Konstantinos Kaváfis (1863-1933, no
dia exato do aniversário de 70 anos), tenho admiração pela poesia deste grego
moderno de Alexandria, desde os anos 1960, pelos comentários e traduções do
saudoso amigo baiano Jair Gramacho (1930-2003), que publicou em seu livro
"Sonetos de Edênia e de Bizâncio" (Bahia: Imprensa Oficial, 1959) à
poética dele alusivos. Kaváfis deixou apenas um livro, com 154 poemas, em
edição póstuma, de cuja edição póstuma se encarregou um jovem casal de
ingleses, que eram seus amigos.
A fama de Kaváfis sobreviveu e ganhou
o mundo pelo o interesse que despertara em T. S. Eliot, e em Marguerite
Youcenar, que se encarregaram da divulgação europeia de sua obra e
personalidade. Meus encantos não ficaram atrás ![]()
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, pois, além de seu
mais famoso poema, "À espera dos bárbaros", guardo outros que são
exemplos da grandeza de seu estro. Ouso transcrevê-los abaixo.
POEMAS DE KONSTANTOMOS KAVÁFIS
PRECE
Um marujo o abismo do mar guardou
consigo.
Sem de nada saber, a mãe coloca um
círio
aceso diante da Virgem, um longo
círio,
para que volte logo, a salvo dos
perigos.
No bramido dos ventos põe o seu
ouvido;
mas enquanto ela reza e faz o seu
pedido,
sabe o ícone a escutá-la, grave, com
pesar
que o filho que ela espera nunca há
de voltar.
CÍRIOS
Os dias do futuro se erguem à nossa
frente
como círios acesos, em fileira –
círios dourados, cálidos e vivos.
Os dias idos ficaram para trás,
triste fila de círios apagados;
os mais próximos ainda fumaceiam,
círios pensos e frios e derretidos.
Não quero vê-los, que me aflige o seu
aspecto.
Aflige-me lembrar a sua luz de
outrora.
Contemplo, adiante, os meus círios
acesos.
Não quero olhar para trás e, trêmulo,
notar
como se alonga depressa a fileira
sombria,
como crescem depressa os círios
apagados.
O REI DEMÉTRIO
Ao ser deixado pelos macedônios,
os quais mostraram preferir a Pirro,
o rei Demétrio (que a alma tinha
grande) de modo algum – assim
disseram –
como rei comportou-se. Foi tirar
as vestimentas de ouro, jogou longe
os calçados de púrpura e, envergando
roupas simples, partiu logo em
seguida.
Portou-se exatamente como o ator
que, uma vez o espetáculo acabado,
troca de roupa e vai-se logo embora.
ÍTACA
Konstantinos Kaváfis (1863-1933)
Quando partires em viagem para Ítaca
faz votos para que seja longo o caminho,
pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.
Os Lestrigões e os Ciclopes,
o feroz Poseidon, não os temas,
tais seres em teu caminho jamais encontrarás,
se teu pensamento é elevado, se rara emoção
aflora teu espírito e teu corpo.
Os Lestrigões e os Ciclopes, o irascível Poseidon,
não os encontrarás, se não os levas em tua alma,
se tua alma não os ergue diante de ti.
Faz votos de que seja longo o caminho.
Que numerosas sejam as manhãs estivais,
nas quais, com que prazer, com que alegria,
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
para em mercados fenícios e adquire
as belas mercadorias, nácares e corais, âmbares e ébanos
e perfumes voluptuosos de toda espécie,
e a maior quantidade possível de voluptuosos perfumes;
vai a numerosas cidades egípcias,
aprende, aprende sem cessar dos instruídos.
Guarda sempre Ítaca em teu pensamento.
É teu destino aí chegar.
Mas não apresses absolutamente tua viagem.
É melhor que dure muitos anos e que, já velho, ancores na
ilha,
rico com tudo que ganhaste no caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riqueza.
Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem ela não te porias a caminho.
Nada mais tem a dar-te.
Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou.
Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,
já deves ter compreendido o que significam as Ítacas.
(Trad. Isis Borges B. da Fonseca: Poemas de K. Kaváfis, São
Paulo, Odysseus, 2006)
O PRAZO DE NERO
Konstantinos Kaváfis
Não
ficou perturbado Nero quando ouviu
do
Oráculo de Delfos o prenúncio:
“Teme
ao ano septuagésimo terceiro.”
Tinha
tempo bastante desfrutar.
Só
contava trinta anos. Muito dilatado
era
o prazo que o deus lhe concedia
para
cuidar-se dos riscos do futuro.
Agora
vai voltar a Roma um tanto fatigado
da
magnífica fadiga que se traz de uma viagem
toda
feita de dias de prazer –
nos
jardins, nos teatros, nos ginásios...
Ah
tardes das cidades da Acaia...
Ah
volúpia de corpos desnudos, sobretudo...
Isto
com Nero. Na Espanha, todavia, Galba
secretamente
congrega as suas tropas e as exercita,
Galba,
um velho, setenta e três anos de idade.
(In
“Konstantinos Kaváfis – Poemas”, tradução de José Paulo Paes, 1982)
À ESPERA DOS BÁRBAROS
Konstantinos Kaváfis
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem ponto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos,
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloquências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
Konstantinos Kaváfis (Alexandria, 29 de abril de 1863 -
Alexandria, 29 de abril de 1933) - Considerado um dos maiores poetas gregos
modernos. Não chegou a publicar nenhum livro, apenas poemas em folhetins e
jornais. Após sua morte, foi publicado um livro com os 154 poemas que escreveu.
Poema traduzido por José Paulo Paes.
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