu Ende glüht ein goldener Tag.
Demutsvoll beugt sich dem Schmerz der Geduldige
Tönend von Wohllaut und weichem Wahnsinn.
Siehe! es dämmert schon.
Wieder kehrt die Nacht und klagt ein Sterbliches
Und es leidet ein anderes mit.
Schaudernd unter herbstlichen Sternen
Neigt sich jährlich tiefer das Haupt.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
HUMANIDADE
Humanidade posta ante abismos de chama,
Um rufo de tambores, frontes de guerreiros tenebrosos,
Passos pela névoa de sangue; negro ferro exclama;
Desespero, noite em cérebros pesarosos:
Aqui a sombra de Eva, caça e rubra dinheirama.
Nuvens que a luz atravessa, vespertina refeição.
Em pão e vinho deve um doce silêncio residir.
E aqueles lá reunidos, doze são.
À noite sob ramos de oliveira gritam ao dormir;
São Tomé mergulha na ferida a mão.
(1912)
*
MENSCHHEIT
Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt,
Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen,
Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt,
Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen:
Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld.
Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl.
Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen,
Und jene sind versammelt zwölf an Zahl.
Nachts schrein im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen;
Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
DE PROFUNDIS
Há um restolhal, onde cai uma chuva negra.
Há uma árvore marrom, ali solitária.
Há um vento sibilante, que rodeia cabanas vazias.
Como é triste o entardecer
Passando pela aldeia
A terra órfã recolhe ainda raras espigas.
Seus olhos arregalam-se redondos e dourados no crepúsculo,
E seu colo espera o noivo divino.
Na volta
Os pastores acharam o doce corpo
Apodrecido no espinheiro.
Sou uma sombra distante de lugarejos escuros.
O silêncio de Deus
Bebi na fonte do bosque.
Na minha testa pisa metal frio
Aranhas procuram meu coração.
Há uma luz, que se apaga na minha boca.
À noite encontrei-me num pântano,
Pleno de lixo e pó das estrelas.
Na avelãzeira
Soaram de novo anjos cristalinos.
(1912)
O Cavaleiro Azul, de Wassily Kandinsky, 1903
DE PROFUNDIS
Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen fällt.
Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht.
Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist.
Wie traurig dieser Abend.
Am Weiler vorbei
Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein.
Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung,
Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams.
Bei der Heimkehr
Fanden die Hirten den süßen Leib
Verwest im Dornenbusch.
Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern.
Gottes Schweigen
Trank ich aus dem Brunnen des Hains.
Auf meine Stirne tritt kaltes Metall
Spinnen suchen mein Herz.
Es ist ein Licht, das in meinem Mund erlöscht.
Nachts fand ich mich auf einer Heide,
Starrend von Unrat und Staub der Sterne.
Im Haselgebüsch
Klangen wieder kristallne Engel.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
SALMO
2ª versão
Dedicado a Karl Kraus
Há uma luz que o vento apagou.
Há uma taberna, de onde à tarde sai um bêbado.
Há um vinhedo, queimado e negro com buracos cheias de aranhas.
Há um aposento que caiaram com leite.
O louco morreu. Há uma ilha do mar do sul
Para receber o Deus Sol. Rufam os tambores.
Os homens executam danças guerreiras.
As mulheres balançam os quadris em trepadeiras e flores de fogo
Quando canta o mar. Oh, nosso paraíso perdido.
As ninfas abandonaram as florestas douradas.
Enterra-se o desconhecido. Então cai uma chuva cintilante.
O filho de Pã surge na figura de um trabalhador rural
Que dorme ao meio-dia no asfalto em brasa.
Há mocinhas num pátio com roupinhas pobres que dilaceram o coração!
Há quartos repletos de acordes e sonatas.
Há sombras que se abraçam diante de um espelho embaçado.
Nas janelas do hospital aquecem-se convalescentes.
Um vapor branco no canal traz sangrentas epidemias.
A irmã desconhecida ressurge nos sonhos ruins de alguém.
Descansando na avelãzeira, brinca com as estrelas dele.
O estudante, talvez um sósia, contempla-a longamente da janela.
Atrás dele está o seu irmão morto, ou desce a velha escada em espiral.
Na escuridão dos castanheiros empalidece a figura do jovem noviço.
O jardim cai a noite. No claustro esvoaçam os morcegos.
Os filhos do guardião param de brincar e procuram o ouro do céu.
Acordes finais de um quarteto. A pequena cega atravessa a aléia tremendo,
E mais tarde sua sombra tateia frios muros, envolta em contos de fadas e lendas sagradas.
Há um barco vazio, que à noite desce o negro canal.
Na sombriedade do velho asilo desmoronam-se ruínas humanas.
Os órfãos mortos jazem no muro do jardim.
De quartos cinzentos saem anjos com asas sujas de excrementos.
Vermes gotejam de suas pálpebras amareladas.
A praça da igreja está escura e silenciosa, como nos dias da infância.
Sobre solas prateadas deslizam vidas passadas,
E as sombras dos condenados descem às águas soluçantes.
No seu túmulo o mágico branco brinca com suas serpentes.
Silenciosos sobre o Calvário, abrem-se os olhos dourados de Deus.
(1912)
*
PSALM
2. Fassung
Karl Kraus zugeeignet
Es ist ein Licht, das der Wind ausgelöscht hat.
Es ist ein Heidekrug, den am Nachmittag ein Betrunkener verläßt.
Es ist ein Weinberg, verbrannt und schwarz mit Löchern voll Spinnen.
Es ist ein Raum, den sie mit Milch getüncht haben.
Der Wahnsinnige ist gestorben. Es ist eine Insel der Südsee,
Den Sonnengott zu empfangen. Man rührt die Trommeln.
Die Männer führen kriegerische Tänze auf.
Die Frauen wiegen die Hüften in Schlinggewächsen und Feuerblumen,
Wenn das Meer singt. O unser verlorenes Paradies.
Die Nymphen haben die goldenen Wälder verlassen.
Man begräbt den Fremden. Dann hebt ein Flimmerregen an
Der Sohn des Pan erscheint in Gestalt eines Erdarbeiters,
Der den Mittag am glühenden Asphalt verschläft.
Es sind kleine Mädchen in einem Hof in Kleidchen voll herzzerreißender Armut!
Es sind Zimmer, erfüllt von Akkorden und Sonaten.
Es sind Schatten, die sich vor einem erblindeten Spiegel umarmen.
An den Fenstern des Spitals wärmen sich Genesende.
Ein weißer Dampfer am Kanal trägt blutige Seuchen herauf.
Die fremde Schwester erscheint wieder in jemands bösen Träumen.
Ruhend im Haselgebüsch spielt sie mit seinen Sternen.
Der Student, vielleicht ein Doppelgänger, schaut ihr lange vom Fenster nach.
Hinter ihm steht sein toter Bruder, oder er geht die alte Wendeltreppe herab.
Im Dunkel brauner Kastanien verblaßt die Gestalt des jungen Novizen.
Der Garten ist im Abend. Im Kreuzgang flattern die Fledermäuse umher.
Die Kinder des Hausmeisters hören zu spielen auf und suchen das Gold des Himmels.
Endakkorde eines Quartetts. Die kleine Blinde läuft zitternd durch die Allee,
Und später tastet ihr Schatten an kalten Mauern hin, umgeben von Märchen und heiligen Legenden.
Es ist ein leeres Boot, das am Abend den schwarzen Kanal heruntertreibt.
In der Düsternis des alten Asyls verfallen menschliche Ruinen.
Die toten Waisen liegen an der Gartenmauer.
Aus grauen Zimmern treten Engel mit kotbefleckten Flügeln.
Würmer tropfen von ihren vergilbten Lidern.
Der Platz vor der Kirche ist finster und schweigsam, wie in den Tagen der Kindheit.
Auf silbernen Sohlen gleiten frühere Leben vorbei,
Und die Schatten der Verdammten steigen zu den seufzenden Wassern nieder.
In seinem Grab spielt der weiße Magier mit seinen Schlangen.
Schweigsam über der Schädelstätte öffnen sich Gottes goldene Augen.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
CANÇÕES DO ROSÁRIO
|
Georg Trakl, lithographie de Hildegard Jone |
À IRMÃPara onde vais será outono e tarde,
Veado azul que sob árvores soa,
Solitário lago na tarde.
Baixo o vôo dos pássaros soa,
Sobre teus olhos a melancolia dos arcos,
Teu leve sorriso soa.
Das tuas pálpebras Deus fez arcos.
Estrelas procuram à noite, filha de sexta-feira santa,
Na tua fronte, os arcos.
PROXIMIDADE DA MORTE
2ª versão
Oh, a tarde, que vai às sombrias aldeias da infância.
O lago sob os salgueiros
Enche-se de suspiros empestados de melancolia.
Oh, a floresta, que baixa discreta os olhos castanhos,
Quando das mãos magras do solitário
Cai a púrpura de seus dias extasiados.
Oh, a proximidade da morte. Oremos.
Nesta noite em travesseiros momos
E amarelados de incenso soltam-se os membros frágeis dos amantes
AMÉM
Decomposição deslizando pelo quarto podre;
Sombras no papel de parede amarelo; em escuros espelhos se
Curva a tristeza ebúrnea de nossas mãos.
Pérolas marrons correm pelos dedos falecidos.
No silêncio
Abrem-se azuis os olhos-papoula de um anjo.
Azul é também a tarde;
O momento de nossa morte, a sombra de Azrael,
Que escurece um jardinzinho marrom.
(1912/13)
*
ROSENKRANZLIEDER
AN DIE SCHWESTER
Wo du gehst wird Herbst und Abend,
Blaues Wild, das unter Bäumen tönt,
Einsamer Weiher am Abend.
Leise der Flug der Vögel tönt,
Die Schwermut über deinen Augenbogen.
Dein schmales Lächeln tönt.
Gott hat deine Lider verbogen.
Sterne suchen nachts, Karfreitagskind,
Deinen Stirnenbogen.
NÄHE DES TODES
2. Fassung
O der Abend, der in die finsteren Dörfer der Kindheit geht.
Der Weiher unter den Weiden
Füllt sich mit den verpesteten Seufzern der Schwermut.
O der Wald, der leise die braunen Augen senkt,
Da aus des Einsamen knöchernen Händen
Der Purpur seiner verzückten Tage hinsinkt.
O die Nähe des Todes. Laß uns beten.
In dieser Nacht lösen auf lauen Kissen
Vergilbt von Weihrauch sich der Liebenden schmächtige Glieder.
AMEN
Verwestes gleitend durch die morsche Stube;
Schatten an gelben Tapeten; in dunklen Spiegeln wölbt
Sich unserer Hände elfenbeinerne Traurigkeit.
Braune Perlen rinnen durch die erstorbenen Finger.
In der Stille
Tun sich eines Engels blaue Mohnaugen auf.
Blau ist auch der Abend;
Die Stunde unseres Absterbens, Azraels Schatten,
Der ein braunes Gärtchen verdunkelt.
(1912/13)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
HELIAN
Nos solitários momentos do espírito
É bom caminhar ao sol
Rente aos muros amarelos do verão.
Os passos soam discretos na grama; mas dorme ainda
O filho de Pã no mármore cinzento.
À noite na varanda nos embriagamos de vinho escuro.
O pêssego arde avermelhado na folhagem;
Doce sonata, riso alegre.
Boa é a calma da noite.
Na planície escura
Encontramos pastores e estrelas brancas.
Quando chega o outono,
A sóbria claridade se mostra na mata.
Aplacados, caminhamos ao longo de muros vermelhos
E os olhos redondos seguem o vôo dos pássaros.
À noite a água branca desce às urnas tumulares.
Nos galhos nus festeja o céu.
Nas mãos puras o lavrador tem pão e vinho.
Tranqüilos, os frutos amadurecem em câmara ensolarada.
Oh, é tão sério o rosto dos mortos mais queridos.
Mas a alma alegra-se de justa contemplação.
Imenso é o silêncio do jardim devastado,
Quando o jovem noviço coroa a fronte com folhagem marrom,
E seu hálito bebe ouro gelado.
As mãos tocam a idade das águas azuladas
Ou em fria noite os rostos brancos das irmãs.
É discreto e harmonioso o passeio por cômodos acolhedores,
Onde há solidão e o sussurro do ácer,
Onde talvez ainda cante o melro.
Belo é o Homem, e aparecendo no escuro,
Quando surpreso move braços e pernas,
E em órbitas purpúreas rolam os olhos calmos.
Às Vésperas o estranho perde-se em negra destruição de novembro
Sob galhos podres, por muros cheios de lepra,
Onde antes passou o santo irmão
Mergulhado nos doces acordes de seu delírio.
Oh, tão solitária termina a brisa da tarde.
Morrendo, a cabeça se curva na escuridão da oliveira.
Assustador é o declínio da raça.
Neste momento, os olhos do contemplador enchem-se
Com o ouro de suas estrelas.
No crepúsculo desce um carrilhão que já não soa,
Desmoronam-se os muros negros na praça,
O soldado morto chama à oração.
Anjo pálido
O filho entra na casa vazia de seus ancestrais.
As irmãs afastam-se junto aos anciãos brancos.
À noite o adormecido achou-as sob as colunas no vestíbulo
Ao voltar de tristes peregrinações.
Oh, tão cheios de imundice e vermes os seus cabelos,
Quando ele lá fica, com pés prateados,
E aqueles mortos saem de quartos desertos.
Oh, salmos em chuvas de fogo da meia-noite,
Quando os carrascos castigavam com urtigas os doces olhos,
Os jovens frutos do sabugueiro
Curvam-se surpresos sobre um túmulo vazio.
Luas amareladas rolam tranqüilas
Sobre os linhos febris do rapaz
Antes de vir o silêncio do inverno.
Um sublime destino desce o Cedron meditando
Onde o cedro, uma frágil criatura,
Cresce sob as sobrancelhas azuis do pai,
Por onde um pastor conduz à noite o seu rebanho.
Ou são gritos no sono,
Quando um anjo brônzeo aparece às pessoas no bosque
E a carne do santo derrete-se na grelha em brasa.
Pelos casebres de barro trepa uma vinha purpúrea,
Sonoros feixes de trigo amarelado,
O zumbir das abelhas, o vôo do grou.
À noitinha os ressuscitados encontram-se em atalhos rochosos.
Em águas negras espelham-se leprosos;
Ou abrem as roupas sujas
Chorando ao vento balsâmico que sopra da colina rosada.
Criadas esbeltas tateiam pelas ruelas da noite,
Como se procurassem o amante pastor.
Aos sábados soa nas cabanas doce canto.
Deixem a canção homenagear o menino,
A sua loucura e suas sobrancelhas brancas e sua partida,
Aquele que se decompôs e que abre os olhos azulados.
Oh, é tão triste esse reencontro.
Os degraus da loucura em quartos negros,
As sombras dos velhos sob a porta aberta,
Quando a alma de Helian contempla-se no espelho rosado
E neve e lepra descem de sua fronte.
Nas paredes as estrelas apagaram-se
E as brancas formas da luz.
Do tapete surgem ossadas dos túmulos,
O silêncio de cruzes desmoronadas na colina,
O cheiro doce do incenso no purpúreo vento noturno.
Oh, seus olhos espatifados em bocas pretas,
Quando o neto em doce loucura
Medita solitário o sombrio fim,
E o Deus silencioso baixa sobre ele as pálpebras azuis.
(1912)
*
HELIAN
In den einsamen Stunden des Geistes
Ist es schön, in der Sonne zu gehn
An den gelben Mauern des Sommers hin.
Leise klingen die Schritte im Gras; doch immer schläft
Der Sohn des Pan im grauen Marmor.
Abends auf der Terrasse betranken wir uns mit braunem Wein.
Rötlich glüht der Pfirsich im Laub;
Sanfte Sonate, frohes Lachen.
Schön ist die Stille der Nacht.
Auf dunklem Plan
Begegnen wir uns mit Hirten und weißen Sternen.
Wenn es Herbst geworden ist,
Zeigt sich nüchterne Klarheit im Hain.
Besänftigte wandeln wir an roten Mauern hin,
Und die runden Augen folgen dem Flug der Vögel.
Am Abend sinkt das weiße Wasser in Graburnen.
In kahlen Gezweigen feiert der Himmel.
In reinen Händen trägt der Landmann Brot und Wein,
Und friedlich reifen die Früchte in sonniger Kammer.
O wie ernst ist das Antlitz der teueren Toten.
Doch die Seele erfreut gerechtes Anschaun.
Gewaltig ist das Schweigen des verwüsteten Gartens,
Da der junge Novize die Stirne mit braunem Laub bekränzt,
Sein Odem eisiges Gold trinkt.
Die Hände rühren das Alter bläulicher Wasser
Oder in kalter Nacht die weißen Wangen der Schwestern.
Leise und harmonisch ist ein Gang an freundlichen Zimmern hin,
Wo Einsamkeit ist und das Rauschen des Ahorns,
Wo vielleicht noch die Drossel singt.
Schön ist der Mensch und erscheinend im Dunkel,
Wenn er staunend Arme und Beine bewegt,
Und in purpurnen Höhlen stille die Augen rollen.
Zur Vesper verliert sich der Fremdling in schwarzer Novemberzerstörung,
Unter morschem Geäst, an Mauern voll Aussatz hin,
Wo vordem der heilige Bruder gegangen,
Versunken in das sanfte Saitenspiel seines Wahnsinns,
O wie einsam endet der Abendwind.
Ersterbend neigt sich das Haupt im Dunkel des Ölbaums.
Erschütternd ist der Untergang des Geschlechts.
In dieser Stunde füllen sich die Augen des Schauenden
Mit dem Gold seiner Sterne.
Am Abend versinkt ein Glockenspiel, das nicht mehr tönt,
Verfallen die schwarzen Mauern am Platz,
Ruft der tote Soldat zum Gebet.
Ein bleicher Engel
Tritt der Sohn ins leere Haus seiner Väter.
Die Schwestern sind ferne zu weißen Greisen gegangen.
Nachts fand sie der Schläfer unter den Säulen im Hausflur,
Zurückgekehrt von traurigen Pilgerschaften.
O wie starrt von Kot und Würmern ihr Haar,
Da er darein mit silbernen Füßen steht,
Und jene verstorben aus kahlen Zimmern treten.
O ihr Psalmen in feurigen Mitternachtsregen,
Da die Knechte mit Nesseln die sanften Augen schlugen,
Die kindlichen Früchte des Hollunders
Sich staunend neigen über ein leeres Grab.
Leise rollen vergilbte Monde
Über die Fieberlinnen des Jünglings,
Eh dem Schweigen des Winters folgt.
Ein erhabenes Schicksal sinnt den Kidron hinab,
Wo die Zeder, ein weiches Geschöpf,
Sich unter den blauen Brauen des Vaters entfaltet,
Über die Weide nachts ein Schäfer seine Herde führt.
Oder es sind Schreie im Schlaf,
Wenn ein eherner Engel im Hain den Menschen antritt,
Das Fleisch des Heiligen auf glühendem Rost hinschmilzt.
Um die Lehmhütte rankt purpurner Wein,
Tönende Bündel vergilbten Korns,
Das Summen der Bienen, der Flug des Kranichs.
Am Abend begegnen sich Auferstandene auf Felsenpfaden.
In schwarzen Wassern spiegeln sich Aussätzige;
Oder sie öffnen die kotbefleckten Gewänder
Weinend dem balsamischen Wind, der vom rosigen Hügel weht.
Schlanke Mägde tasten durch die Gassen der Nacht,
Ob sie den liebenden Hirten fänden.
Sonnabends tönt in den Hütten sanfter Gesang.
Lasset das Lied auch des Knaben gedenken,
Seines Wahnsinns, und weißer Brauen und seines Hingangs,
Des Verwesten, der bläulich die Augen aufschlägt.
O wie traurig ist dieses Wiedersehn.
Die Stufen des Wahnsinns in schwarzen Zimmern,
Die Schatten der Alten unter der offenen Tür,
Da Helians Seele sich im rosigen Spiegel beschaut
Und Schnee und Aussatz von seiner Stirne sinken.
An den Wänden sind die Sterne erloschen
Und die weißen Gestalten des Lichts.
Dem Teppich entsteigt Gebein der Gräber,
Das Schweigen verfallener Kreuze am Hügel,
Des Weihrauchs Süße im purpurnen Nachtwind.
O ihr zerbrochenen Augen in schwarzen Mündern,
Da der Enkel in sanfter Umnachtung
Einsam dem dunkleren Ende nachsinnt,
Der stille Gott die blauen Lider über ihn senkt.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
CANÇÃO DAS HORAS
Com olhos escuros contemplam-se os amantes,
Louros, resplandecentes. Em imóvel treva
Entrelaçam-se lânguidos os ávidos braços.
A boca dos abençoados despedaçou-se. Os olhos redondos
Espelham o escuro ouro da tarde primaveril,
Fronteira e negror da floresta, temores vespertinos no verde;
Talvez indizível vôo de pássaro, o atalho
Do não-nascido ao longo de sombrios lugarejos, de solitários verões,
E do azul em ruínas surge às vezes um corpo sem vida.
No campo rumoreja discreto o trigo amarelo.
Dura é a vida; o camponês maneja o ferro da foice,
O carpinteiro encaixa grandes vigas.
A folhagem no outono colore-se purpúrea; o espírito monástico
Percorre dias serenos; maduras as uvas
E festivo o ar em vastos pátios.
Mais doce o odor de frutos amarelados; discreto o riso
Do satisfeito, música e dança em tabernas de sombras;
No jardim crepuscular, passo e silêncio do menino morto.
(1913)
*
STUNDENLIED
Mit dunklen Blicken sehen sich die Liebenden an,
Die Blonden, Strahlenden. In starrender Finsternis
Umschlingen schmächtig sich die sehnenden Arme.
Purpurn zerbrach der Gesegneten Mund. Die runden Augen
Spielgeln das dunkle Gold des Frühlingsnachmittags,
Saum und Schwärze des Walds, Abendängste im Grün;
Vielleicht unsäglichen Vogelflug, des Ungeborenen
Pfad an finsteren Dörfern, einsamen Sommern hin
Und aus verfallener Bläue tritt bosweilen ein Abgelebtes.
Leise rauscht im Acker das gelbe Korn.
Hart ist das Leben und stählern schwingt die Sense der Landmann,
Fügt gewaltige Balken der Zimmermann.
Purpurn färbt sich das Laub im Herbst; der mönchische Geist
Durchwandelt heitere Tage; reif ist die Traube
Und festlich die Luft in geräumigen Höfen.
Süßer duften vergilbte Früchte; leise ist das Lachen
Des Frohen, Musik und Tanz in schattigen Kellern;
Im dämmernden Garten Schritt und Stille des verstobenen Knaben.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
CANÇÃO DE KASPARHAUSER
Para Bessie Loos
Ele de fato amava o sol que descia a colina purpúreo,
Os caminhos da floresta, o canto do pássaro negro
E a alegria do verde.
Sisuda era sua morada à sombra da árvore
E puro o seu rosto.
Deus disse ao seu coração uma doce chama:
Homem!
Tranqüilo, o seu passo encontrou a cidade à noite;
O lamento sombrio de sua boca:
Quero tomar-me cavaleiro.
Seguiram-no porém arbusto e animal,
Casa e jardim crepuscular de gente branca,
E procurava-o seu assassino.
Primavera, verão e belo o outono
Do justo, seu passo leve
Pelos quartos escuros de sonhadores.
À noite ficava sozinho com sua estrela;
Viu que nevava em galhos nus,
E a sombra do assassino no tenebroso vestíbulo da casa.
Prateada, tombou a cabeça do não-nascido.
(1913)
*
KASPAR HAUSER LIED
Für Bessie Loos
Er wahrlich liebte die Sonne, die purpurnen den Hügel hinabstieg,
Die Wege des Walds, den singenden Schwarzvogel
Und die Freude des Grüns.
Ernsthaft war sein Wohnen im Schatten des Baums
Und rein sein Antlitz.
Gott sprach eine sanfte Flamme zu seinem Herzen:
O Mensch!
Stille fand sein Schritt die Stadt am Abend;
Die dunkle Klage seines Munds:
Ich will ein Reiter werden.
Ihm aber folgte Busch und Tier,
Haus und Dämmergarten weißer Menschen
Und sein Mörder suchte nach ihm.
Frühling und Sommer und schön der Herbst
Des Gerechten, sein leiser Schritt
An den dunklen Zimmern Träumender hin.
Nachts blieb er mit seinem Stern allein;
Sah, daß Schnee fiel in kahles Gezweig
Und im dämmernden Hausflur den Schatten des Mörders.
Silbern sank des Ungeborenen Haupt hin.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
SEBASTIÃO NO SONHO
Para Adolf Loos
A mãe teve a criança sob a lua branca,
À sombra da nogueira, do sabugueiro secular,
Embriagada pela seiva da papoula, do lamento do melro;
E silencioso
Sobre elas inclinava-se piedoso um rosto barbado,
Discreto, na escuridão da janela; e velharias
Dos antepassados
Jaziam podres; amor e fantasia outonal.
Escuro o dia do ano, triste infância,
Quando o rapaz desceu às águas frias, peixes prateados,
Quietude e semblante;
Quando petrificado jogou-se aos corcéis em disparada,
E em noite cinzenta sua estrela vinha sobre ele;
Ou quando pela mão fria da mãe
À tardinha passava pelo outonal cemitério de São Pedro;
Um frágil cadàver jazia inerte no escuro da câmara
E erguia sobre este as pálpebras geladas.
Mas ele era um pequeno pássaro em galhos nus,
O sino ao longo do novembro da noite,
O silêncio do pai, dormindo ao descer a espiral crepuscular.
Paz da alma. Noite de inverno solitário,
As escuras sombras dos pastores no velho lago;
Criança na cabana de palha; quão discreta
Baixava o rosto em febre negra.
Noite sagrada.
Ou quando pela bruta mão do pai
Subi em silêncio o sinistro Monte Calvário
E em crepusculares nichos dos rochedos
A figura azul do Homem passava pela sua lenda,
E da ferida sob o coração corria o sangue purpúreo.
Oh, com que leveza erguia-se a cruz na alma sombria.
Amor; quando em recantos escuros derretia a neve,
Uma brisa azul aninhava-se alegre no velho sabugueiro,
Na abóbada de sombras da nogueira;
E à criança aparecia devagar um anjo rosado.
Alegria; quando em quartos frios soava uma sonata noturna,
Nas vigas de madeira marrom
Uma borboleta azul saía da crisálida prateada.
Oh, a proximidade da morte! Em muro de pedra
Inclinava-se uma cabeça amarela, a criança muda,
Quando naquele mês de março caía a lua.
Róseo sino de Páscoa na abóbada tumular da noite
E as vozes prateadas das estrelas
Fizeram descer da fronte do adormecido uma sombria loucura em calafrios.
Oh, tão silencioso um passeio pelo rio azul abaixo
Lembrando o esquecido, quando nos galhos verdes
O melro chamava ao ocaso um desconhecido.
Ou quando pela magra mão do ancião
Passava à noite ante o muro em ruínas da cidade
E aquele de casaco negro levava uma criança rosada,
E à sombra da nogueira aparecia o espírito do mal.
Tatear os verdes degraus do verão. Oh, tão silenciosa
Ruína do jardim no silêncio marrom do outono,
Odor e melancolia do velho sabugueiro,
Quando na sombra de Sebastião expirava a voz prateada do anjo.
(1913)
*
SEBASTIAN IM TRAUM
Für Adolf Loos
Mutter trug das Kindlein im weißen Mond,
Im Schatten des Nußbaums, uralten Hollunders,
Trunken vom Safte des Mohns, der Klage der Drossel;
Und stille
Neigte in Mitleid sich über jene ein bärtiges Antlitz
Leise im Dunkel des Fensters; und altes Hausgerät
Der Väter
Lag im Verfall; Liebe und herbstliche Träumerei.
Also dunkel der Tag des Jahrs, traurige Kindheit,
Da der Knabe leise zu kühlen Wassern, silbernen Fischen hinabstieg,
Ruh und Antlitz;
Da er steinern sich vor rasende Rappen warf,
In grauer Nacht sein Stern über ihn kam;
Oder wenn er an der frierenden Hand der Mutter
Abends über Sankt Peters herbstlichen Friedhof ging,
Ein zarter Leichnam stille im Dunkel der Kammer lag
Und jener die kalten Lider über ihn aufhob.
Er aber war ein kleiner Vogel im kahlen Geäst,
Die Glocke lang im Abendnovember,
Des Vaters Stille, da er im Schlaf die dämmernde Wendeltreppe hinabstieg.
Frieden der Seele. Einsamer Winterabend,
Die dunklen Gestalten der Hirten am alten Weiher;
Kindlein in der Hütte von Stroh; o wie leise
Sank in schwarzem Fieber das Antlitz hin.
Heilige Nacht.
Oder wenn er an der harten Hand des Vaters
Stille den finstern Kalvarienberg hinanstieg
Und in dämmernden Felsennischen
Die blaue Gestalt des Menschen durch seine Legende ging,
Aus der Wunde unter dem Herzen purpurn das Blut rann.
O wie leise stand in dunkler Seele das Kreuz auf.
Liebe; da in schwarzen Winkeln der Schnee schmolz,
Ein blaues Lüftchen sich heiter im alten Hollunder fing.
In dem Schattengewölbe des Nußbaums;
Und dem Knaben leise sein rosiger Engel erschien.
Freude; da in kühlen Zimmern eine Abendsonate erklang,
Im braunen Holzgebälk
Ein blauer Falter aus der silbernen Puppe kroch.
O die Nähe des Todes. In steinerner Mauer
Neigte sich ein gelbes Haupt, schweigend das Kind,
Da in jenem März der Mond verfiel.
Rosige Osterglocke im Grabgewölbe der Nacht
Und die Silberstimmen der Sterne,
Daß in Schauern ein dunkler Wahnsinn von der Stirne des Schläfers sank.
O wie stille ein Gang den blauen Floß hinab
Vergessenes sinnend, da im grünen Geäst
Die Drossel ein Fremdes in den Untergang rief.
Oder wenn er an der knöchernen Hand des Greisen
Abends vor die verfallene Mauer der Stadt ging
Und jener in schwarzem Mantel ein rosiges Kindlein trug,
Im Schatten des Nußbaums der Geist des Bösen erschien.
Tasten über die grünen Stufen des Sommers. O wie leise
Verfiel der Garten in der braunen Stille des Herbstes,
Duft und Schwermut des alten Hollunders,
Da in Sebastians Schatten die Silberstimme des Engels erstarb.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
À NOITE
O azul de meus olhos apagou-se nesta noite,
O ouro vermelho de meu coração. Ah, tão quieta ardia a luz!
Teu manto azul envolveu o desfalecente;
Tua boca vermelha confirmou a loucura do amigo.
(1913)
*
NACHTS
Die Bläue meiner Augen ist erloschen in dieser Nacht,
Das rote Gold meines Herzens. O! wie stille brannte das Licht.
Dein blauer Mantel umfing den Sinkenden;
Dein roter Mund besiegelte des Freundes Umnachtung.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
|
Georg Trakl |
NO PARQUECaminhando outra vez no velho parque,
Oh, silêncio de flores amarelas e vermelhas!
Vocês também choram, bons deuses,
E o brilho outonal do olmeiro.
No lago azulado ergue-se imóvel
O junco, e à noite emudece o melro.
Oh! Então inclina tu também a fronte
Ante o mármore em ruína dos ancestrais.
(1912)
*
IM PARK
Wieder wandelnd im alten Park,
O! Stille gelb und roter Blumen.
Ihr auch trauert, ihr sanften Götter,
Und das herbstliche Gold der Ulme.
Reglos ragt am bläulichen Weiher
Das Rohr, verstummt am Abend die Drossel.
O! dann neige auch du die Stirne
Vor der Ahnen verfallenem Marmor.
(1912)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
CALMA E SILÊNCIO
Pastores enterraram o sol na floresta nua.
Um pescador puxou a lua
Do lago gelado em áspera rede.
No cristal azul
Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou curva a cabeça em sono purpúreo.
Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros
Ao observador, santidade de flores azuis.
O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.
De novo a fronte anoitece em pedra lunar;
Um rapaz irradiante
Surge a irmã em outono e negra decomposição.
(1913)
*
RUH UND SCHWEIGEN
Hirten begruben die Sonne im kahlen Wald.
Ein Fischer zog
In härenem Netz den Mond aus frierendem Weiher.
In blauem Kristall
Wohnt der bleiche Mensch, die Wang an seine Sterne gelehnt;
Oder er neigt das Haupt in purpurnem Schlaf.
Doch immer rührt der schwarze Flug der Vögel
Den Schauenden, das Heilige blauer Blumen,
Denkt die nahe Stille Vergessenes, erloschene Engel.
Wieder nachtet die Stirne in mondenem Gestein;
Ein strahlender Jüngling
Erscheint die Schwester in Herbst und schwarzer Verwesung.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
NASCIMENTO
Montanhas: negror, neblina e neve.
Vermelha, a caça desce a floresta;
Oh, os olhares de musgo da presa.
Silêncio da mãe; sob pinheiros negros
Abrem-se as mãos dormentes
Quando, vencida, aparece a fria lua.
Oh, o nascimento do Homem. Noturna murmura
A água azul no fundo da rocha;
O anjo decaído olha em suspiros sua imagem,
E pálido corpo desperta em câmara úmida.
Duas luas
Iluminam os olhos da anciã pétrea.
Dor, grito que dá à luz. Com asa negra
A noite toca a têmpora do menino,
Neve que desce de nuvem purpúrea.
(1913)
*
GEBURT
Gebirge: Schwärze, Schweigen und Schnee.
Rot vom Wald niedersteigt die Jagd;
O, die moosigen Blicke des Wilds.
Stille der Mutter; unter schwarzen Tannen
Öffnen sich die schlafenden Hände,
Wenn verfallen der kalte Mond erscheint.
O, die Geburt des Menschen. Nächtlich rauscht
Blaues Wasser im Felsengrund;
Seufzend erblickt sein Bild der gefallene Engel,
Erwacht ein Bleiches im dumpfer Stube.
Zwei Monde
Erglänzen die Augen der steinernen Greisin.
Weh, der Gebärenden Schrei. Mit schwarzem Flügel
Rührt die Knabenschläfe die Nacht,
Schnee, der leise aus purpurner Wolke sinkt.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
OCASO
5ª versão
A Karl Borromäus Heinrich
Por sobre o lago branco
Partiram os pássaros selvagens.
No crepúsculo sopra de nossas estrelas um vento gelado.
Por sobre os nossos túmulos
Inclina-se a fronte despedaçada das trevas.
Sob carvalhos, balançamos numa barca prateada.
Sempre ressoam os muros brancos da cidade.
Sob arcos de espinhos
Oh, irmão, ponteiros cegos, escalamos rumo à meia-noite.
(1913)
*
UNTERGANG
5. Fassung
An Karl Borromäus Heinrich
Über den weißen Weiher
Sind die wilden Vögel fortgezogen.
Am Abend weht von unseren Sternen ein eisiger Wind.
Über unsere Gräber
Beugt sich die zerbrochene Stirne der Nacht.
Unter Eichen schaukeln wir auf einem silbernen Kahn.
Immer klingen die weißen Mauern der Stadt.
Unter Dornenbogen
O mein Bruder klimmen wir blinde Zeiger gen Mitternacht.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
VENTO QUENTE
Lamento cego no vento, dias lunares de inverno,
Infância, os passos se perdem discretos em negra sebe,
Longo toque noturno.
Discreta vem a noite branca,
Transforma em sonhos purpúreos tormento e dor
Da vida pedregosa,
Para que nunca o espinho deixe o corpo em decomposição.
Profunda em sono suspira a alma angustiada,
Profundo o vento em árvores destruídas,
E a figura de lamento da mãe
Vagueia pela floresta solitária
Desse luto silente; noites
Repletas de lágrimas, de anjos de fogo.
Prateado, espatifa-se contra a parede nua um esqueleto de criança.
(1914)
*
FÖHN
Blinde Klage im Wind, mondene Wintertage,
Kindheit, leise verhallen die Schritte an schwarzer Hecke,
Langes Abendgeläut.
Leise kommt die weiße Nacht gezogen,
Verwandelt in purpurne Träume Schmerz und Plage
Des steinigen Lebens,
Daß nimmer der dornige Stachel ablasse vom verwesenden Leib.
Tief im Schlummer aufseufzt die bange Seele,
Tief der Wind in zerbrochenen Bäumen,
Und es schwankt die Klagegestalt
Der Mutter durch den einsamen Wald
Dieser schweigenden Trauer; Nächte,
Erfüllt von Tränen, feurigen Engeln.
Silbern zerschellt an kahler Mauer ein kindlich Gerippe.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
EM VENEZA
Silêncio no quarto noturno.
A luz chameja prateada
Ante o sopro que canta
Do solitário;
Fantástica nuvem de rosas.
Negro bando de moscas
Escurece o espaço de pedra
E o tormento do dia dourado
Faz enrijecer a cabeça
Do apátrida.
Noite de mar imóvel.
Estrela e negra viagem
Desaparecem no Canal.
Criança, teu sorriso doentio
Seguiu-me discreto pelo sono.
(1913)
*
IN VENEDIG
Stille in nächtigem Zimmer.
Silbern flackert der Leuchter
Vor dem singenden Odem
Des Einsamen;
Zaubrisches Rosengewölk.
Schwärzlicher Fliegenschwarm
Verdunkelt den steinernen Raum
Und es starrt von der Qual
Des goldenen Tags das Haupt
Des Heimatlosen.
Reglos nachtet das Meer.
Stern und schwärzliche Fahrt
Entschwand am Kanal.
Kind, dein kränkliches Lächeln
Folgte mir leise im Schlaf.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
KARL KRAUS
Branco pontífice da verdade,
Voz cristalina, onde habita o hálito glacial de Deus,
Mago enfurecido,
Sob cujo manto chamejante tilinta a couraça azul do guerreiro.
(1913)
*
KARL KRAUS
Weißer Hohepriester der Wahrheit,
Kristallne Stimme, in der Gottes eisiger Odem wohnt,
Zürnender Magier,
Dem unter flammendem Mantel der blaue Panzer des Kriegers klirrt.
(1913)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
AOS EMUDECIDOS
Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.
A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.
Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.
(1914)
*
AN DIE VERSTUMMTEN
O, der Wahnsinn der großen Stadt, da am Abend
An schwarzer Mauer verkrüppelte Bäume starren,
Aus silberner Maske der Geist des Bösen schaut;
Licht mit magnetischer Geißel die steinerne Nacht verdrängt.
O, das versunkene Läuten der Abendglocken.
Hure, die in eisigen Schauern ein totes Kindlein gebärt.
Rasend peitscht Gottes Zorn die Stirne des Besessenen,
Purpurne Seuche, Hunger, der grüne Augen zerbricht.
O, das gräßliche Lachen des Golds.
Aber stille blutet in dunkler Höhle stummere Menschheit,
Fügt aus harten Metallen das erlösende Haupt.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
|
Georg Trakl, por Albert Bloch 1943 |
OCIDENTE4ª versão
Em honra a Else Lasker-Schüler
1
Lua, como se um morto saísse
Da caverna azul,
E muitas flores caem
Sobre o atalho rochoso.
Prateado, chora um doente
No lago crepuscular,
Em barco negro
Amantes se foram.
Ou soam os passos
De Élis pelo bosque
De jacintos
Perdendo-se de novo entre carvalhos.
Oh, a figura do menino
Feita de lágrimas cristalinas,
Sombras noturnas.
Relâmpagos intrépidos iluminar a têmpora
Sempre fria,
Quando na colina verdejante
Ressoa primaveril a trovoada.
2
Tão silenciosas são as florestas verdes
De nosso lugar.
A vaga cristalina
Morrendo no muro em ruinas,
E antes choramos dormindo;
Vagueiam em passos inseguros
Ao longo da sebe espinhosa
Cantores no verão vespertino,
Na santa paz
Do vinhedo refletindo longe;
Sombras agora no frio colo
Da noite, águias aflitas.
Tão calmo um raio lunar fecha
As marcas purpúreas da melancolia.
3
Oh, grandes cidades
De pedra, construídas
Na planície!
Tão sem-fala
O sem-pátria segue
Com fronte sombria o vento,
As árvores nuas na colina.
Oh, distantes e crepusculares rios!
Com violência amedrontam
Aterrador rubor vespertino
Em nuvens de tempestade.
Oh, povos agonizantes!
Pálida vaga
Esmagando-se na praia da noite,
Cadentes estrelas.
(1914)
*
ABENDLAND
4. Fassung
Else Lasker-Schüler in Verehrung
1
Mond, als träte ein Totes
Aus blauer Höhle,
Und es fallen der Bluten
Viele über den Felsenpfad.
Silbern weint ein Krankes
Am Abendweiher,
Auf schwarzem Kahn
Hinüberstarben Liebende.
Oder es läuten die Schritte
Elis' durch den Hain
Den hyazinthenen
Wieder verhallend unter Eichen.
O des Knaben Gestalt
Geformt aus kristallenen Tränen,
Nächtigen Schatten.
Zackige Blitze erhellen die Schläfe
Die immerkühle,
Wenn am grünenden Hügel
Frühlingsgewitter ertönt.
2
So leise sind die grünen Wälder
Unsrer Heimat,
Die kristallene Woge
Hinsterbend an verfallner Mauer
Und wir haben im Schlaf geweint;
Wandern mit zögernden Schritten
An der dornigen Hecke hin Singende
im Abendsommer,
In heiliger Ruh
Des fern verstrahlenden Weinbergs;
Schatten nun im kühlen Schoß
Der Nacht, trauernde Adler.
So leise schließt ein mondener Strahl
Die purpurnen Male der Schwermut.
3
Ihr großen Städte
Steinern aufgebaut
In der Ebene!
So sprachlos folgt
Der Heimatlose
Mit dunbler Stirne dem Wind,
Kahlen Bäumen am Hügel.
Ihr weithin dämmernden Ströme!
Gewaltig ängstet
Schaurige Abendröte
Im Sturmgewölk.
Ihr sterbenden Völker!
Bleiche Woge
Zerschellend am Strande der Nacht,
Fallende Sterne.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
CANTO DO DESTERRADO
A Karl Borromäus Heinrich
Pleno de harmonias é o vôo dos pássaros. As florestas verdes
Reuniram-se à noite em cabanas mais tranquilas;
Os pastos cristalinos da corça.
Escuridão suaviza o murmúrio do riacho, as sombras úmidas
E as flores do verão, que soam belas ao vento.
Já crepuscula na fronte do pensativo Homem.
E brilha uma luzinha, a da bondade, em seu coração,
E a paz da ceia; pois, santificado são pão e vinho
Pelas mãos de Deus, e com olhos noturnos o irmão
Contempla-te silencioso, repousando de espinhosa caminhada.
Ah, morar no azul vivo da noite.
Também amando o silêncio envolve no quarto as sombras dos ancestrais,
Os purpúreos martírios, lamento de toda uma estirpe,
Que agora se vai piedosa no neto solitário.
Cada vez mais radiante desperta sempre dos negros minutos de loucura
O paciente em soleira petrificada
E envolve-o violentamente o frescor azulado e o cintilante resto do outono,
A casa tranquila e as lendas da floresta,
Medida e lei, e os lunares atalhos dos desterrados.
(1914)
*
GESANG DES ABGESCHIEDENEN
An Karl Borromaeus Heinrich
Voll Harmonien ist der Flug der Vögel. Es haben die grünen Wälder
Am Abend sich zu stilleren Hütten versammelt;
Die kristallenen Weiden des Rehs.
Dunkles besänftigt das Plätschern des Bachs, die feuchten Schatten
Und die Blumen des Sommers, die schön im Winde läuten.
Schon dämmert die Stirne dem sinnenden Menschen.
Und es leuchtet ein Lämpchen, das Gute, in seinem Herzen
Und der Frieden des Mahls; denn geheiligt ist Brot und Wein
Von Gottes Händen, und es schaut aus nächtigen Augen
Stille dich der Bruder an, daß er ruhe von dorniger Wanderschaft.
O das Wohnen in der beseelten Bläue der Nacht.
Liebend auch umfängt das Schweigen im Zimmer die Schatten der Alten,
Die purpurnen Martern, Klage eines großen Geschlechts,
Das fromm nun hingeht im einsamen Enkel.
Denn strahlender immer erwacht aus schwarzen Minuten des Wahnsinns
Der Duldende an versteinerter Schwelle
Und es umfangt ihn gewaltig die kühle Bläue und die leuchtende Neige des Herbstes,
Das stille Haus und die Sagen des Waldes,
Maß und Gesetz und die mondenen Pfade der Abgeschiedenen.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
O SONO
2ª versão
Malditos sejam, venenos escuros,
Sono branco!
Esse jardim tão estranho
De árvores crepusculares
Repleto de serpentes, falenas,
Aranhas, morcegos.
Forasteiro! Tua sombra perdida
No rubor da tarde,
Um corsário trevoso
No mar salgado da aflição.
Batem asas pássaros brancos na orla noturna
Sobre desmoronantes cidades
De aço.
(1914)
*
DER SCHLAF
2. Fassung
Verflucht ihr dunklen Gifte,
Weißer Schlaf!
Dieser höchst seltsame Garten
Dämmernder Bäume
Erfüllt von Schlangen, Nachtfaltern,
Spinnen, Fledermäusen.
Fremdling! Dein verlorner Schatten
Im Abendrot,
Ein finsterer Korsar
Im salzigen Meer der Trübsal.
Aufflattern weiße Vögel am Nachtsaum
Über stürzenden Städten
Von Stahl.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
A MELANCOLIA
És poderosa, boca escura,
No íntimo, imagem formada
De nuvens de outono,
Silêncio dourado da tarde;
Grande corrente de brilho verde
Na região de sombras,
De pinheiros quebrados;
Um lugarejo
Que desfalece abnegado em imagens marrons.
Eis que saltam os cavalos negros
Em prado brumoso.
Soldados!
Da colina onde o sol rola morrendo
Jorra o sangue que ri –
Sob carvalhos
Atônitos! Oh, rancorosa melancolia
Do exército; um elmo cintilante
Caiu tilintando de fronte purpúrea.
Noite outonal vem tão fresca,
Brilha com estrelas
Sobre quebradas ossadas de homens
A silenciosa monja.
(1914)
*
DIE SCHWERMUT
Gewaltig bist du dunkler Mund
Im Innern, aus Herbstgewölk
Geformte Gestalt,
Goldner Abendstille;
Ein grünlich dämmernder Bergstrom
In zerbrochner Föhren
Schattenbezirk;
Ein Dorf,
Das fromm in braunen Bildern abstirbt.
Da springen die schwarzen Pferde
Auf nebliger Weide.
Ihr Soldaten!
Vom Hügel, wo sterbend die Sonne rollt
Stürzt das lachende Blut –
Unter Eichen
Sprachlos! O grollende Schwermut
Des Heers; ein strahlender Helm
Sank klirrend von purpurner Stirne.
Herbstesnacht so kühle kommt,
Erglänzt mit Sternen
Über zerbrochenem Männergebein
Die stille Mönchin.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
LAMENTO
Sono e morte, as tenebrosas águias
Rodeiam a noite inteira essa cabeça:
A imagem dourada do Homem
Engolida pela onda fria
Da eternidade. Em medonhos recifes
Despedaça-se o corpo purpúreo.
E a voz escura lamenta
Sobre o mar.
Irmã de tempestuosa melancolia
Vê, um barco aflito afunda
Sob estrelas,
Sob o rosto calado da noite.
(1914)
*
KLAGE
Schlaf und Tod, die düstern Adler
Umrauschen nachtlang dieses Haupt:
Des Menschen goldnes Bildnis
Verschlänge die eisige Woge
Der Ewigkeit. An schaurigen Riffen
Zerschellt der purpurne Leib
Und es klagt die dunkle Stimme
Über dem Meer.
Schwester stürmischer Schwermut
Sieh ein ängstlicher Kahn versinkt
Unter Sternen,
Dem schweigenden Antlitz der Nacht.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
GRODEK
À tarde soam as florestas outonais
De armas mortíferas, as planícies douradas
E lagos azuis, por cima do sol
Mais sombrio rola; a noite envolve
Guerreiros em agonia, o lamento selvagem
De suas bocas dilaceradas.
Mas silenciosas reúnem-se no fundo dos prados
Nuvens vermelhas, onde habita um deus irado,
O sangue vertido, frieza lunar;
Todos os caminhos desembocam em negra putrefação.
Sob ramos dourados da noite e das estrelas
Oscila a sombra da irmã pelo mudo bosque.
Para saudar os espíritos dos heróis, as cabeças que sangram;
E baixinho soam nos juncos as flautas escuras do outono.
Oh, tão orgulhoso luto! Altares de bronze!
Hoje uma dor violenta alimenta a chama ardente do espirito:
Os netos que ainda não nasceram.
(1914)
*
GRODEK
Am Abend tönen die herbstlichen Wälder
Von tödlichen Waffen, die goldnen Ebenen
Und blauen Seen, darüber die Sonne
Düstrer hinrollt; umfängt die Nacht
Sterbende Krieger, die wilde Klage
Ihrer zerbrochenen Münder.
Doch stille sammelt im Weidengrund
Rotes Gewölk, darin ein zürnender Gott wohnt,
Das vergoßne Blut sich, mondne Kühle;
Alle Straßen münden in schwarze Verwesung.
Unter goldnem Gezweig der Nacht und Sternen
Es schwankt der Schwester Schatten durch den schweigenden Hain,
Zu grüßen die Geister der Helden, die blutenden Häupter;
Und leise tönen im Rohr die dunklen Flöten des Herbstes.
O stolzere Trauer! ihr ehernen Altäre,
Die heiße Flamme des Geistes nährt heute ein gewaltiger Schmerz,
Die ungebornen Enkel.
(1914)
- Georg Trakl, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.
§
|
Georg Trakl, por (...)
|
TRAKL EM TRADUÇÃO DO POETA PORTUGUÊS JOÃO BARRENTO
GRODEK
Ao entardecer, as florestas outonais
Ecoam de armas mortíferas, e as planícies douradas
E os lagos azuis, por sobre os quais rola
Um sol sombrio; a noite abraça
Guerreiros moribundos, o lamento selvagem
das suas bocas destroçadas.
Mas, em silêncio, num fundo de salgueiros,
juntam-se nuvens rubras, onde um Deus irado habita;
E o sangue derramado; e frescura lunar;
Todos os caminhos desembocam em negra podridão.
Sob dourada ramagem da noite e sob estrelas
A sombra da irmã vacila pelo bosque do silêncio,
Para saudar o espírito dos heróis, as cabeças ensanguentadas;
E levemente, nos canaviais, soam as flautas sombrias do outono.
Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,
Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante do espírito,
Os filhos que ainda hão-de nascer.
(1914)
*
GRODEK
Am Abend tönen die herbstlichen Wälder
Von tödlichen Waffen, die goldnen Ebenen
Und blauen Seen, darüber die Sonne
Düstrer hinrollt; umfängt die Nacht
Sterbende Krieger, die wilde Klage
Ihrer zerbrochenen Münder.
Doch stille sammelt im Weidengrund
Rotes Gewölk, darin ein zürnender Gott wohnt,
Das vergoßne Blut sich, mondne Kühle;
Alle Straßen münden in schwarze Verwesung.
Unter goldnem Gezweig der Nacht und Sternen
Es schwankt der Schwester Schatten durch den schweigenden Hain,
Zu grüßen die Geister der Helden, die blutenden Häupter;
Und leise tönen im Rohr die dunklen Flöten des Herbstes.
O stolzere Trauer! ihr ehernen Altäre,
Die heiße Flamme des Geistes nährt heute ein gewaltiger Schmerz,
Die ungebornen Enkel.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
§
CANTO DO DESTERRADO
A Karl Borromäus Heinrich
Pleno de harmonias é o voo das aves. As verdes florestas
Juntaram-se à noitinha em cabanas mais tranquilas;
E os pastos cristalinos da corça.
O escuro acalma o murmúrio do regato, as sombras húmidas
E as flores do verão, que soam belas ao vento.
Crepuscula já a fi.onte ao homem pensativo.
E uma luzinha, a da bondade, se acende no seu coração
E a paz da ceia; pois santificados estão o pão e o vinho
Pelas mãos de Deus, com olhos de noite o irmão
Contempla-te calmamente, para repousar da espinhosa
caminhada.
Oh, este viver no azul anímico da noite.
Com amor também, o silêncio envolve no quarto as sombras
dos velhos,
Os martírios purpúreos, lamento de uma grande geração,
Que aí vai agora, piedosa, no filho solitário.
Porque, mais radiante sempre, acorda dos negros minutos da
loucura
O sofredor em soleira petrificada
E poderosamente o envolve o frio azul e o declinar cintilante
do outono,
A casa tranqüila e as lendas da floresta,
Lei e medida, e os atalhos lunares dos desterrados.
(1914)
*
GESANG DES ABGESCHIEDENEN
An Karl Borromaeus Heinrich
Voll Harmonien ist der Flug der Vögel. Es haben die grünen Wälder
Am Abend sich zu stilleren Hütten versammelt;
Die kristallenen Weiden des Rehs.
Dunkles besänftigt das Plätschern des Bachs, die feuchten Schatten
Und die Blumen des Sommers, die schön im Winde läuten.
Schon dämmert die Stirne dem sinnenden Menschen.
Und es leuchtet ein Lämpchen, das Gute, in seinem Herzen
Und der Frieden des Mahls; denn geheiligt ist Brot und Wein
Von Gottes Händen, und es schaut aus nächtigen Augen
Stille dich der Bruder an, daß er ruhe von dorniger Wanderschaft.
O das Wohnen in der beseelten Bläue der Nacht.
Liebend auch umfängt das Schweigen im Zimmer die Schatten der Alten,
Die purpurnen Martern, Klage eines großen Geschlechts,
Das fromm nun hingeht im einsamen Enkel.
Denn strahlender immer erwacht aus schwarzen Minuten des Wahnsinns
Der Duldende an versteinerter Schwelle
Und es umfangt ihn gewaltig die kühle Bläue und die leuchtende Neige des Herbstes,
Das stille Haus und die Sagen des Waldes,
Maß und Gesetz und die mondenen Pfade der Abgeschiedenen.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
§
RONDEL
Esgotou-se a fonte de oiro dos dias,
Os tons da tarde, azuis e outonais:
Morreram doces flautas pastorais
Os tons azuis da tarde, e outonais
Esgotou-se a fonte de oiro dos dias.
(1912)
*
RONDEL
Verflossen ist das Gold der Tage,
Des Abends braun und blaue Farben:
Des Hirten sanfte Flöten starben
Des Abends blau und braune Farben
Verflossen ist das Gold der Tage
(1912)
- Georg Trakl, em "A alma e o caos. 100 poemas expressionistas". [Seleção e tradução João Barrento]. Lisboa: Relógio d'Água, 2001.
§
OCIDENTE
(4.ª versão)
Em honra de Else Lasker-Schüller
1.
Lua, como se saísse coisa morta
De azul caverna,
E das flores em botão muitas caem
Sobre o atalho rochoso.
Argêntea, chora coisa doente
Junto ao largo da tarde,
Em negro barco
Amantes se passaram.
Ou são os passos de Élis
Que soam pelo bosque,
O de jacintos,
Perdendo-se de novo sobre carvalhos.
Oh, a imagem do rapaz
Moldada por lágrimas de cristal,
Sombras nocturnas.
Relâmpagos rasgados iluminam-lhe as fontes,
As sempre frescas,
Quando na colina verdejante
Ressoa a trovoada primaveril.
2.
Que silêncio, o das verdes florestas
Da nossa terra,
Da vaga cristalina
Morrendo contra um muro em ruínas,
E nós chorámos durante o sono;
Deambulam com passos hesitantes
Ao longo de espinhosa sebe
Cantores no verão da tarde,
Na paz sagrada
Do reflexo distante de vinhedos;
Sombras agora no fresco seio
Da noite, águias carpindo.
Que silêncio o do raio lunar fechando
As marcas purpúreas da melancolia.
3.
Vós, grandes cidades
petreamente construídas
na planície!
Mudamente,
fronte ensombrada,
o sem-pátria segue o vento,
as árvores nuas na colina.
Vós, rios do longínquo entardecer!
Vermelho crepuscular aterrador
cria portentosos terrores
em nuvens de tempestade.
Vós, povos moribundos!
Pálida onda
desfazendo-se nas praias da noite,
estrelas cadentes.
(1914)
*
ABENDLAND
4. Fassung
Else Lasker-Schüler in Verehrung
1
Mond, als träte ein Totes
Aus blauer Höhle,
Und es fallen der Bluten
Viele über den Felsenpfad.
Silbern weint ein Krankes
Am Abendweiher,
Auf schwarzem Kahn
Hinüberstarben Liebende.
Oder es läuten die Schritte
Elis' durch den Hain
Den hyazinthenen
Wieder verhallend unter Eichen.
O des Knaben Gestalt
Geformt aus kristallenen Tränen,
Nächtigen Schatten.
Zackige Blitze erhellen die Schläfe
Die immerkühle,
Wenn am grünenden Hügel
Frühlingsgewitter ertönt.
2
So leise sind die grünen Wälder
Unsrer Heimat,
Die kristallene Woge
Hinsterbend an verfallner Mauer
Und wir haben im Schlaf geweint;
Wandern mit zögernden Schritten
An der dornigen Hecke hin Singende
im Abendsommer,
In heiliger Ruh
Des fern verstrahlenden Weinbergs;
Schatten nun im kühlen Schoß
Der Nacht, trauernde Adler.
So leise schließt ein mondener Strahl
Die purpurnen Male der Schwermut.
3
Ihr großen Städte
Steinern aufgebaut
In der Ebene!
So sprachlos folgt
Der Heimatlose
Mit dunbler Stirne dem Wind,
Kahlen Bäumen am Hügel.
Ihr weithin dämmernden Ströme!
Gewaltig ängstet
Schaurige Abendröte
Im Sturmgewölk.
Ihr sterbenden Völker!
Bleiche Woge
Zerschellend am Strande der Nacht,
Fallende Sterne.
(1914)
- Trakl, em "Outono transfigurado" - Georg Trakl. [tradução e prefácio João Barrento]. Lisboa: Assírio e Alvim, 1992.
§
"Trakl pertence à estirpe dos poetas videntes na que figuram Blake, Hölderlin, Rimbaud, Lautréamont e Artaud. Poetas que penetraram no obscuro do mundo e no obscuro do homem."
- Aldo Pellegrini, em "De profundis e outros poemas. Georg Trakl". [organização, posfácio e tradução Cláudia Cavalcanti]. Edição blíngue. São Paulo: Iluminuras, 1994.