terça-feira, 20 de setembro de 2022

POEMAS TRADUZIDOS DE KONSTANTINOS KAVÁFIS

 

Florisvaldo Mattos

Konstantinos Kaváfis (1863-1933, no dia exato do aniversário de 70 anos), tenho admiração pela poesia deste grego moderno de Alexandria, desde os anos 1960, pelos comentários e traduções do saudoso amigo baiano Jair Gramacho (1930-2003), que publicou em seu livro "Sonetos de Edênia e de Bizâncio" (Bahia: Imprensa Oficial, 1959) à poética dele alusivos. Kaváfis deixou apenas um livro, com 154 poemas, em edição póstuma, de cuja edição póstuma se encarregou um jovem casal de ingleses, que eram seus amigos.

A fama de Kaváfis sobreviveu e ganhou o mundo pelo o interesse que despertara em T. S. Eliot, e em Marguerite Youcenar, que se encarregaram da divulgação europeia de sua obra e personalidade. Meus encantos não ficaram atrás 🤣🙏💖, pois, além de seu mais famoso poema, "À espera dos bárbaros", guardo outros que são exemplos da grandeza de seu estro. Ouso transcrevê-los abaixo.

 

POEMAS DE KONSTANTOMOS KAVÁFIS

 

PRECE

 

Um marujo o abismo do mar guardou consigo.

Sem de nada saber, a mãe coloca um círio

aceso diante da Virgem, um longo círio,

para que volte logo, a salvo dos perigos.

No bramido dos ventos põe o seu ouvido;

mas enquanto ela reza e faz o seu pedido,

sabe o ícone a escutá-la, grave, com pesar

que o filho que ela espera nunca há de voltar.

 

CÍRIOS

 

Os dias do futuro se erguem à nossa frente

como círios acesos, em fileira –

círios dourados, cálidos e vivos.

Os dias idos ficaram para trás,

triste fila de círios apagados;

os mais próximos ainda fumaceiam,

círios pensos e frios e derretidos.

Não quero vê-los, que me aflige o seu aspecto.

Aflige-me lembrar a sua luz de outrora.

Contemplo, adiante, os meus círios acesos.

Não quero olhar para trás e, trêmulo, notar

como se alonga depressa a fileira sombria,

como crescem depressa os círios apagados.

 

O REI DEMÉTRIO

 

Ao ser deixado pelos macedônios,

os quais mostraram preferir a Pirro,

o rei Demétrio (que a alma tinha

grande) de modo algum – assim disseram –

como rei comportou-se. Foi tirar

as vestimentas de ouro, jogou longe

os calçados de púrpura e, envergando

roupas simples, partiu logo em seguida.

Portou-se exatamente como o ator

que, uma vez o espetáculo acabado,

troca de roupa e vai-se logo embora.

 

ÍTACA

Konstantinos Kaváfis (1863-1933)

 

Quando partires em viagem para Ítaca

faz votos para que seja longo o caminho,

pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.

Os Lestrigões e os Ciclopes,

o feroz Poseidon, não os temas,

tais seres em teu caminho jamais encontrarás,

se teu pensamento é elevado, se rara emoção

aflora teu espírito e teu corpo.

Os Lestrigões e os Ciclopes, o irascível Poseidon,

não os encontrarás, se não os levas em tua alma,

se tua alma não os ergue diante de ti.

 

Faz votos de que seja longo o caminho.

Que numerosas sejam as manhãs estivais,

nas quais, com que prazer, com que alegria,

entrarás em portos vistos pela primeira vez;

para em mercados fenícios e adquire

as belas mercadorias, nácares e corais, âmbares e ébanos

e perfumes voluptuosos de toda espécie,

e a maior quantidade possível de voluptuosos perfumes;

vai a numerosas cidades egípcias,

aprende, aprende sem cessar dos instruídos.

 

Guarda sempre Ítaca em teu pensamento.

É teu destino aí chegar.

Mas não apresses absolutamente tua viagem.

É melhor que dure muitos anos e que, já velho, ancores na ilha,

rico com tudo que ganhaste no caminho,

sem esperar que Ítaca te dê riqueza.

Ítaca deu-te a bela viagem.

Sem ela não te porias a caminho.

Nada mais tem a dar-te.

 

 

Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou.

Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,

já deves ter compreendido o que significam as Ítacas.

 

(Trad. Isis Borges B. da Fonseca: Poemas de K. Kaváfis, São Paulo, Odysseus, 2006)

 

O PRAZO DE NERO

Konstantinos Kaváfis

 

Não ficou perturbado Nero quando ouviu

do Oráculo de Delfos o prenúncio:

“Teme ao ano septuagésimo terceiro.”

Tinha tempo bastante desfrutar.

Só contava trinta anos. Muito dilatado

era o prazo que o deus lhe concedia

para cuidar-se dos riscos do futuro.

 

Agora vai voltar a Roma um tanto fatigado

da magnífica fadiga que se traz de uma viagem

toda feita de dias de prazer –

nos jardins, nos teatros, nos ginásios...

Ah tardes das cidades da Acaia...

Ah volúpia de corpos desnudos, sobretudo...

 

Isto com Nero. Na Espanha, todavia, Galba

secretamente congrega as suas tropas e as exercita,

Galba, um velho, setenta e três anos de idade.

 

(In “Konstantinos Kaváfis – Poemas”, tradução de José Paulo Paes, 1982)

 

À ESPERA DOS BÁRBAROS 

Konstantinos Kaváfis

 

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado? 
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje 
Que leis hão de fazer os senadores? 
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo 
e de coroa solene se assentou 
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje. 
O nosso imperador conta saudar 
o chefe deles. Tem ponto para dar-lhe 
um pergaminho no qual estão escritos 
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores 
usam togas de púrpura, bordadas, 
e pulseiras com grandes ametistas 
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas? 
Por que hoje empunham bastões tão preciosos, 
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje, 
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores 
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje 
e aborrecem arengas, eloquências.

Por que subitamente esta inquietude? 
(Que seriedade nas fisionomias!) 
Por que tão rápido as ruas se esvaziam 
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm 
e gente recém-chegada das fronteiras 
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós? 
Ah! eles eram uma solução.

Konstantinos Kaváfis (Alexandria, 29 de abril de 1863 - Alexandria, 29 de abril de 1933) - Considerado um dos maiores poetas gregos modernos. Não chegou a publicar nenhum livro, apenas poemas em folhetins e jornais. Após sua morte, foi publicado um livro com os 154 poemas que escreveu. Poema traduzido por José Paulo Paes.


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