quinta-feira, 30 de junho de 2022

Breve História dos Bondes em Salvador




O transporte público outorgado em Salvador data dos meados do século XIX.

A cidade não mais se restringia ao plano piloto de Luiz Dias implantado pelo Governador Thomé de Souza. Crescia em três vetores: Graça, Barra, Rio Vermelho; Santo Antônio, Soledade, Liberdade e Bonfim, Itapagipe.
Rafael Ariani e Monteiro & Carreira foram empresas pioneiras na exploração dos serviços de bondes com tração animal.
Também na metade do século XIX foi implantada uma ligação por trilhos entre o Campo Grande e o Rio Vermelho numa linha rasgada à mata cujo acesso se fazia por trilha, a pé ou a cavalo, usando-se um trem a vapor, chamado a máquina. Saia do Campo Grande pela atual Leovigildo Felgueiras, contornava o os terrenos dos Padres Jesuítas para vencer a forte declividade, daí o topônimo Curva Grande, passava por baixo do 1.° Arco, atingia a Rua Gomes Brandão, depois a Rua Garibaldi passando por baixo do 2.° Arco e, finalmente, Rua da Paciência.
Em 1897 veio a eletrificação dos bondes. Em Salvador circularia a segunda linha de bondes elétricos do Brasil, só existente no Rio de Janeiro, então capital. A primeira linha eletrificada foi Calçada/ Bonfim.
E ainda, foi em Salvador que se instalou o primeiro e revolucionário elevador público do mundo, em 1873: o Elevador Hidráulico da Conceição, hoje conhecido como Elevador Lacerda.
No início do século XX operavam os bondes as empresas Companhia Linha Circular, Companhia Trilhos Centrais e Guinle & Co.
As reclamações constantes contra os maus serviços prestados pelas companhias cresceram durante o período da Primeira Guerra Mundial. Havia dificuldade da importação de material para manutenção dos serviços. Os jornais diariamente reclamavam da falta de bondes, do desrespeito aos horários e obras de infraestrutura prometidas.
A disputa para a concessão de linhas era acirrada, onde o negociante mais sério concorrente era Antônio Francisco de Lacerda, o construtor do transporte para ligar as duas partes Alta e baixa da cidade, o Elevador Lacerda.
Havia varias empresas: A Rede de Bondes da Cidade Baixa era operada pela Companhia Veículos Econômicos e a Rede de Bondes da Cidade Alta pela Companhia de Transportes Urbanos e Companhia Circular Carris da Bahia. A Empresa Lacerda & Irmãos operava o elevador
Ainda no início do século XX, o espólio da Companhia de Transportes Urbanos e da, passou para a Linha Circular Carris da Bahia.
Entrementes, 1921 a prefeitura passava para a Companhia Linha Circular os serviços de iluminação das áreas.
O Monopólio
Houve a fusão definitiva entre as Companhias Linha Circular e Trilhos Centrais. As empresas, que já funcionavam com os mesmos diretores desde o controle acionário da Guinle & Co, em 22 de setembro de 1926 tiveram a unificação de seus bens na Companhia Linha Circular, Assim a Companhia Linha Circular chegava ao final da década de 1920 assumindo o monopólio dos serviços de distribuição de energia elétrica e transporte urbano da Cidade do Salvador. Enquanto a Companhia Energia Elétrica da Bahia ficava com as concessões de energia elétrica, a Companhia Linha Circular, por contrato de 28 de maio de 1929, obteve o direito de explorar o serviço de bondes em todo o município do Salvador,
A população reclamava bons serviços, até que em 1929 o grupo norte-americano que além do transporte, bonde e elevadores, também passou a explorar os serviços de energia e telefone. A empresa de transporte era chamada de Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, ou simplesmente Circular. Era uma empresa estrangeira monopolizado três segmentos da economia
A insatisfação com os gringos americanos, assim chamados, era grande que tinham dificuldades na manutenção dos equipamentos, veículos e linha férrea, até que em 4 de outubro de 1930, insuflados pelo clima revolucionário que assolava o país a população promoveu o conhecido quebra-bonde onde 84 veículos foram destruídos, além de saqueada a sede da empresa situada na Rua D. Jerônimo Thomé no Bairro da Sé. Máquinas de escrever, armários, arquivos, estantes, documentos eram jogados pelas janelas do prédio sede.
Também foi depredado o prédio do Jornal A TARDE recém-construído, pois se atribuía aos americanos a sua participação na construção.
Houve muitos feridos e presos. Um marinheiro que assistia o espetáculo foi morto no Largo do Teatro, hoje Praça Castro Alves.
Outra versão dada ao episódio foi à existência de uma bandeira brasileira usada como tapume de uma obra no Plano Inclinado Gonçalves, que teria motivado o início do quebra-quebra.
A empresa acionou a prefeitura que teve de pagar pelos seus prejuízos.
A volta a normalidade foi gradativa, inicialmente na Cidade alta. Durante muito tempo Salvador teve o pior transporte público do pais.
A Fase Áurea dos Bondes
Só na década de 40 a situação começou a se normalizar. Foram anos áureos dos bondes.
Nessa época os bondes eram praticamente todos iguais. Amarelos com os números pretos. Bondes verdes restavam pouquíssimos, vistos na então Rua Vasco da Gama,
Todos abertos, dois controlers, dois eixos, com 10 bancos transversais reversíveis, com capacidade de 50 passageiros sentados. A numeração era sempre na série de 100 ou 200.
Havia ainda os bondes de serviço, as pranchas, para manutenção da linha férrea, numerados na série 20. O número 27 era destinado à linha aérea e o 51 oficinas.
Havia bondes especiais:
· Bonde salão destinados aos dignitários:
· Bonde assistência, destinado a transportar enfermos,
· Bonde funerário
Depois a concessionária que era a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, adquiriu 10 novas unidades fechadas, com capacidade de 46 passageiros sentados, que foram numeradas de 1 a 10 que o povo apelidou de Sossega Leão. Nos anos 40 os bondes se arrastavam lentamente pelas poucas linhas que existiam. Menos de 40. Pavimentação geralmente a paralelepípedos ou pedras irregulares, também chamadas cabeça de nego, era privilégio de poucos bairros, como Barra, Barra Avenida, Graça, Canela, Campo Grande, Tororó, Nazaré, Barris. Santo Antônio, Barbalho, Soledade, Lapinha e Campo Santo. Nesses bairros a linha férrea dos bondes era implantada em ruas pavimentadas ou calçadas, como se dizia antigamente.
Os bondes circulavam pelas estreitas ruas do centro, Rua do Liceu, do Saldanha, do Tijolo, da Barroquinha. Automóvel só para quem tinha muito dinheiro. .
Asfalto era uma coisa rara. Nas demais, as linhas em leito natural, eram muito irregulares e causavam muitos acidentes. As linhas com terminal no centro, Rio Vermelho, Amaralina e 2° Arco só tinham pavimento até a Avenida Leovigildo Filgueiras, Garcia. O resto era quase tudo sobre a terra. Daí, só um pequeno segmento no Rio Vermelho tinha pavimentação.
Algumas, entretanto tinham trechos pequenos trechos não pavimentados como 18-Ribeira via Luiz Tarquínio, 19-Ribeira via Dendezeiros e Brotas.
Era um transporte folclórico. Os passageiros, condutores e motorneiros se conheciam pelo nome. Os pontos de parada eram próximos. Basta dizer que no centro da cidade havia pontos na Rua Saldanha da Gama, Terreiro de Jesus, Circular (hoje Coelba), Belvedere, Praça Municipal, Rua Chile, Largo do Teatro (Praça Castro Alves) São Bento etc.
Em 1944 um decreto curioso do Prefeito Elísio Lisboa concedia um aumento de tarifa, impostas as seguintes condições à Companhia:
  • colocar em operação mais 25 novos bondes;
  • descentralizar as linhas:
  • duplicar os trechos em linha simples e
  • participar dos ônus dsa desapropriações.
O as tarifas entrariam em vigor um ano depois da publicação do decreto.
Houve uma renovação maciça nos transportes. A era dos bondes grandes. 10 novos bondes fechados, quatro eixos, um controler, com capacidade de 48 passageiros sentados foram adquiridos e numerados de 501 a 510. A essa altura foi mudada a pintura para amarelo e creme com os caracteres e frisos vermelhos. Uma pintura mais alegre. Os Sossega Leões que rodavam na Cidade Baixa foram renumerados depois para 401 a 408 e passaram a operar na cidade alta. Dois foram sucateados.
· Os abertos foram divididos em duas categorias: os mais potentes, chamados carros de força, foram alocados na Cidade Alta, por causa das ladeiras e numerados na série 200 e os demais na Cidade Baixa numerados na série 100.
· Havia ainda os reboques numerados na série 300 e os mistos, vazados no centro para cargas e capacidade de 35 passageiros sentados, pintados de verde com os caracteres bancos numerados na série de 30 e 40.
· Havia um bonde de carga, amarelo, fechado que passava eventualmente. Chamava-se bagageiro.
· Foi aí que aconteceu a grande revolução. Quatro bondes grandes, abertos com 14 bancos transversais, capacidade de 70 passageiros sentados com carrocerias totalmente construídas nas Oficinas da Graça entraram em operação. Tinha dois estribos no lado direito. Esse modelo não deu muito certo porque quando os passageiros se amontoavam nos estribos soltava o arco da catenária. Levaram os números de 601 a 604. Só tinha um controler e o lado esquerdo era semifechado com tela. Por isso foram chamados de galinheiro.
· Depois nas mesmas oficinas foram construídos mais nove bondes fechados numerados de 651 a 659 com capacidade de 48 passageiros sentados.
Foi um luxo. Bondes com portas automáticas,limpadores de para-brisas, com bancos estufados em couro verde, potentes. Numerados de 701 a 725. Foram considerados os melhores bondes do Brasil. Rodavam para Barra, Barra Avenida, Graça, Campo Grande, Canela Nazaré e Tororó. Um sucesso.
Nos anos 1950, o bonde deslizavam nos trilhos das ruas de. Salvador cujos limites eram Amaralina, Retiro, Pirajá, São Tomé de Paripe.
Havia três terminais centrais Sé, Praça Cayru, Viaduto da Sé. Os elevadores integrava os serviços dos bondes entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Não havia integração tarifária. Em muitos casos os passageiros tinham de pagar três passagens para chegar ao sue destino.
· Quando em 1955 a Companhia Circular foi encampada no governo de Prefeito Hélio Machado e foi criado e SMTC - Serviço Municipal de Transportes Coletivos, os bondes foram pintados em vermelho com os caracteres brancos.
· 1960 foi o crepúsculo dos bondes.
· O único bonde pequeno com dois controlers reformado para fechado rodava para a linha 5-Barris e tinha o número 351.
Sabiam-se os números das linhas:
1 – Nazareth
2 – Barra
3 – Canela
4 – Barra Avenida
5 – Barris
6 – Graça
7 – Federação
8 – Liberdade
9 – Santo Antônio
10 – Soledade
11 – Brotas
12 – Calçada
13 – Cabula
14 – Rio Vermelho
15 – Rio Vermelho de Baixo
16 – Amaralina
17 – Tororó
18 – Ribeira via Luiz Tarquínio
19 – Ribeira via Dendezeiros
20 – Ribeira via Caminho de Areia
21 – Roma
22 – Bonfim
23 – Acupe
24 – Barbalho
25 – Lapinha
26 – Campo Grande
27 – Campo Grande
28 – Fonte Nova
29 – Vila América
30 – Pirangueiras
32 – Madragôa
33 – Quintas
34 – Farol
35 – Retiro
36 – Segundo Arco
44 – Estrada de Ferro
Na Cidade Alta havia duas linhas circulares: com os seguintes itinerários:
· Linha 2-Barra, por exemplo, saía da Praça da Sé, Avenida Sete, Palácio da Aclamação, Vitória, Farol, Marques de Leão, Marquês de Caravelas, Alameda Antunes, Princesa Izabel, Princesa Leopoldina, Rua da Graça, Vitória, Campo Grande, Forte de São Pedro, Avenida Sete, Praça da Sé.
· Linha 4-Barra Avenida era ao contrário: Saía da Praça da Sé, Av.Sete, Forte de São Pedro, Campo Grande, Vitória, Rua da Graça, Princesa Leopoldina, Princesa Izabel, Alameda Antunes, Marquês de Caravelas, Marques de Leão, Ladeira da Barra, Vitória, Palácio da Aclamação Avenida Sete, Sé.
A bitola do bondes era 1,44m por onde os automóveis colavam por ser mais confortável do que rodar pelo paralelepípedo ou mesmo no leito natural
A linha mais curta era Praça Municipal/Barris e a mais longa Praça da Sé/Amaralina.
A Encampação
A Circular prestava maus serviços, alegava que acumulava prejuízos e queria aumento de tarifa. Arguia também a concorrência dos ônibus que aos poucos iam tomando sua fatia. Então a prefeitura decidiu pela encampação, que foi avaliada em 45 milhões de cruzeiros.
Em 24 de outubro de 1955, o então prefeito Hélio Machado,considerando a crise dos serviços de transporte, coletivos baixou um decreto de encampação da Companhia Circular Carris da Bahia, e criou o SMTC - Serviço Municipal de Transporte Coletivo que operaria bondes, elevadores e ônibus. Era a extinção gradativa dos serviços dos bondes, substituídos pelos ônibus.
Foi um fato muito questionado. Por que não a intervenção? Por que a empresa aceitaria 60 milhões quando dizia estar com um déficit de mais de 200 milhões?
Nisso o Vereador Osório Vilas Boas foi veemente.
O certo é que a prefeitura assumiu um grande ônus.
Fato ou boato, comentou-se que a concessão estava próxima a terminar e todo acervo passaria para a prefeitura sem ônus para esta.
As primeiras linhas de ônibus operadas pela Prefeitura através do SMTC foram Praça Cayru/Ribeira e Praça a da Sé/Amaralina, via Vasco da Gama. Para a primeira foram adquiridos 50 ônibus elétricos marca FIAT - Alfa Romeu, mas a subestação só tinha a capacidade de operar 25. Por isso quando um quebrava entrava um novo em operação e assim a frota foi sendo sucateada. Um absurdo !
O corredor Praça Cayru/Ribeira recebeu uma capa de asfalto sobre os trilhos, extinguindo assim todas as linhas de bonde da cidade Baixa da Cidade Baixa para a implantação dos ônibus elétricos adquiridos pelo SMTC. Aliás, há muito trilho de bonde enterrado em toda a cidade.
A linha Praça a da Sé/Amaralina, via Vasco da Gama foi operada com ônibus equipados com motor diesel, marca Volvo. A Rua Vasco da Gama, que era toda em leito natural, ganhara uma pista asfaltada de 7,00m paralela à linha do bonde.
Fugindo de suas atribuições o SMTC inovou e atuou em muita coisa na cidade, inclusive no nosso futebol. Fundou o time de futebol com o mesmo nome que teve uma passagem discretíssima na primeira divisão, em 1966.
Definitivamente no início dos anos 60 o prefeito Heitor Dias anunciava o fim dos bondes.
A última linha foi Campo Grande/Rio Vermelho, operada com os velhos bondes abertos de 50 lugares sentados.
Pelo que consta o SMTC nunca andou com suas próprias pernas.
O Folclore
Não constam em nenhum dicionário, mas palavras e expressões que fizeram parte da história dos transportes de Salvador que datam do tempo dos antigos bondes.Vejamos :
Marinete: denominação dada aos primeiros ônibus de Salvador por serem lançados na época que passou pela cidade um poeta futurista italiano chamado Marinetti;
  • Saltar: descer do transporte;
  • Pongar: pegar o bonde em movimento;
  • Despongar: descer do bonde em movimento. Nisso um jovem chamado Zeca Maria, que morava na Rua Treze era um craque nos bondes 14-Rio Vermelho, 16-Amaralina e 36-Segundo Arco. Pongava, despongava dos bondes de frente, de costas, na mão, na contramão, driblava os postes que se situavam no meio da pista. Um verdadeiro artista dos bondes.
  • Paraquedista: aquele que descia do bonde em movimento para não pagar a passagem quando o condutor se aproximava. Assim, de bonde em bonde chegava ao destino. Gente importante, hoje Conselheiro do Tribunal de Contas, confessa que assim fazia quando jovem nos bondes da linha 8-Liberdade para chegar ao Centro.
  • Fazer terra: aproveitar-se do bonde cheio para se encostar às garotas;
  • Cozinha: parte traseira dos bondes;
  • Galinheiro: bonde com apenas um controler e o lado esquerdo fechado com tela;
  • Humilhante: bonde;
  • Viajar de 11: aquele que se desloca a pé;
  • Pegar o bonde de Canela: aquele que se deslocava a pé no tempo dos bondes; Essa é a historia de um transporte que teve diversas fases em Salvador, deixou muitas histórias. Registos de ocorrência, acidentes emocionantes e Folclore.
  • Salvador, rica em histórias e folclore, o bonde não podia ficar à margem, tinha de dar a sua parcela de contribuição.
Crédito: Observatório do Cotidiano

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