MODERNISMO NA BAHIA
BIOGRAFIAS SINTÉTICAS
Agrupam-se
a seguir, sob o rótulo de biografias sintéticas, catorze membros da Academia
dos Rebeldes, adotando-se para tanto um critério de seleção entre os mais
citados por pesquisadores e comentaristas, como assíduos colaboradores das
revistas do grupo, Meridiano e O Momento, que circularam entre 1929 e
1932, participantes das ações socioculturais e desfrutes de boemia do grupo,
como também os que, entre eles, cumulativamente ou não, alcançaram proeminência
em campos da literatura ou de atividades outras, como o jornalismo, a política
e os estudos científicos, obtendo reconhecimento regional, nacional ou mesmo
internacional.
Algum
curioso leitor poderá observar que, em se tratando de biografias, dispostas
pela ordem do ano de nascimento dos biografados, faltam maiores indicativos
cronológicos às narrativas. Sem dúvida. Explica-se: no presente caso, o fulcro
do interesse por cada um dos nomes da lista procurou centrar-se na expressão e
significado do seu desempenho para os fins colimados do projeto intelectual e
político que os unia, optando-se por uma exposição sucinta das respectivas
trajetórias.
PINHEIRO VIEGAS (1865-1937)
Talvez mais por sua fama de jornalista panfletário, conquistada desde o Rio de Janeiro, onde viveu mais bem reconhecido como agitador cultural, intelectual corrosivo e desagregador, do que como mestre e líder de um movimento literário, João Amado Pinheiro Viegas nasceu em Salvador e, segundo o pesquisador Gilfrancisco Santos, morreu num dia de novembro, “abandonado pelos poucos amigos que tinha”, em Itacaranha, subúrbio da capital, sem receber qualquer homenagem póstuma, sequer merecer registro obituário na imprensa, mas talvez como um alívio para “a mediocridade empavonada e vitoriosa, a quem jamais poupou com a sua sátira” (2001).
Jorge Amado, que se dizia surpreso por ter ele o prenome e o primeiro sobrenome iguais ao de seu pai, João Amado, o define como patrono da Academia dos Rebeldes e poeta baudelairiano, “panfletário temido, epigramista virulento, o oposto do convencional e do conservador, personagem de romance espanhol, espadachim”. Entretanto, não foi somente a marca do mentor a se fixar em sua memória. Pinheiro Viegas era mais. “Um homem avançado para os padrões da época”, assinalando que “havia participado da campanha civilista, ao lado de Rui Barbosa e trabalhado vários anos no Rio” (AMADO, 1992). Nômade, pouco se sabe de descrição objetiva desse nomadismo; apenas que percorreu o Brasil, de norte a sul, como poeta e jornalista, e que no Rio fez boemia como integrante da
turma de Lima Barreto.
Poeta panfletário e ferino epigramista, quando viveu no Rio de Janeiro, Pinheiro Viegas atuou no jornalismo, alcançando prestígio e admiração, entre leitores e literatos de proa, apesar de poucos saberem de sua vida em privado, à exceção de alguns amigos, entre eles o crítico literário Agripino Grieco (1888-1973), que, de tão próximo, não o esqueceria em suas memórias de 1972, ao evocar
visita que fez a seu misérrimo endereço, que companheiros de tertúlias diziam
situar-se “lá para as bandas do Cais Pharoux”.
“Uma tarde, fez questão de levar-me ao cubículo infecto da rua do Mercado, onde dormia numa rede, entre duas cadeiras pernibambas, mas onde se destacavam, numa estante, não de todo desgraciosa, volumes riquissimamente encadernados em França, dos seus poetas blasfemos, malditos, Baudelaire, Verlaine, Corbière, Rimbaud, volumes que ele não venderia por preço algum, mesmo em dias de fome
agudíssima”. (SANTOS, 2001)
Muitos de seus panfletos em versos se propagaram, fosse a partir da Bahia, fosse do Rio de Janeiro, publicados em veículos diversos, como o de maior repercussão entre eles, sob o título de A Re Pública – Carta ao Marechal Deodoro, que mereceu comentários elogiosos de variada
autoria, do qual adiante vão alguns excertos e sobre o qual assim escreveu, em
estilo próprio da época, um redator no nº 374, do Pequeno Jornal carioca, em 21 de maio de 1891:
“A Re Pública – É o título de um panfleto que temos entre mãos, em estilo epistolar bem metrificado em alexandrinos e dirigido ao Sr. marechal Deodoro, assinado por Pinheiro Viegas. Não sabemos
onde foi impresso; com toda a certeza o impressor, cidadão garantido pela nossa
Constituição republicana, receou, o que? Alguma empastelação”.
Viegas cumpriu os cursos primário e secundário no então Ginásio da Bahia; bacharelou-se em Letras e ingressou no Curso de Direito, abandonando-o, para se dedicar ao jornalismo. Trabalhou em O
Imparcial, mas o deixou, quando o jornal foi vendido aos integralistas, força política emergente da época, assumindo o seu comando dois dos, ao tempo, chamados “galinhas-verdes”, em alusão às cores da militância ideológica, Mário Simões, diretor de redação, e Mário Monteiro, diretor financeiro. É, dessa ocasião, epigrama famoso de Viegas, composto para registrar satiricamente o
acontecimento.
Mário Simões bis Monteiro
Remontaram O Imparcial.
São quatro mãos no dinheiro,
São quatro pés no jornal.
Em Salvador, onde verdadeiramente se tornaria conhecido e influente, antes de fundar e liderar a Academia dos Rebeldes, frequentou o grupo de Samba, cujos membros se mostravam engajados no combate ao conservadorismo, mas sem que estivessem efetivamente identificados com a corrente renovadora do modernismo. Apesar de publicações dispersas, seja como poesia, crônica ou panfleto, Pinheiro Viegas deixou apenas um livro de poemas, Brasil Prosa e Verso (Salvador: Gráfica Popular, 1931), mas com autoria sob o pseudônimo de Sophos Arnaud.
Abaixo, sete de seus sonetos e excertos de um folheto em alexandrinos, criações essas, hoje,
raridades.
MEDALHÃO GREGO
Escuto Debussy. A noite. O luar. O oceano,
Recordo-o. Onde isso foi. Eu não o sei. Perdi-o.
Era o efebo irreal – grego mármore humano
Olhei-o. Olhou-me. Riu. É um demônio. Eu rio.
Belo mármore jônio impassível – engano!
Os olhos verdes maus, a grenha negra, vi-o.
As suas níveas mãos, nervosas, tinham frio
Nas teclas de marfim e de ébano do piano.
A boca – flor de sangue – em claros risos francos
Mostra-me, alegre, os seus trinta e dois dentes brancos.
O amor – interjeição – duas sílabas métricas.
Uma por uma eu vi todas as suas baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.
MÚSICA NOTURNA
Abro a janela. Escuto. Enche todo o ambiente
Essa música irreal do violão de um tzigano,
Feita de longos ais do coração humano,
Fora, no ermo, ao luar, desoladoramente.
Lembro a imagem lirial da pulcra e eterna ausente,
Longe, o meu país natal, Glauco e múrmuro oceano,
O doce lar tranquilo, o jardim redolente,
Na plaga verde e azul sob o céu pompeano.
Do violonista boêmio, o sem pátria no mundo,
Como a dizer à noite e ao plenilúnio: – “Ouvi-me!”
Tem uma alma esse violão toda nervosa e quérula…
Guay em guay, corda a corda, assim ele é sublime:
Escuto-o em pranto, à janela, o silêncio profundo,
A paisagem do exílio ao luar de madrepérola!
(Gil Blas. Rio de Janeiro, Ano I, nº26, 7 de agosto, 1919)
ESFINGE
Leão e mulher, – de pedra o monstro, – é a esfinge obscura
Do cruor do orgulho humano em meio ao labirinto:
– O Tudo e o Nada, a Vida e a Morte, o Sonho e o Instinto,
O Espírito e a Matéria, o Criador e a Criatura.
De granito, – enigma eterno, – olhando os sóis na altura,
– Mora o deserto areal de um grande oceano extinto.
Na queda boca imita, – o néctar feito absinto,
– Mostra ao Ser e ao Não-Ser pétrea ironia dura.
O Orbe em retorno ao Caos e a Volúpia ao Nirvana,
Abre ao infinito azul as órbitas bizarras,
Da plástica ao psiquê, divina, sendo humana.
Rebelde ao Anjo, – a Besta é o delírio e a nevrose:
Tem do Gênio ou do Herói os fantos entre as garras
Sob a lua de um Sonho e ao sol de uma Apoteose!
(Gil Blas. Rio de Janeiro, Ano II, nº55, 25 de fevereiro de 1920)
J.N.R.J.
Jerusalém. Por fim de surpresa, aparece
(É o moço gênio hebreu mestre de pulcritude!)
E fala a turba ignara afeita ao trato rude
Sobre o credo que exsurge… avulta… aumenta…
cresce…
Dizem: - “Eis o Homem Deus!” – Ele sorri. Parece
Branco lírio imperial sobre negra palude.
Tem nos olhos, no rir, no andar, na celsitude,
A beleza toda irreal de um poema ou de uma prece.
Como poeta ele adora a natureza. E o verbo
Sai-lhe do lábio, ao vê-la, em surto ao céu e aos
astros,
Dentro a cidade hostil no transe mais acerbo…
À pobre argila humana é a glória inatingida:
Ao lembrá-lo, no mundo, há de sorrir seus rastros
Quem faz por uma ideia o holocausto da vida.
Rio, 1920
O CORVO
Sobre um tronco pousado e indiferente ao coro
Dos pássaros no azul e as serpes no chão rasas,
Mesto, os olhos de treva – abrindo em duas brasas –
Ei-lo na hora púnica em luto imorredouro.
Ele põe-se a grasnar, de chofre, em riso e choro,
A saudade
letal das expulsíceas vasas
Qual sarcasmo funéreo à
volúpia das asas
E ao pôr do sol de outono
a broslar o céu de ouro.
Tomba do monte do vale a noite. E então na treva
Tem do corvo de Poe negra nevrose estranha,
Que em silêncio da morte a alma gnomes ceva.
Triste ausência da lua morre! Banha
A paisagem de sonho o luar que então se eleva
No espaço de ter turquesa ao topo da montanha.
(Vida Carioca.
Rio de Janeiro, Ano I, nº2, 22 de janeiro de 1921)
SPLEEN
O laudano ao café. Lethes. O eterno sono.
Ponto final do amor de poema ou de novela.
Entra em meu quarto o luar de ouro fosco de outono.
Espero-te. Não vens. Cismo, chego à janela.
Tic, tac, o relógio é monótono absono.
No teu autorretrato antigo em aquarela,
Tenho a ilusão de ver-te a pose de abandono.
Sendo humana, és divina! e sendo cruel, és bela!
Certo de minha dor hoje um poema eu não faço…
Lápis verde escreve em uma folha de almaço
Maus versos, versos maus, nesses meus hieroglifos.
Cai-me o papel das mãos: - São meus
quatorze versos!
Meu gato Angord, de gris-verdes olhos perversos –
Do chão num salto, apanha-o e rasga-o entre os seus
grifos.
(O Mundo
Literário. Rio de Janeiro, 5 de junho, 1923)
ELA
Entra. Despe-se. E nua, a rir, sem cerimônia.
(Ela é a visão celeste e a femina
terrena),
Negros olhos de ônix, solta a bruma melena,
Anda, à noite, em meu quarto, ao léu da minha insônia.
Cismo: é a Tzigana, a musa, a madona, a demônia,
A mandrágora, a eufórbia, a reflesia a açucena,
Grande, soberba, irreal, pulcra, nívea, serena,
Frio alabastro nu de vedra estátua Jônia.
Alva argêntea, lunar, dúbia, eu sonho, imprecisa,
(Para a sua psique só mesmo a sua plástica!)
Ela faz-me lembrar, Da Vinci, a Mona Lisa.
Cai-lhe sobre a nudez o amplo peplo vermelho.
Depois,
nada!… Ilusão! E eu só vejo fantástica,
A máscara da lua, a rir, no meu espelho.
(Boletim de Ariel. Rio de Janeiro, 09 de
outubro, 1935)
MONSTRO VERDE
Meia noite. No bar, ele ao piano, o Diabo!
O espelho contra o espelho é um fogo de artifício.
O meu copo de abismo é o meu mundo fictício.
Sou pachá, mandarim, sibarita, nababo.
Rindo, vejo, em redor, então, em menoscabo,
O quadro nu plebeu do amor venal de ofício.
Ébrio só de ilusões!… mais ilusões… e, ao cabo,
O absinto, o Monstro Verde, adoro-o! ele é o meu vício!…
Lá fora, o céu de inverno, o vento, a chuva, o frio.
Os verdes olhos maus, a grenha bruna — vi-o.
Mais belo é o mundo assim em linhas assimétricas.
De chofre, vejo, então, todas as suas baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas.
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.
TEBAIDA
A paisagem vernal de sonho
e de aquarela.
O monte, o vale, o rio, o
céu, são meus vizinhos.
Da janela eu contemplo o
dia quase ao termo:
É a cabeça de um Deus a
sangrar sob espinhos.
Triste e só, por não vê-la,
eu vou ficando enfermo.
Creio vê-la outra vez, meu
coração me bate,
Os seus olhos azuis nos
verdes do meu ermo.
O palor de alabastro, a
coma de ouro mate,
Penso vê-la outra vez,
antes eu nunca a visse!
Leda, a boca a sorrir, é
uma rosa escarlate.
É a carícia nupcial e a sororal meiguice:
Enlaçada, sutil,
deslumbrante e bela,
Na música do céu das coisas
que me disse.
A paisagem vernal de sonho
e de aquarela.
A RE PÚBLICA - CARTA AO
MARECHAL DEODORO
(Excertos)
Marechal, sou plebeu, um simples democrata.
Um forte coração, uma alma intemerata,
Eu jamais me curvei a um rei ou ditador
Nunca tive ambições de ser comendador.
Barão, duque, marquês. Detesto a fidalguia.
Odeio o sangue azul e esta aristocracia,
Que campeia entre nós, assim, com altivez!…
É grande cobardia, estranha insensatez.
Ninguém vir protestar contra o nefando crime,
Que a todos nos suplanta e a todos nos oprime!
(…)
Por que vós consentis assim impunemente
Aviltar a nação com jugo prepotente
Dos vossos cortesãos, ministros e fascistas,
Democratas que são no fundo monarquistas,
Hipócritas, sandeus, bandidos, argentários,
Palhaços e ladrões, fidalgos, mercenários
Infames histriões, curvados abissínios,
Que vem das podridões e dos esterquilínios?
(…)
Para salvar da Pátria a triste ruinaria
Das ondas colossais da velha oligarquia
É preciso titãs, preciso é, lutadores…
Abaixo a Ditadura! Abaixo os Ditadores!
Para longe de nós os triviais mandões,
Que vendem com desplante as terras das Missões
Por um punhado d’ouro aos monstros do egoísmo!…
Para longe da Pátria os corvos do cinismo,
As hostes da desonra, as hostes assassinas,
Que vivem de explorar tesouros nas ruínas!…
Preciso é reagir, preciso é dar batalha,
Contra o velho terror da grande e vil gentalha,
Que tem mil europeus, palácios e festins,
Como os grandes pachás e os nobres mandarins,
Que traz gravata branca e luvas de pelica
E tem ostentações de messalina rica…
(…)
A miséria, o terror, a fraude e a corrupção!
Fermentam no Brasil grande Revolução!
A Cruzada.
São Luiz do Maranhão, Ano II, nº 211, 26 de junho de 1891)
SOSÍGENES
COSTA (1901-1968)
Foi
preciso que transcorressem nove anos de sua morte e quase vinte da edição única
em vida de seu livro Obra Poética
(Rio de Janeiro: Leitura, 1959), pela qual recebeu o Prêmio Jabuti, em1960,
para que se viesse situar esse grande poeta grapiúna, conforme feliz observação
de Jorge Amado, “no lugar que lhe compete na lírica brasileira”, fazendo
desembocar a sua obra no reconhecimento da crítica e história literárias. E,
por fim, tudo se daria num galope, quase frenético. Pelas mãos do paulista José
Paulo Paes, em 1977, a editora Cultrix publica Pavão, Parlenda, Paraíso,
com penetrante análise crítica e pequena antologia do poeta nascido em Belmonte
(BA). Logo em seguida, pela mesma editora, em 1978, Paes reedita a Obra
Poética ampliada, completando-se a faina de sua inserção, com a edição de Iararana
(São Paulo: Cultrix, 1979), a epopeia cabocla do cacau, em que, submetendo
esta consagrada forma poética “aos signos dessacralizadores da paródia”,
segundo Cid Seixas, o poeta vai além dos inventos pioneiros de Mário de
Andrade, em Macunaíma, ou de Cassiano Ricardo, em Martim Cererê,
justamente por sua patente “rebeldia diferencial”. (SEIXAS, 2004)
Essa
longa imersão na indiferença da crítica e, praticamente hoje, nas geleiras do
esquecimento, em muito, se deveu e se deve ao temperamento enormemente retraído
do belmontino, que viveu em Ilhéus, onde fixou residência em 1926, para ocupar
a função de telegrafista dos Correios e, depois, de secretário da Associação
Comercial de Ilhéus, quase sem ser percebido, até mudar-se para o Rio de
Janeiro, aposentado, em 1954. Com a fama de “arredio, pedante e asceta”, fazia
supor houvesse “erguido ao seu redor um muro de discrição e silêncio”, segundo
observou Hélio Pólvora, para concluir: “Além de proteger-se contra
contaminações maldosas da ambiência, tinha necessidade de solidão para criar”
(PÓLVORA, 2001).
Talvez
por ter preferido viver em Ilhéus, praticamente isolado, garante Jorge Amado, a
militância de Sosígenes Costa limitou a sua participação na Academia dos
Rebeldes aos dois últimos anos da década de 1920 e ao início da década de 1930,
mas, pela sua qualidade de poeta, era dele que se valiam os outros amigos
Rebeldes, nas emulações da época, para enfrentar a constelação de nomes que
fulguravam nos outros dois grupos concorrentes (Samba e Arco & Flexa),
como Godofredo Filho, Carvalho Filho e Hélio Simões, opondo-lhes “sua poesia
original, suntuosa, bela, capitosa, como vinho generoso” (AMADO, 1992), que,
por mais incrível que possa parecer, está hoje praticamente esquecida, embora
ultimamente tenham sido publicadas duas antologias de poemas seus, ambas
organizadas pelo escritor Aleilton Fonseca: a primeira, pela Global Editora, de
São Paulo; a outra, pela Academia de Letras da Bahia, em convênio com a
Assembleia Legislativa da Bahia (2017). Sosígenes Costa morreu no Rio de
Janeiro, em 5 de novembro de 1968, faltando cinco dias para completar 67 anos
de idade. Merecia viver muito mais.
“Um dos
melhores poetas do norte do país é Sosígenes Costa. Solteirão, esquisito. (,,,)
Está no mundo com um ar de pernalta pensante. Funcionário dos Telégrafos e
escriturário de uma associação comercial, desforra-se dos seus magríssimos
ordenados em esbanjamentos poéticos de pedrarias e sedas, como raros dos seus
confrades se permitem. Na imaginação desse asceta há sempre um pecaminoso rumor
de saias proibidas. (…) Vinga-se do seu isolamento e da sua imobilidade em
visões como as não tiveram Sardanapalo e Sindbad, o Marítimo. Recorda sempre os
belos dias que passou em Belmonte e fala dessa cidadezinha do interior da Bahia
como se falasse do Oriente, acendendo todas as gambiarras, fazendo faiscar
todas as ourivesarias, compondo todas as decorações florais. (…) Modernista,
ainda crê na rima rica e um excesso de luz que lhe torna certas passagens
obscuras, numa espécie de névoa de ouro. Esse filho da roça pensa nas Vênus de
Paris e alude constantemente a pavões e castelos. (...) Ainda meio simbolista,
diz-se ele ‘pagem da Musa e príncipe da Morte’, mas é um panteísta bem vivo ao
inebriar-se na gama de amarelos do sol dos trópicos. Sua amada tem ‘trinta
anéis de pérolas ovais’, mas o seu noturno de Ilhéus a ‘descrição’, é algo de
bem contemporâneo”".
(Agripino
Grieco (1888-1973), trechos, em transcrição de Gilfrancisco Santos).
SEIS SONETOS PAVÔNICOS, DE SOSÍGENES COSTA
O PRIMEIRO SONETO PAVÔNICO
Foge a tarde entre o bando de gazelas.
A noite agora vem do precipício.
Sóis poentes, douradas aquarelas!
Mirabolantes fogos de artifício!
Maravilhado assisto das janelas.
Os coqueiros, pavões de um rei fictício,
abrem as caudas verdes e amarelas,
ante da tarde o rútilo suplício.
Cai uma chuva de oiro sobre os cravos.
O grifo sai do mar com a lua cheia
e as pombas choram pelos pombos bravos.
Um suspiro de amor do peito arranco.
A luz desmaia. E o céu todo se arreia
Em vez de estrela de narciso branco.
(1923)
TORNOU-ME O PÔR DO SOL UM NOBRE ENTRE OS
RAPAZES
Queima sândalo e incenso o poente amarelo,
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.
Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.
Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa, os únicos do mundo.
E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr do sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.
(1924)
CREPÚSCULO
Resplandece o crepúsculo de jade,
de turquesa, de opala e cornalinas.
Pelos céus há pavões. Toda a cidade
é lilás com repuxos de anilinas.
As aves cor de gesso, à claridade
do acaso, ficam quase solferinas.
A cor dourada agora tudo invade,
tornando as passifloras ambarinas.
A natureza cintilante e amena
sardanapalescamente se decora,
brilhando mais que as asas da falena.
Todo o horizonte de lilás se enflora.
Traja galas de príncipe a açucena.
Não parece o poente, mas a aurora.
(1926)
SONETO AO ANJO
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios,
quando o poente cor-de-rosa e doce
punha pavões nos capitéis assírios.
Teu beijo como um pássaro me trouxe
o mais azul de todos os delírios.
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios.
Só tu agora colhes azaleia
e os cintilantes cachos da azureia,
mágica flor que em meu jardim nasceu.
Só tu verás os lírios cor da aurora.
Meu pavão dormirá contigo agora
e o meu jardim dourado agora é teu.
(1930)
PAVÃO VERMELHO
Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.
Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.
É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.
Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.
(1937-1959)
PAVÃO AZUL
No jardim do castelo desse bruxo
d'asas d'ouro e olhos verdes de dragão,
tu és à beira de um lilás repuxo
um grande lírio de ouro e de açafrão.
Transformado em pavão por esse bruxo,
vivo te amando em tardes de verão,
dentre as rosas e os pássaros de luxo
do jardim desse bruxo castelão.
Tenho medo que um dia o jardineiro…
Mas nunca, estou bem certo, do canteiro
há de colher-te, ó minha flor taful.
Porque ele sabe que em manhã serena,
não suportando a ausência da açucena,
há de morrer esse pavão azul.
(s/ data)
CRIAÇÕES OUTRAS DE SG AINDA ADOLESCENTE
GARÇAS
Como um bando de preces japonesas
Que se desatam sob o céu de Nikko,
Garças em flor, de maravilhas presas,
Fogem pr´a as brotas do capuz de um pico.
Agora tudo é lindo! Que belezas
As régias garças no bailado rico…
Plumas enconcham – pérolas retesas
Que tanto haurir… Daqui donde me fico.
E tão bailantes! Sobre o amor do
musgo,
Com quem por causa delas sempre rusgo,
Sinto desejos de bailar assim…
Mas sou tão verme! É que do baile ao
friso,
Pr´a se imitar as garças é preciso
Ter graça azul em um corpo de jasmim!
Belmonte,
1920
O CISNE
Na indolência de um deus, lá vem à gruta,
ao lago
O cisne. O azul de golpe empalidece! Tudo
De pérolas quer ser e tudo fica mudo
Ante tanto brancor, brancor que aos golpes
trago.
Agita a pluma, dobra o colo… é de veludo!
Põe frisos n´água e segue a machucar (que
estrago!)
Um nenúfar… Entanto, a linfa o espelho
mago,
Sem se importar da flor que se quebrou.
Estudo
Agora o cisne e quanto é o branco vejo
esteta.
No cisne o branco é tudo. O cisne mais
parece
O amor da estrela, o amor do alvor, o
alvor da prece!
Nisso… Ele canta… E após deixar almas de
poeta
Em cada som que tange, o cisne morre…
Parte,
- O cisne, taça branca em que bebe a arte.
Belmonte,
1920
MINÚSCULO
Na mesa onde costumo fazer versos,
Acha-se um vaso de um valor venusto,
Um vaso pequenino, um nada, um susto,
Que encho de trevos e jasmins dispersos.
É uma graça vê-lo como um busto,
Trazendo tão pequenino os universos
Dos bons miosótis em paixões dispersos
- Tantas corolas que se apruma de custo.
Inda outro dia me deram três rosas:
Vermelhas, sanguejantes, amorosas,
Que nele pus num salto com meiguice.
E toda gente que chegou me disse:
- Não parece esse vaso um loiro anão
Que não pudesse com o próprio coração?!
Belmonte,
1920
CONTEMPLAÇÃO
Eu só imenso… O vulto em bronze… O braço
aberto
Contemplo como esfinge a festa das
estrelas!
O azul sacode a luz… E eu todo me desperto
Pras convulsões brutais da arte… A arte!
Pelas
Frondes a brisa rola… Há pirilampos
n´alma…
A rosa que ergo à boca aperto-a… Dando
ais.
Aperto-a… E é tanta luz e tanta, tanta calma
Que eu penso: Vou p´ra o azul e não volto
mais.
O zéfiro me lambe… E beijos é o que eu
sinto,
Sinto beijar-me a estrela e beijo a
estrela e beijo,
E beijo mesmo o céu… Oh! Crede, não vos
minto.
Sinto-me estátua e a gente, a gente que
não vejo
Ao ver-me assim murmura: Um vesano, um
pateta!
E a natureza diz: Meu filho, meu poeta!
Belmonte,
1920
INGAUHYRA*
A casa velha arruinada. Em ente,
A horta plantada de pimenta e rosas.
Os bois comendo as ervas perfumadas.
Ao fundo o rico cacaual da gente.
O pasto. As laranjeiras. Lentamente
Evoco tudo, oh musa! Como rosas!
O cocho com cacau passando rente
 porta. E a noite, que nebulosas!
Os cascos das galinhas no terreiro.
O porco. E o rio? E a côncava canoa
Onde a gente brincava o dia inteiro?
Recordo tudo na fazenda nossa…
E uma dor dentro d´alma me magoa.
Que saudade, meu Deus, de minha roça!
Belmonte, 13-07-1921
*Ingauhyra era o nome da fazenda dos pais
de Sosígenes Costa: Innocêncio Ignácio da Costa e Brasília Marinho da Costa.
EPITÁFIO PARA O TÚMULO DE FANNY
Chorão que choras tão forte
Não chores que aqui estou.
Não faças chorar na morte
Quem na vida não chorou.
1920
OBSERVAÇÃO:
os cinco últimos poemas foram colhidos no livro Sosígenes Costa – Cobra de duas cabeças – Poesia e prosa encontradas
e inéditas, publicado em 2011, pela editora Mondrongo (Ilhéus-BA), em
celebração aos 110 anos do nascimento de Sosígenes Costa, em Belmonte-BA, fruto
de pesquisa realizada por Herculano Assis, organização do editor e escritor
Gustavo Felicíssimo, com apresentação de Heitor Brasileiro Filho e Jorge de
Souza Araújo.
JOSÉ
BASTOS (1905-1937)
Quando em
fins dos anos 1940, numa pacata Itabuna, inocentes alunos da primeira turma do
Ginásio da Divina Providência, intrigados, perguntavam quem era aquele que dava
nome à Praça José Bastos, ali pertinho, ouviam dos mais velhos tratar-se de um
poeta que, morto cerca de dez anos antes, cantara em seus versos a cidade e o
seu Rio Cachoeira.
Depois de
interromper o aprendizado das primeiras letras na cidade onde nascera, José
Bastos torna-se precocemente arrimo de família, com a morte do pai, em 1918,
vendo-se obrigado a empregar-se em uma livraria, onde a curiosidade e o contato
com os livros lhe despertam o interesse pela literatura, principalmente pela poesia
parnasiana.
Publica
seu primeiro soneto, “Náiade exilada”, em 1924, no jornal O Intransigente,
seguindo para Salvador, onde conclui o curso secundário. Retorna a Itabuna em
1927 e ingressa no jornalismo, começando a trabalhar no jornal A Época,
então propriedade de Gileno Amado, advogado e já um dos coronéis do cacau e
prestigioso chefe político local; lá, publica a maior parte de sua poesia.
Já
integrante do movimento desencadeado pela Academia dos Rebeldes, figurando
mesmo entre os colaboradores do único número da revista Meridiano e,
depois, de O Momento, em 1930, José Bastos publica em Salvador seu único
livro Horas Líricas – depois reeditado,
por ocasião do cinquentenário de Itabuna: Tipografia D´Agenciadora, 1960.
“Com esse
livro em mãos, o poeta foi para o Rio de Janeiro, onde pretendia inserir-se na
vida cultural da antiga capital do país, não conseguindo seu intento.
Melancólico e doente, vítima da tuberculose, ateia fogo em toda a sua produção
ainda inédita, em verso e prosa, da qual apenas do título se tem notícia: Terra
Verde”. Dessa forma, o estudioso de literatura e poeta Gustavo Felicíssimo
registra esse triste momento da biografia de José Bastos, cuja poesia, para
ele, “não é outra, senão o reflexo de um rigoroso senso estético, quanto a
linguagem e estrutura, não variando muito quanto à forma (o soneto), fruto de
uma escola parnasiana, da qual Olavo Bilac foi, no Brasil, seu artífice mais
talentoso”, e, sem dúvida, seu espelho.
Versejou,
com decência e equilíbrio, temas da natureza, como também mitológicos, e morreu
parnasiano, como sempre fora. “É perceptível que o atendimento rigoroso e
brutal ao cânone do seu tempo tornou a poesia de José Bastos um tanto
engessada, porém é claro que suas virtudes, como poeta, superam, em muito,
qualquer crítica destrutível que sobre sua obra seja lançada” (FELICÍSSIMO, 2010).
ITABUNA
José Bastos
Minha terra natal! Que te abrasas e inundas
De tanto sol! Assim, entre agrestes verdores
Do Cachoeira escutando os bravios rumores
Como a iara gentil dessas águas profundas!
Quantas poesias tens nas árvores jucundas
Que te cercam além! Nas casas multicores,
Que se alteiam brilhando, entre ramos e flores,
E enchem de encanto e vida estas plagas fecundas!
Ah! Como eu sou feliz e me sinto orgulhoso
De um dia ter nascido em teu seio faustoso,
Sob o esplendor de um céu de beleza tão rara!
De me haver embalado à cantiga e ao gemido
Do Cachoeira, que rola a água profunda e clara,
Escumando aos teus pés como um jaguar ferido!
JOÃO CORDEIRO (1905-1938)
Autor
de um único livro, o romance Corja
(Rio de Janeiro: Calvino Filho, 1934), cujo título original deveria ser Boca Suja, inopinadamente mudado por não
agradar ao editor, João de Castro Cordeiro foi um dos fundadores da Academia
dos Rebeldes e tão assíduo colaborador das duas revistas editadas pela
irrequieta confraria, Meridiano e O Momento, que Jorge Amado chegou ao
ponto de considerá-lo seu presidente honorário, pelo fato de, sendo ele o único
do grupo a ter emprego público remunerado, socorrer os sempre necessitados
amigos com empréstimos para suas esbórnias.
Nascido
em Salvador, oriundo de família estável de classe média, morreu com apenas 33
anos de idade, sem que haja registro formal de causa que o levara a findar-se
tão cedo. Logo que lançado, Corja
obteve críticas positivas, tais como as das lentes perspicazes e ácidas de
Agripino Grieco, que destacou o realismo da narrativa centrada num cenário popular
de ruas e becos baianos, noitadas boêmias e cenas de botecos, que o autor,
segundo ele, soube deter “em instantâneos vivazes, colhendo no voo notas
típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas”, com toques de sátira à
presença de figuras da política e do clero.
A
história gira em torno da vida airada e boêmia do personagem Policarpo
Praxedes, por meio do qual João Cordeiro oferecia, segundo Edison Carneiro,
outro de seus críticos, “a visão exata, e por isso mesmo cruel, da humanidade
que se definha nas salgadeiras, nos trapiches, nos armazéns das docas, para
pagar com seu suor as amantes, as bebedeiras e os palácios capitalistas”.
Autor
da apresentação do romance, Jorge Amado relata que, muitos anos depois, quando
presidente do Instituto Nacional do Livro, Herberto Salles cogitou reeditar Corja, inclusive devolvendo-lhe o título
original preferido de João Cordeiro, Boca
Suja, mas rejeitado pelo editor; porém, defrontou-se com um obstáculo que
tem sido a infelicidade de muitos espólios literários e artísticos. Segundo
Amado, “os herdeiros, vagos herdeiros, a viúva morrera e não houvera filhos, se
assanharam, acreditando que a edição significaria incalculável soma de
dinheiro, fortuna em direitos autorais; impossível tratar com eles, a boa ideia
de Herberto não se concretizou”. (AMADO, 1992)
Em
1939, criou-se no Rio de Janeiro um Prêmio João Cordeiro, para conceder láurea
à melhor estreia literária do ano, cabendo-o na ocasião ao romance Cangerão, do escritor Emil Farhat, que
teve como concorrentes Vila de Santa Luzia, romance de fabulação centrada em costumes
nordestinos, do jornalista Omer Mont'Alegre, que anos depois exerceria o cargo
de redator-chefe do Jornal do Brasil, e Tinha
anos sem paisagem, este romance da autoria de Guilherme Figueiredo, também
poeta e conceituado tradutor.
“João
Cordeiro me faz recordar a fase mais interessante da minha vida. Nós éramos uns
garotos e fazíamos, sob as ordens de Pinheiro Viegas, a parte de pasquim da
literatura baiana. Tínhamos uma Academia dos Rebeldes, que amávamos, apesar de
todo o ridículo que a cobria. Tentamos fazer o saneamento intelectual da boa
terra”. (AMADO, apud SANTOS, 2001).
“O
lado baiano do romance, com o aspecto popular de ruas e becos, noitadas boemias
e cenas de tascas, soube o autor detê-lo em instantâneos vivazes, colhendo no
voo as notas típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas. Sente-se o pendor
para desfigurar satiricamente as personagens da política ou do clero, que
evidentemente detesta, mas a morte de Luciano, o noctâmbulo que tem o nome do
belo herói de Balzac, emociona os leitores, dando ao volume um bocado de poesia
azul, que o Sr. João Cordeiro, envergonhado talvez dos seus cinco minutos de
romantismo, se apressa em desfazer, pondo a amante do morto as velas com um sucesso
imbecil”.
(Agripino
Grieco, in O Jornal. Rio de Janeiro 26 de agosto, 1934, segundo
Gilfrancisco Santos).
ALVES
RIBEIRO (1909-1978)
Espírito forjado em terras de
sertão profundo, no então município de Camisão, hoje Ipirá, filho de
agricultor, depois modesto pecuarista, caçula da família, José Alves Ribeiro
aprendeu a ler sem frequentar escola, sendo, desde criança, um esforçado ajudante
do pai no serviço de plantio e colheita de cereais, mas aproveitou bem uma
viagem a Salvador, ao ser deixado com um tio, cuja casa possuía uma biblioteca,
que lhe despertou o interesse por literatura, permitindo-lhe o contato com
livros de que nunca ouvira falar. Concluiu os cursos secundário e ginasial e
candidatou-se ao vestibular, ingressando na Faculdade Livre de Direito em 1931.
Diplomado, exerceu várias
atividades, além da advocacia: professor de Criminologia na Faculdade de
Filosofia, por fim ingressando na Justiça do Trabalho, onde faria carreira de
competente juiz da 5ª Região, cuja presidência ocupou por mais de uma vez. A atividade
literária se inicia com a publicação de primeiros versos, crônicas e ensaios em
jornais e revistas, inclusive em Samba –
Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento, em 1928, revista editada
pelo grupo chamado Poetas da Baixinha, primeiro registro impresso do modernismo
na Bahia, mas neste mesmo ano adere ao grupo de jovens da Academia dos
Rebeldes, onde por seu ativismo se torna um dos nomes mais destacados, ao ponto
de Jorge Amado, em artigo de 1976, no jornal A Tarde, referindo-se ao
primeiro e único número da revista Meridiano,
revelar ser de exclusiva autoria de Alves Ribeiro, embora não assinado, o
editorial que “traçou os rumos de uma literatura de sentido universal porque
plantada na realidade da vida brasileira”, no qual, enfatizava, “o ensaísta
adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos ditos
modernistas (…) uma literatura de problemas, temas, forma e segmento
brasileiro”, de onde resultava “sua expressão universal”. (AMADO, 1976)
Não
obstante, aconteceria com Alves Ribeiro um fenômeno presente em muitas
literaturas, a do artista literário (poeta, ficcionista ou ensaísta) que,
atuante em tempos de juventude, de repente silencia, passando à condição de
escritor secreto. Após os fecundos anos da Academia dos Rebeldes, só se
disporia a publicar livros quase cinquenta anos depois, assim mesmo dois
pequeníssimos volumes, Sonetos de
Bendizer (Salvador: Gráfica da UFBA, 1975) e Sonetos de Maldizer (Salvador, idem, 1976). Deixou um inédito, A Cinza do Tédio, jamais publicado.
Alves Ribeiro morreu em 27 de janeiro de 1978, mas não teve a sorte apregoada
pelo inglês John Milton, de não deixarem as gerações humanas, que o sucederam,
que esses mínimos livros (com 20 sonetos, o primeiro, e apenas dez, o segundo)
caíssem no esquecimento. Demorou mais tempo do que o francês Paul Valéry
(1871-1945), que, tendo publicado um livro em 1897 (Essai d´une conquête
méthode), só veio ao prelo novamente em 1917, com seu La jeune parque).
TRÊ POEMAS DE ALVES RIBEIRO
TORTURAS DO CÉREBRO
Vai alta a noite. Velo. Erra o silêncio em torno.
Encerrado em meu quarto, à luz trêmula e baça
Da lâmpada, medito. Em derredor esvoaça
Feio inseto. Asfixia o ar à feição de um forno.
Tenho a cabeça zonza. E por mais tente e faça
Não consigo dormir. Paira em tudo um transtorno…
Vejo paredes, no chão, no teto sem adorno
Vejo, como a acenar-me, o espectro da desgraça.
Pego e abro um livro, em vão. Não posso ler. É o tédio.
E debalde procuro encontrar um remédio
À dor atroz… O meu anseio não se acalma.
E continuo assim (pena que não se exprime)
A desejar a luz que o cérebro me anime
E sentindo pesar-me a noite dentro d'alma.
POEMA
INSTANÂNEO
Rua Chile. Movimento.
Mlle.
Futurismo passa…
Os olhos piscos de sagui numa febril agitação
toda trejeitos e fingimento,
sorri aos ditos da multidão.
Uma pieguice…
Um rodopio…
Uma pirueta…
Uma negaça…
As pernas – tal e qual um arco de violino
vão arrancando estranhas harmonias,
no seu passinho fino,
original.
A ronda dos elegantes,
junto às vitrines de quinquilharias,
o cinismo nos semblantes
mede-a com olhar sensual.
Uma negaça…
Uma pieguice…
Uma pirueta…
Um rodopio…
E ela segue, nervosa, bamboleante,
agitando o corpo esguio,
os olhos piscos de sagui arisco
por entre a multidão, até perder-se.
A LIÇÃO DO MAR
Poeta, si queres aprender o sentido da vida,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.
Quando te sentires vencido pelo cansaço e pelo desânimo
para as grandes lutas do espírito,
e a terra te parecer inútil e pequenina para o teu sonho,
e os homens todos, uns vermes insignificantes,
- quando tiveres perdido, em suma, o gosto de viver, -
vai procurar o mar e mira-te em suas águas.
Ele é o símbolo do movimento, que não para, da vida, que não para.
Poeta, si queres ser grande e ser perfeito,
dá a teus versos o ritmo das ondas do mar.
Ele é a semente de toda criação,
é a própria fonte da vida,
porque toda vida vem do mar.
O mar é o grande mestre da vida:
a atração de suas moléculas
é o exemplo vivo da união e da força,
sem o que é impossível, na terra,
a conquista da felicidade entre todos os homens.
Por isso é que se compara a multidão ao mar.
Poeta, se queres aprender o sentido da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar
(e os poetas sempre foram os grandes precursores da liberdade,
porque aprenderam a cantar inspirados na música do mar
que é a música da liberdade).
O mar é o princípio da libertação:
de sua contemplação é que nasceu o sonho dos primeiros navegantes e
[dos primeiros revoltados
em busca de novos mundos e de novas formas de vida,
em que os homens pudessem ser mais felizes sobre a terra.
Poeta, si queres aprender o sentido da vida e da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.
Aracaju. Época, Ano I. nº 2, out/nov. 1948.
DA COSTA ANDRADE (1906-1974)
Um dos nomes que tiveram o privilégio de figurar no primeiro e único
número da revista Meridiano (setembro
de 1929), José Severiano da Costa Andrade é um piauiense que veio para a Bahia
no intuito de estudar e se formar. Foi mais político que homem de Letras, tanto
assim que, logo se diplomou em Direito, regressou a Simplício Mendes, sua terra
natal, para ser promotor público em Floriano (PI). Ocupou cargos na
administração pública, ingressou na política, elegendo-se consecutivamente, por
três legislaturas, deputado estadual e, logo, para prefeito da mesma Simplício
Mendes, em 1936, quando se casou, para ser pai de dez filhos.
O pesquisador Gilfrancisco Santos completa o perfil de Da Costa Andrade.
“O
político: deputado estadual (1955-1959), foi líder da bancada da União
Democrática Nacional (UDN), e, atuante deputado que era, apresentou vários
projetos nas áreas sociais, sempre beneficiando o trabalhador rural e em
especial os palheiros”. Na área educacional, criou novas escolas, além da criação
de vários municípios. Fundou, em 1958, o Partido Republicano – Seção do Piauí.
Com a fundação de Brasília, foi nomeado chefe do escritório da Novacap
(designação da nova capital do Brasil quando da sua inauguração, em 1960), em
Recife, transferindo-se posteriormente com a família para a capital federal,
para chefiar o gabinete do ministro da Educação e Cultura Clóvis Salgado. Da
Costa Andrade foi um dos principais líderes da sua geração, considerado
intelectual de alto nível e poeta de elevada estatura, ao ponto de
impressionar, desde os primeiros contatos, o amigo Jorge Amado, que nele se
inspirou, para talhar personagens de seus romances. Da Costa Andrade é o
Ricardo Braz, de O País do Carnaval,
editado em 1931, que marcaria a estreia literária de Jorge Amado”. (SANTOS,
2001)
Destaca-se na área sociocultural como fundador de duas entidades no
Piauí: o Cenáculo de Letras, que publicava o periódico A Revista, e a Associação Piauiense de Imprensa.
Como poeta, embora tenha vencido concurso promovido pela revista O Século, em 1927, com um soneto,
publicou apenas um livro, Rosal da Vida
(Salvador, 1929), posteriormente inserido em publicação organizada e prefaciada
por Jorge Amado, Rosal da Vida e Outros
Poemas (Teresina: coedição de órgãos públicos, 1996), vinte dois anos após
sua morte em Brasília.
N O I T E
Da Costa Andrade
Vejo
o crepúsculo distender-se, lento,
como um negro lençol, pela cidade…
É noite: — geme e turbilhona o vento
enquanto eu cismo, em minha soledade…
Só
nesta hora vêm-me ao pensamento
os quadros de perdida e tenra idade…
Pensar
na vida é rude sofrimento,
é aguçar os espinhos da saudade!
Um
sino dobra, além, triste e pausado;
e o coração de quem sofrendo vive,
pulsa de dor, saudoso e amargurado…
Ó
Deus! com o teu poder, por caridade,
dá-me de novo bens que outrora tive,
—
Faz-me voltar à minha tenra idade!
OSWALDO DIAS DA
COSTA (1907-1979)
As dificuldades com que no curso de Humanidades do Colégio da Bahia se
defrontava, no estudo da Matemática e cálculos de álgebra, podem ter sido o
motivo do ingresso de Dias da Costa na Academia dos Rebeldes, em 1929, porém
jamais com propósitos essencialmente literários; tinha outros interesses. Ao
referir-se a ele, muitos anos depois, chamando-o de “o meu compadre Oswaldo, em
tantas circunstâncias meu irmão”, Jorge Amado conta que começou a frequentar o
Bar Brunswick, ponto de encontro dos Rebeldes, em Salvador, oferecendo-se como
coletor de anúncios em cidades do Recôncavo, onde alardeava ter influências,
para o primeiro e único número da revista Meridiano.
Jovem e desempregado, baixo, mas elegante e simpático, confiava na boa
acolhida de seus préstimos. Lembra Jorge Amado que, em um fim de tarde,
tendo-se sentado à mesa, “entrou direto na conversa maligna”, cheio de
sotaques. Ao final, logo que ele saíra, anunciando retornar no dia seguinte,
perguntaram a Pinheiro Viegas, que já o conhecia de outras trajetórias, qual a
sua opinião sobre Dias da Costa, após o que ele expusera, ao que responde o
ferino epigramista: “Para literato, ótimo; para agenciador de anúncios, nulo”.
(AMADO, 1992)
Embora sem os prometidos anúncios, a revista circulou com virulento artigo
de Dias da Costa contra o parnasianismo que fazia a festa dos poetas de então,
tornando-se ele um dos mais destacados, ativos e eficientes membros da
confraria, até depois nas atividades de pregação de ideias e combate ao
ambiente conservador, ao ponto de Jorge Amado, já de muito vivendo no Rio de
Janeiro, convidá-lo, em 1936, para substituí-lo no posto que ocupava na
Livraria José Olympio, editora. Daí em diante, morando no Rio, passa a exercer
atividades de jornalismo, como redator de agências telegráficas, jornais e
revistas.
Como literato,
escreveu dois romances, Canção do Beco (São Paulo: Rumo, 1939) e Mirante
dos Aflitos (São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960, com apresentação
de Jorge Amado) e Estórias do Mirante dos Aflitos, uma publicação post-mortem
(São Paulo: GRD/Instituto Nacional do Livro, 1980), ao que se supõe no tempo em
que o escritor Herberto Salles esteve à frente do INL.
Fora disso, escreveu em colaboração com Jorge Amado e Edison Carneiro o
romance intitulado Lenita que, lançado em 1931 por um editor do Rio,
resultaria em completo fiasco e logo renegado pelos três. Peripécia adolescente
que Jorge assim recorda jocosamente em Navegação de Cabotagem (1992):
“Livrinho com todos os cacoetes da época, Medeiros e Albuquerque o definiu: uma
pura abominação. Um único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim, foi
necessário que se juntassem três”. Amado lembra também o “tempo antigo, boêmio
e debochado”, de Academia dos Rebeldes, em que ambos, ele e Dias da Costa,
costumavam passar uma semana inteira hospedados em bordéis com prostitutas, que
consideravam suas “namoradas, xodós, como se dizia”, à época. (AMADO, 1992)
OCTÁVIO MOURA (1909-1978)
Um dos redatores do único número da revista O Meridiano, mas também com firmes
relações de amizade com alguns dos mais destacados membros da Academia dos
Rebeldes, como Jorge Amado, Sosígenes Costa, José Bastos e o mentor de todos,
Pinheiro Viegas, Octávio Moura Dias de Almeida deixaria Salvador, na mesma ocasião,
para se instalar em Ilhéus, onde assumirá o cargo de redator-chefe do jornal Diário da Tarde, que concomitantemente
se fundara em 1928, no qual, graças a seu descortino para com desdobramentos da
modernidade, revolucionará o estilo de jornalismo então praticado no
efervescente sul cacaueiro, de caráter agressivo, fomentado por acirradas
disputas políticas e patrimoniais travadas entre coronéis do cacau.
Tinha 18 anos, quando assumiu o cargo, acompanhado
de quatro gráficos que, com ele vieram de Salvador em um navio da “Bahiana”,
três deles compositores e um impressor. E lá, em acanhado prédio da Rua Marquês
de Paranaguá, curvado sobre a escrivaninha, redigindo, lendo e apurando textos,
ou indo e vindo no contato com as oficinas, para levar textos que ele próprio
redigia, fossem notícias, sueltos ou editoriais, e oferecer orientações ao
setor gráfico. O primeiro número do Diário
da Tarde, em 10 de fevereiro de 1928, já trazia seu nome como
redator, para logo em seguida passar a redator-chefe e, finalmente, diretor. Octávio Moura desempenhou essas funções por 45 anos ininterruptos, só
se afastando das responsabilidades do cargo e do jornal quando a saúde não mais
o permitiu.
Reconhecido como jornalista nato, no tempo em que
esteve à frente do Diário da Tarde,
procurou imprimir à atividade do jornalismo um caráter de serviço voltado para
o aperfeiçoamento da sociedade, mesmo ante as limitações que costumavam
injuriar a vida dos habitantes de cidades do interior, embora o comércio
exportador do cacau incutisse nos ilheenses aspirações de tinturas cosmopolitas
e de incremento à cultura, apoiando as criações de prosa e poesia e, assim,
contribuindo para tornar Ilhéus o mais expressivo polo cultural da Bahia,
depois de Salvador.
Muito disso se deveu à mente arejada e ao dinamismo
de Octávio Moura, conforme atesta em depoimento ao Jornal da Manhã (1978) Rubens Esteves Silva, que o viu chegar a
Ilhéus, numa manhã de janeiro de 1928, e seria testemunha de como “o novo
diretor comandou a folha com brilho invulgar por muitos anos, até quando
surgiram indícios da doença e com ela começou a desaparecer aquela vivacidade e
ânimo, tão apreciados pelos ilheenses”.
Além de jornalista, foi membro da Academia de Letras de Ilhéus (Cadeira
nº 24), junto a outros dois de seus amigos Rebeldes, Jorge Amado e Sosígenes
Costa; professor da Escola Técnica de Comércio de Ilhéus e, por fim, dá nome ao
troféu que o Clube de Diretores Lojistas (CDL) confere anualmente à Imprensa
ilheense. Entre cargos públicos, Octávio Moura exerceu o de adjunto
de promotor público na Comarca de Ilhéus e o de inspetor seccional do
Ministério da Educação. A ele, devo a publicação
de meus primeiros afoitos poemas no Diário
da Tarde, em Ilhéus. Pelas mãos gentis e compreensivas, dele publiquei
poemas de minha lavra ainda adolescente e estudante colegial, no jornal que
dirigia, pelos anos de 1951 e 1952.
“Meus
amigos de Ilhéus mandaram um tinteiro de prata, com um cacau dourado, como
recordação das conferências que ali fiz em novembro de 1934. Ponho tinta nesse
tinteiro e a primeira coisa que me apetece é escrever um artigo sobre essas
generosas criaturas do sul da Bahia. Começaria pelo jornalista Octávio Moura,
tem um ar de menino e já é chefe de família. Pelo físico, parece ninguém e,
entanto, subscreve artigos ótimos. Fiem-se nele, na sua cabeleira e nas doçuras
de violinista cigano com que fala as lindas raparigas! É um articulista que
consegue infundir paixão nas ideias e a alegria de moço, longe de prejudicá-lo,
muito concorre para robustecer-lhe o bom senso de polemista. Quando necessário,
sabe ele também, nos seus sarcasmos, ser um artista em venenos, fazendo passar
mãos quartos de hora àqueles que detesta. Fino registrador sismográfico de tudo
o que ocorre de interessante em Ilhéus, Octavio Moura, mau grado uns ares meio
boêmios, organiza todo um jornal sozinho e quase sempre o organiza a primor”.
(SANTOS, 2010).
Agripino
Grieco, in O Jornal (coluna “Gente
Amiga”); Rio de Janeiro, 10 de março de 1935, após uma visita a Ilhéus,
em 1934, onde pronunciou conferências, a convite de Jorge Amado, e travou
contato com intelectuais da Região do Cacau, segundo pesquisa de Gilfrancisco
Santos.
GUILHERME DIAS
GOMES (1912-1943)
Este é outro dos Rebeldes não nascidos na Bahia, desde que veio à luz em
Natal, no Rio Grande do Norte, de pai baiano, engenheiro construtor de
estradas, que chegou a trabalhar na tristemente famosa ferrovia Madeira-Mamoré,
morto em 1925 em Salvador, onde Guilherme completou seus estudos e viria a se
formar em Medicina em 1935, tornando-se em seguida médico do Exército, pelo que
teve de fixar residência no Rio de Janeiro, onde viria a falecer ainda jovem,
em 8 de outubro de 1943, de impaludismo, no Hospital Central do Exército.
Surpreendentemente, para a época, era um poliglota. Rebelde como ele,
amigo e companheiro de tertúlias, segundo o pesquisador Gilfrancisco Santos, em
depoimento, Édison Carneiro, garante ter sido ele “um dos poucos brasileiros
que, na época, sabiam alemão na Bahia” e que, além disso, “sabia francês,
inglês, espanhol, italiano e até se aventurou a estudar japonês e árabe”,
acrescentando terem ambos até iniciado “um curso de nagô com Martiniano do
Bonfim”.
Literariamente,
dele pouco se sabe, além de colaborador da revista O Momento, entre 1931 e 1932. Após intenso trabalho de pesquisa,
Gilfrancisco revelou faceta praticamente desconhecida de Guilherme Dias Gomes,
a de ter publicado poemas de sua autoria, entre 1931 e 1933, nas revistas O Momento e Etc. e no jornal O Estado da
Bahia. Não obstante, seu nome permanece como autor de um romance, até hoje
misteriosamente inédito, intitulado Mercado
Modelo, para cuja publicação não foram bastantes, ao que se supõe, o enorme
prestígio, a fama e o admissível empenho do teatrólogo Dias Gomes (1922-1999),
seu irmão mais moço e por ele muito admirado, tanto assim que, certa feita,
chegou a confessar, referindo-se à sua vocação de escritor:
“Comecei a escrever para igualar-me a ele. Hoje, acho que fatalmente
seria um escritor porque nunca descobri em mim aptidão para qualquer outra atividade.
Mas as minhas primeiras experiências literárias foram determinadas pelo desejo
de imitar meu irmão”. (SANTOS, 2021)
Em 1935, o amigo de confraria Édison Carneiro assim exprime o realismo
da obra:
“O romance de
Guilherme Dias Gomes, Mercado Modelo,
fica limitado pelos muros da cidade. Explora a vida dos humildes, dos
desprotegidos da sorte, tanto dos proletários, como a negra Brasilina, neta de
escravos, quanto também do pequeno burguês que, em virtude das altas e baixas
do capitalismo, como Belizário Portela, se proletarizou. E se sucedem, através
do romance, as cenas de ternuras e de revolta, e a multidão dos tipos criados
pelos antagonismos das classes sociais, - a cafetina, o coronel, a prostituta,
o traidor do socialismo, o ladrão, o propagandista, o rebelde. São cenas
pegadas ao vivo, com a marca registrada dos fatos diários. E, dominando tudo,
está o Mercado Modelo, casarão infecto onde a gente mais heteróclita do mundo
se acotovela na luta pela vida, vendendo, xingando, suando e alimentando o
mesmo ódio sagrado pela classe exploradora”. (SANTOS, apud SOARES, 2012).
Em 1991, o caderno A Tarde Cultural
publicou trechos desse inédito romance, por iniciativa do historiador Waldir
Freitas de Oliveira, membro da Academia de Letras da Bahia, que obtivera uma
cópia da obra fornecida pelo irmão do romancista, Dias Gomes, de que abaixo se
oferece mostra, junto a alguns poemas, estes coligidos pelo pesquisador
Gilfrancisco Santos.
******
Excertos do romance
inédito Mercado Modelo
Mercado.
Rampa do peixe. Gente que se abalroa, grita, ajusta preços. Cheiro de maresia,
suor, frutos sazonados, estrume, catinga e camarão fresco. O bojo dos saveiros
carregados de melancias. Grandes chatas carregadas de moringues, uma lancha
repleta de abacaxis. Uma floresta de mastros e de cordas, com bandeirolas
alegres tremulando ao vento. A pequena distância, um “yacht”, todo branco e
azul, imóvel sobre o espelho líquido da enseada. Junto ao cais, o sargaço e a
salsugem de sempre, de mistura com cascas de laranja, tamancos velhos, peixes
mortos, rebotalho das redes lançadas ao mar pelos pescadores. E, na rampa, o
limo verde e escorregadio tornando o acesso difícil. Os peixeiros, junto ao
cais, repartem os pescados cortando-o com o machado em grandes cepos de
madeira, num espadanar de espinhas e escamas prateadas. Um grupo de marinheiros
alemães procura em vão compreender o preço de umas laranjas. Na beira do cais,
um caminhão carregando. Os tijolos vinham no bojo de um dos saveiros, jogados
um por um.
******
Na sala de jantar, Mestre Júlio conversava
cercado de ouvintes.
– É o que estou dizendo. Terno de Reis só
naquele tempo. Hoje é anarquia. Umas modinhas muito sem graça. Uma tal de
música americana muito mole, muito arrastada, cheia de love you.
Picou
com o canivete o fumo para encher o cachimbo. Acendeu. Deu uma tragada para
experimentar a permeabilidade do tubo. Cuspiu para o lado.
– Vocês estão vendo essa gente? No meu
tempo era outra coisa. Gente boa e muito boa. E tudo muito bem ensaiado. Não
era essa sujeira. A gente ia de casa em casa cantando, dançando. As moças
vestiam aqueles vestidos bonitos de pastoras. Os rapazes, de branco, chapelão
de palha enfeitado de flores. As mulatas com os panos-da-costa e os torços de
seda. O zabumba na frente. Chegava assim numa casa, eta diabo!
Pôs
o cachimbo no canto da boca, batendo com as mãos em concha enquanto cantava em
surdina:
“Ô
de casa nobre gente
escutai
e ouvireis
lá
da banda do Oriente
são
chegados os três reis”
– Era um deus nos acuda. Todo mundo corria
para a janela. A rapaziada boa aí continuava:
“Nessa
noite tão ditosa
é
bom que vós não durmais
porque
tão alta ventura
não
é justo que percais”
– Já a rua estava cheinha de gente que
vinha admirar. As pastoras aí faziam o estribilho:
“Inda
bem que há de vir
que
somos de longe
queremos
nos ir”
– E as menorizinhas cantavam:
“Ó
senhor dono da casa
quer
que vos diga quem é?
é
um cravo de amaranto
com
uma açucena ao pé”
– O dono da casa já estava todo contente de
ser um cravo de amaranto. Estava já abre não abre a porta. E o coro repetia:
“Inda
bem que há de vir
que
somos de longe
queremos
nos ir”
– Então, o pessoal todo cantava junto:
“Senhora
dona da casa
mande
entrar se faz favor
que
do céu estão caindo
pinguinhos
de água de flor”
– Não havia jeito. A porta se abria e a
gente tinha de tudo. Vatapá. Moqueca. O diabo a quatorze. Hoje não se vê disso.
As negras já nem querem usar pano-da-costa!
*****
“A vida no Mercado nascia com a alvorada.
Já antemanhã, antes do lusco-fusco, padeiros passavam, tiritando de frio, na
faina da entrega. Guardas-noturnos se recolhiam cabeceando de sono. Motorneiros
da Linha Circular iam para a primeira viagem. E o homem do pão, com o saco às
costas e a toalha à cabeça, o português com o tabuleiro repleto de hortaliças,
o pescador bronzeado com a rede ao ombro, a negra do mingau que se recolhia da
venda noturna, eram vultos imprecisos ainda mergulhados na treva. Mas, pouco a
pouco, esta se diluía em crepúsculo. O galo amiudava o canto. Um sino batia
soturno, na Cidade Alta. Outro, cristalino, respondia ao longe. E as igrejas
despertavam, numa orgia espantosa de sons. Guizalhantes, uns, outros,
tristonhos. Uns gostosos, repicados, cantantes, como vindos de grandes cigarras
aboletadas nas torres. Outros cavos, como um ressoar de passos em catacumbas
antigas”.
*****
“Só depois de muitos dias, Honório
conseguiu trabalho como carregador num trapiche. Trabalho pesado. Duro, mesmo.
Tinha de ficar de corpo nu porque não havia roupa que aguentasse. Os fardos que
pegava às costas rasgavam tudo. E tinha que começar a qualquer hora, quando as
embarcações aparecessem para descarregar. Sacas de açúcar, de cacau, de café.
Rolos de arame farpado. Grandes tambores de gasolina. Tábuas, vigas, pranchões
gigantescos. Os companheiros eram todos fortes como ele. Podia-se-lhes contar
os músculos fortemente desenhados sobre a pele. Passavam gemendo, muitas vezes,
sob o peso dos fardos. Alguns tinham o cabelo gasto ao centro da cabeça, pelo
roçar dos volumes da carga.
Se
uma embarcação atracava, tinham que descarregá-la ou enchê-la, sem perda de
tempo. Lançava-se uma prancha entre a ponte do trapiche e o convés. E,
cadencialmente, uns atrás dos outros, traziam na cabeça toda a carga do barco.
Dentro do armazém enorme, cujas traves de aço se cruzavam no alto, sustentando
o enorme telhado, tudo era lançado nas vagonetes e transportados pelos decauvilles.
O
capataz, um francês gordo e vermelho, de roupa cáqui, lápis em punho tomava
nota do número de volumes. Adiante, na sessão de pesagem, seu Severino, um
velhote de óculos à ponta do nariz, conferia o peso na balança decimal e também
tomava nota. Havia um cheiro próprio e indefinível sempre no ar. Cheiro que
vinha dos rolos de corda, das latas de tinta, dos fardos de cacau, das sacas de
açúcar. Mistura de óleo de peixe, café, breu, com o odor das madeiras de
construção.
Às
onze e meia, Amaro, um pernambucano taciturno e desconfiado, batia num pedaço
de trilho pendurado fora, a hora do almoço. Cada um ia buscar sua lata. Um
pouco de carne-do-sertão assada, pirão de água fria ou farinha, um pedaço de
rapadura como sobremesa. O dinheiro não dava para luxos. Alguns mais gastadores
esbanjavam-no comprando bagos de jaca ou bananas nas mulheres de tabuleiro que
estacionavam perto”.
*****
“Era a última das novenas da Conceição e a
igreja tem a fachada resplandecente de luzes. Houve a preocupação de realçar
todos os ornados de cantaria, da cruz ao chão, com lâmpadas elétricas. Dentro e
fora do templo a melodia plangente das ladainhas forrada pelo acompanhamento
macio do órgão.
Nelito,
na porta, se põe na ponta do pé para descobrir Miúda, ajoelhada no último
banco, ao lado de Judite. Faz esforço incrível para não pisar o aleijado que,
no meio de tanta gente, se conserva sentado no batente. Sente o bafio pesado da
multidão que se comprime de envolta com o cheiro bom do incenso. Senhoras
gordas e pesadas, sem noção de espaço, insistem em penetrar na igreja puxando
pela mão o marido e os filhos. Mocinhas de branco, trazendo, com ar seráfico,
velas bentas, esgueiram-se pedindo pelo amor de Deus não lhe pisem os véus de
filó branco. Crioulas, cinzentas de pó de arroz, com laços azuis de fita no
pescoço e raminhos de manjericão metidos na carapinha cuidadosamente dividida
em pequenas tranças, mesmo de pé desfiam fervorosamente terços sobre terços.
Velhos homens do mar, tostados pelo sol que aquece as jangadas e os saveiros
abertos, vestidos nos ternos de brim domingueiros, escutam, de chapéu na mão e
olhos no altar. No interior, mergulhada na profusão de luzes, enrolada nas
espirais de incenso, emoldurada nos ornatos brancos e ouro dos altares, ladeada
de castiçais monstruosos de prata maciça e quase sufocada num oceano de flores
alvíssimas de papel de seda, a imagem da Virgem destoa do ambiente luxuoso pela
simplicidade quase humilde com que mostra nos braços o Jesus Menino”.
“Regina angelorum!”, reza o padre.
“Ora pro nobis”, soluça o coro
plangente.
*****
“Depois de encher na roça do seu Mário o
balaio de laranjas-de-umbigo, espera o bagageiro que deve passar dentro em
pouco e chega, efetivamente, superlotado. Martiniano acha meio de se agarrar na
parte traseira, ajeita o balaio das laranjas como pode, por baixo do banco.
Desfaz o torço que trazia à cabeça e com o pano limpa o suor. O bondinho segue
a sua marcha entre o tilintar da campainha e as pagas do condutor, enfurecido
pela dificuldade de cobrar as passagens.
Aliás,
o taioba é sempre um bonde divertido e Martiniano pensa que a parte mais
divertida do seu dia é quando viaja nele. Não há os tais três primeiros bancos
onde não se pode fumar, não se exige gravata nem calçado. Não indo nu, tudo
está bem. Pode acender o seu cachimbo, espichar o pé descalço doído de tanto
caminhar, tirar seu cochilo ou dizer suas pilhérias, porque ninguém repara. E,
depois, o taioba é quase um prolongamento ambulante do Mercado. Tudo que o
Mercado tem o taioba também tem ou pode ter. Capoeiras de galinha, perus
amarrados pelos pés, leitoinhas gordas e gritadeiras, e até cabras e carneiros
viajavam nele. Caixotes enormes, balaios, malas de costura, móveis de toda
espécie, uma balbúrdia dos pecados. Mas por isso mesmo a viagem era mais
alegre.
– Ei, dona Maria. Vosmicê já pagou?
É
o condutor, vermelho do esforço que faz para romper caminho, o quépi jogado
para trás, as listas de sujeira aparecendo em toda a camisa e principalmente no
colarinho e nos punhos. D. Maria (o diabo do condutor acertou o nome!) acha que
é desaforo cobrar duas vezes e não responde. Vira o rosto num gesto malcriado.
Um
molequinho viaja de graça no estribo, procurando não ser visto. O taioba chegou
agora às Sete Portas e para, para tomar carga num armazém. É um volume grande e
não se sabe como poderá caber no meio de tanta gente. O espanhol, dono do
estabelecimento, está à porta, em mangas de camisa, cabelo lustroso de
brilhantina.
– Qualé, seu Serafim!, desista que esse
mondrongo não pode caber aqui.
– Tem que caber de qualquer jeito, meu
santo.
– Mas como?
– Ora, muito simples. Vocês vão sentados em
cima do volume e eu não cobro nada por isso.
– Quá!
E
fez-se o que o espanhol queria. O gringo, afinal, era camarada.
#####
Cinco Poemas de Guilherme Dias Gomes
AVIÃO
O avião parece
Uma abelha rútila de aço
Aflita por pegar o sol,
Que é uma rosa de fogo
Transplantada no espaço.
Zumbe, trepida, na ânsia de alcançar
A corola de luz para sugar.
Avião!
Pareces bem o coração da gente
Lutando para beijar o sol
eternamente!
Inutilmente.
(Salvador. O Momento. Ano I, nº5, 15.
nov. 1931).
POEMA DAS MÃOS
Há poemas inteiros no côncavo das mãos:
Na angústia milenar das falanges lendárias
pela ânsia de agarrar o mais puro e mais alto;
na palma aveludada das mãos que acariciam,
mãos de noiva…
Nas mãos gordas de bebê, leite e seda rodada
com pedaços de luz na carne perfumando;
na mão que anseia e na que renuncia,
há poemas de dor em versos de agonia.
Quanta angústia nas mãos descarnadas do mendigo
que morre à fome, exangue, nas estradas,
e o sol encontra em crispações nervosas,
no horror das últimas geadas!
E nas mãos negras do assassino,
pálidas, escorrendo
longos fios de sangue pelos dedos!
Quantos poemas
no prestígio das mãos esguias que dançam no teclado,
despetalando sons pelo silêncio:
Oh. O mágico fascínio das mãos longas
que bordam lentamente
no coração da
gente.
a arabescada doida de belezas bizarras
com a lã policromia das nuvens do poente!
e quando
sentindo em si as desgraças alheias!
nas mãos do pobre, pelos dedos rolos.
deixais cair moedas a mancheias…
Mas vos adoro sobretudo, ó mãos!
nas crispações violentas dos gestos de revolta
(Salvador, Etc., Ano VII. nº
216, 15, Jul., 1933)
GARGALHADA
Solta do peito os Iguaçus do riso
cascateando em borbotões sonoros.
O próprio sol é um gargalhar de lua
e na acácia do jardim,
florida,
os mil milhões de flores
são mil milhões de gargalhadas d’oiro
num desperdício fantástico de vida!…
Traze sempre contigo, o sol de uma gargalhada
e um riso amigo para as misérias todas
e a sombra da tristeza fugirá da estrada,
quando gargalhares tua gargalhada,
numa alegria festiva! De bodas!
(Salvador, Etc., Ano VII nº 218.
15. ago. 1933).
O TEU POEMA
Quisera que este poema
fosse o teu poema.
Que tivesse perfumes esquisitos
estonteantes
das matas verdes da minha terra,
das noites de luar da minha terra.
Quisera que este fosse o teu poema,
Que eu fizesse com raios de sol
e braçadas de flores,
onde cantasse o hino das manhãs radiosas,
Onde todos os pássaros cantassem
e cantassem todos os cantares
as toadas macias da minha terra.
Quisera por nestes versos todos os diamantes
dos garimpos ignotos de minh’alma,
todos os instantes
felizes da minha vida
e oferecer de joelhos
a ti a Deusa dos cabelos revoltos
a minha Deusa.
Então
para bordar estes teus versos
faria viagens arrojadas
por países diversos,
gastaria somas fabulosas
na descoberta de minas inexploradas
de ouro puro.
Mergulhadores desceriam à procura de pérolas.
Caravanas vistosas
levariam meses trazendo todas as riquezas
todas as belezas,
que eu desejaria incrustar no teu poema.
Mas vejo que é inútil o meu esforço,
inútil a minha tortura
(a cidade do sonho tem ruas de amargura),
teu poema está condenado a não sair de mim mesmo,
a morrer na garganta
balbuciante
com a tristeza das flores que não desabrocharam
e dos versos que não foram ditos…
(Salvador. Etc., Ano VII, nº 219.
31.ago.1933).
A MINHA BAILARINA
Minha bailarina loira, alvíssima de neve!
Que vejo em meio às gambiarras,
A tecer arabescos em passos lentos,
E leve, bem leve,
Me põe na vida por alguns momentos
A alegria inquieta das cigarras…
Minha bailarina loira, alvíssima de neve!
Que sempre vejo em sonho, noite alta.
Olhos verdes de mar
Perdidos a cismar.
A refletir as luzes da ribalta…
CLÓVIS AMORIM
(1912-1970)
Oriundo do Recôncavo baiano, de onde trazia as marcas dos canaviais, a
inclinação para agradável convivência e o gosto pela boemia, poeta satírico e
principalmente romancista, Clóvis Gonçalves Amorim foi um dos companheiros mais
animados e queridos da Academia dos Rebeldes. Espírito brincalhão e cultor da
boa conversa, era sempre aguardado com alegria e festa, quando de seus
regressos da cidade de Santo Amaro da Purificação, onde nasceu, por um detalhe
mais que hilário, tanto que veio a merecer registro satírico em versos de Jorge
Amado: era quando trazia a mesada de 90 mil réis, fornecida pelo pai
alambiqueiro, com os quais custeava as rodadas de bebida e acepipes no Bar
Brunswick, obrigatório ponto de encontro dos Rebeldes.
O pesquisador Gilfrancisco Santos assim descreve o personagem: “Com
quase dois metros de altura, Clóvis Amorim chegou a Salvador para cursar o
ginásio, mas não conseguiu viver na capital baiana, pois a única coisa que o
interessava era o jogo do bicho. Vivia das lembranças dos vícios do Recôncavo
baiano: apreciador e apostador nas brigas de galo, se desmanchando nos sambas,
cocos e chulas da Bahia”. (SANTOS, 2021)
Clóvis Amorim foi um ativo colaborador da revista O Momento e publicou os romances Alambique e Chão de
Massapê, sendo que o primeiro em 1934 (Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio); acolhido pela crítica, seria definido como obra enquadrada na
estética do novo romance nordestino.
Em artigo no jornal A Bahia,
no mesmo ano, o etnólogo Édison Carneiro, rebelde como ele, comentando o
romance, dizia tratar-se de um “acontecimento estranho, surpreendente, na
literatura nacional”, e explicitava o porquê: “Não há nele a luta do homem por
modelar a natureza à sua vontade. Pelo contrário, há uma verdadeira apatia nos
personagens desse drama – o da cachaça – até hoje desconhecido do Brasil. O
verde dos canaviais, as máquinas de fabricação da boa-pra-tudo, a moleza da
vida humana nessas regiões que o Progresso esqueceu, formam como que a única
realidade viva que se agita no livro”. (SANTOS, 2021)
O segundo romance só sairia muitos anos depois, em conjunto com a
reedição do primeiro por iniciativa do editor Gumercindo da Rocha Dórea, em
convênio de sua editora com o Ministério da Educação e Cultura (São Paulo:
GRD/MEC, 1980).
Quando faleceu em
Salvador, em 18 de agosto de 1970, coube ao poeta e seu amigo Godofredo Filho
pronunciar a oração fúnebre, perante os que compareceram ao velório de seu
corpo na câmara ardente da capela do cemitério do Campo Santo, na qual
afirmava: “Estou certo de que, quando se escrever, amanhã, a verdadeira
história literária da Bahia, a figura de Clóvis Amorim como poeta satírico
avultará, tal seu físico se agigantava em vida, sobre a planície cinzenta em
que pululam tantos pigmeus de nossas letras”.
Abaixo,
poemeto de recorte burlesco com que Jorge Amado celebrou, em edição de O Momento, a presença de Clóvis Amorim
entre os companheiros Rebeldes:
Mingau à meia-noite,
quando Clóvis Amorim
chegava, alto e destruidor,
de Santo Amaro,
com 90$000 no bolso
e a sua alegria boa.
Foram Clóvis Amorim
e Souza Aguiar
os grandes corações
que trouxeram um pouco de ternura,
de lirismo,
à aridez de nossas vidas literárias
horrivelmente literárias.
https://www.destaquenoticias.com.br/guilherme-dias-gomes-um-rebelde-potiguar-na-bahia/?fbclid=IwAR16z3_-SxtsoXBR_A76K9e2XE9jyRDb3oni39r4diXtTaiXjSmT2zEU1zQ
ÉDISON CARNEIRO (1912-1972)
Depois de Jorge Amado, dentre todos que
constituíam a grei da Academia dos Rebeldes, Édison de Sousa Carneiro foi o
nome seguramente a alcançar maior amplitude de reconhecimento nacional, talvez
por ser quem melhor traduziu a resposta do substrato negro-mestiço identificado
com formas de representação da cultura popular, que se amoldavam ao pensamento
estético propagado já como desdobramento da Semana de Arte Moderna, a partir de
São Paulo.
Ainda aos dezesseis anos de idade, cedo
começou a atuar em jornais e revistas locais, assinando artigos e crônicas, até
chegar ao posto de redator-chefe de O
Estado da Bahia. De origem modesta, pertencia a uma família que não lhe
podia oferecer qualquer regalia. Com toques chistosos, Jorge Amado descreve
esta condição do amigo Rebelde (1992): “O mais pobre de todos nós seria Édison
Carneiro, membro de família numerosa. O pai, professor Souza Carneiro,
catedrático da Escola Politécnica, mal ganhava para as despesas inadiáveis da
prole, consta que jamais pagou o aluguel da casa dos Barris – nós a intitulamos
de Brasil, por imensa e suja – com sótão e jardim onde vivia com a mulher e os
filhos: todos vestidos com as batas de professores da Politécnica, arrebanhadas
pelo catedrático”. AMADO, 1992) Entre os irmãos, estava Nelson Carneiro, futuro
advogado e grande tribuno, deputado estadual e federal, e senador, autor da Lei
do Divórcio, que chegaria a presidente do Senado, mas muito antes, mal se
diplomara em Direito, em Salvador (1900), exerceu a profissão de advogado em
Ilhéus, onde chegaria a prefeito, eleito em 1908.
Por efeito da descendência, cedo também
Édison Carneiro não só se identificou, como se empolgou com os múltiplos
aspectos sociais e místicos dos cultos populares de matriz africana,
tornando-se um de seus maiores estudiosos e talvez o seu maior e mais dedicado
defensor. Diplomado em Direito, em 1935, mudou-se em 1939 para o Rio de
Janeiro, onde já chegou com a fama de competente etnólogo. Em Salvador, ainda
como Rebelde, com Jorge Amado e Dias da Costa, lançou e liderou campanha em
defesa da liberdade de culto do candomblé, alvo de feroz perseguição policial,
com prisões, torturas e espancamentos.
“A
polícia invadia os terreiros, quebrava, prendia, espancava. Era terrível. Os
pais-de-santo não podiam fazer nada. Alguns políticos influentes tinham uma
certa ligação com o candomblé, mas escondiam essa ligação. (…) O apoio dos
políticos não era efetivo – davam dinheiro, ajudavam, mas na hora do pau comer,
eles tiravam o corpo fora”, relata Jorge Amado, que creditava ao amigo a sua
aproximação, interesse e respeito pelo culto do candomblé. Assegura que, ao
aderir à luta nesses tempos amargos para os seguidores desses rituais
assentados em sentimentos de humanismo plural, não iam aos terreiros “para
arrancar informações e, sim, no sentido fraternal de conhecer, de participar, e
sempre respeitando muito o lado sigiloso, secreto”. (AMADO, 1992)
Nessa linha participativa, Édison
Carneiro funda em 1937 a União das Seitas Afro-Brasileiras, no fundo uma
federação das casas de candomblé, fruto de seu trabalho como estudioso da
cultura negra. Além de atuar em jornais e revistas da Bahia e do Rio de
Janeiro, exerceu funções de redator de publicações do MEC (Ministério da
Educação e Cultura) e de diretor da Campanha de Defesa do Folclore. Morreu em 3
de dezembro de 1972, como funcionário da Confederação Nacional da Indústria.
Literariamente, além de sua
participação no fiasco editorial do romance juvenil Lenita, escrito juntamente com Jorge Amado e Dias da Costa e
publicado em 1929, dele se conhece, assim mesmo por descoberta que se deve ao
esforço do pesquisador baiano Gilfrancisco Santos, um conjunto de trinta poemas
de construção irreverente, próxima da primeira fornada modernista, publicados
sob a forma de folhetim em jornais, em 1928, sob o título de Musa Capenga. No restante, é autor de
vasta e consagrada obra etnográfica e folclórica, cuja publicação se inicia com
Religiões Negras. Notas de Etnografia
(Rio: Civilização Brasileira, 1936), seguindo-se outras 19, entre as quais: Negros Bantus (Rio: Civilização
Brasileira, 1937); Castro Alves – Ensaio
e Compreensão (Rio: Livraria José Olympio, 1937); O Negro no Brasil (Rio: Civilização Brasileira, 1940); Quilombo de Palmares (São Paulo:
Brasiliense, 1947); Candomblés da Bahia
(Salvador: Museu do Estado, 1948); Antologia
do Negro Brasileiro, 1950; A
Insurreição Praieira (Rio: Conquista, 1961); Ladinos e Crioulos (Estudo sobre o Negro no Brasil) - Rio:
Civilização Brasileira, 1964 (Apresentação de Manuel Diégues Júnior).
“Foi
assim que a cidade da Bahia de Todos os Santos encontrou o seu grande poeta e o
seu grande sociólogo. A imaginação o levou aos meios africanos, ao mistério das
macumbas, à beleza dos candomblés. O desespero da época fez com que ele
produzisse ensaios em vez de poemas. Agora sai seu primeiro livro: Religiões
Negras. Apesar de primeiro livro, não é livro de estreante. Aos 24 anos,
Édison Carneiro, mesmo sem livro, já era um grande nome.” (AMADO, apud SEIXAS,
2020)
EXTRATO
DE POEMA DE ÉDISON CARNEIRO
Ah, negra faceira!
Que tolice, minha negra,
[…]
que você tenha
espichado
seu cabelo.
Para que
essa beleza
artificial [?].
Vou ao Pau Miúdo
e trago,
para botar na sua porta
uma coisa feita,
dessas que fazem
morrer de amor,
preparada,
minha beleza,
pelas mãos
do grande mago
Jubiabá.
JORGE
AMADO (1912-2001)
Escritor
brasileiro mais conhecido no exterior, traduzido em dezenas de idiomas, e um
dos mais lidos do País, com mais de duas dezenas de livros publicados, Jorge
Amado de Faria nasceu na Fazenda Auricídia, em Ferradas, então distrito de
Itabuna, que dois anos antes se emancipara de Ilhéus, cidade onde por cerca de
dois anos residiria, em solar construído pelo pai, João Amado de Faria, hoje
sede da fundação cultural do município. Aos dez anos vai para Salvador estudar
no Colégio Antônio Vieira, onde completa o curso secundário. Inaugura sua
vocação literária, publicando três poemas na revista A Luva.
Em
1928, aos 16 anos, funda, em Salvador, com outros de quase a mesma idade, a
Academia dos Rebeldes, misto de exercício de boemia e aspirações literárias sob
influência da grande onda modernista, que poucos anos antes eclodira em São
Paulo, tendo como mentor deles o jornalista panfletário Pinheiro Viegas.
Escreve para a revista de único número, Meridiano,
órgão de propagação das ideias do movimento. Em 1931, muda-se para o Rio de
Janeiro, levando debaixo do braço os originais do seu primeiro romance, O País do Carnaval, com uma carta de
Pinheiro Viegas recomendando-o ao já então influente crítico literário Agripino
Grieco; aí, ingressa na Faculdade Nacional de Direito. Mas antes, ainda em
Salvador, cometera estripulia literária, de que depois se arrependerá,
representada pelo romance Lenita,
escrito a seis mãos, juntamente com dois de seus amigos Rebeldes, cujo fiasco
editorial ele próprio narraria, em tom de pilhéria.
“Dias
da Costa, Édison Carneiro e eu, em 1929, escrevemos em colaboração um romance
sob o título de El-Rey, publicado em
folhetim em O Jornal, órgão da Aliança Liberal na Bahia. Um editor do
Rio, A. Coelho Branco Filho – jamais esquecerei, pois foi o primeiro a colocar
meu nome na capa de um livro, o primeiro a me ficar devendo direitos autorais
–, lançou-o em volume em 1930, capa medonhosa, com o título de Lenita. Livrinho com todos os cacoetes
da época, Medeiros e Albuquerque o definiu: uma
pura abominação. ´Um único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim,
foi necessário que se juntassem três´” (AMADO, 1992).
Por
essa época, além de publicar o primeiro romance, aos dezenove anos, ingressa no
Partido Comunista Brasileiro e mete-se, com Édison Carneiro e outros, em
campanha pela defesa da liberdade religiosa, visando livrar de proibições e
perseguições os cultos de origem africana, como o candomblé, postura que lhe
consome anos de dedicação e luta. O segundo romance, bibliograficamente
reconhecido, Cacau, sairia em 1933,
ano em que se casa com a poeta Matilde Garcia Rosa. Segundo a crônica, o
envolvimento político leva-o à prisão e ao exílio, tendo inclusive exemplares
de sua obra, como o romance Capitães da
Areia, queimados em praça pública pela ditadura Vargas.
Preso
por várias vezes, a terceira ocorrida em 1942, recebeu beneplácito
discricionário de cumprir a pena confinado em Salvador, onde trabalhou no
jornal O Imparcial, então propriedade
do coronel Franklin Lins de Albuquerque, senhor do São Francisco e pai de seu
amigo e futuro escritor Wilson Lins. Em 1945, casa-se com Zélia Gattai e é
eleito deputado federal por São Paulo, para compor uma histórica Assembleia
Constituinte, em que figuravam altos representantes da inteligência e da
cultura brasileira (entre outros, Afonso Arinos, Armando Fontes, Gilberto
Freyre, Gustavo Capanema, João e Otávio Mangabeira, Luiz Carlos Prestes, Luiz Viana
Filho, Nestor Duarte, Plínio Salgado, Prado Kelly, Tarsilo Vieira de Melo),
responsável pela alta configuração democrática da Constituição Federal de 1946,
ao amparo da qual apresenta projeto de lei em favor da liberdade de culto
religioso no país, mas logo depois tem o seu mandato cassado (1947), após ser o
PCB lançado na ilegalidade. Segue então para a Europa, passando a residir em
Paris e Praga, onde escreve O Mundo da
Paz. Pelo conjunto da obra, em 1951, recebe o Prêmio Internacional Stálin,
regressando ao Brasil em 1956. Elege-se, em 1961, para a Academia Brasileira de
Letras e, dois anos depois, muda-se para Salvador, residindo em bucólica mansão
construída nos Altos do Rio Vermelho, hoje museu.
Escreveu
para diversos jornais e periódicos do Brasil, entre os quais O Jornal, O Estado da Bahia, O Imparcial,
Boletim de Ariel, Dom Casmurro, Diretrizes, A Tarde, Última Hora, Para Todos,
Folha da Manhã. A vasta e prolífera escritura de Jorge Amado, quase toda
marcada pela crítica social e pelas mazelas e injustiças que oprimem o ser
humano mundo afora, pode ser, aleatoriamente, distribuída por três vertentes: a
telúrica, cujo cenário são a região do cacau, o Recôncavo e o sertão; a urbana,
que tem como referência principal a cidade do Salvador, e a de conteúdo
estritamente político e memorialístico.
No
primeiro bloco, podem-se alinhar O País
do Carnaval (1931), Cacau (1933),
Suor (1934), Terras do Sem-Fim (1943), São
Jorge dos Ilhéus (1945), Seara
Vermelha (1946), Gabriela, cravo e
canela (1958), Tieta do Agreste
(1977), Tocaia Grande (1984). Do
segundo, seriam: Jubiabá (1935), Mar Morto (1935), Capitães da Areia (1937),
Bahia de Todos os Santos (1945), Os
velhos marinheiros, que inclui a novela
A morte e a morte de Quincas Berro D´água (1961), Os pastores da noite (1964), Dona
Flor e seus dois maridos (1966), Tenda
dos Milagres, (1969), O sumiço da
santa (1988), Tereza Batista cansada
de guerra (1972), Farda, fardão,
camisola de dormir (1979), A
descoberta da América pelos turcos (1992). Enfim, integrariam o último
grupo: ABC de Castro Alves (1941), O cavaleiro da esperança (1942), Amor de Castro Alves (1947), O Mundo da Paz (1951), Subterrâneos da Liberdade (I. Os Ásperos Tempos; II. Agonia da Noite; III. A Luz do Túnel, 1954); Navegação de Cabotagem (1992). E, como
curiosidade, um de poesia: A Estrada do
Mar, 1938.
Jorge
Amado morreu em Salvador, em 6 de agosto de 2001, a quatro dias de completar 89
anos. A ligação ainda juvenil com a religião dos orixás fê-lo obá do candomblé
Axé Opô Afonjá e, talvez por isso, como anota Alberto da Costa e Silva, “uma
das últimas homenagens no seu velório tenha sido prestada por um grupo de mães
de santo, que, vestidas inteiramente de branco, lhe encomendaram o corpo”. (SILVA,
2010)
Além
de ser um autor de imensa popularidade, com uma obra fiel aos princípios do
humanismo e quase toda associada à crítica social e à denúncia das injustiças,
Jorge Amado foi também um extraordinário criador de figuras femininas em seus
romances, mas, só em 2013, surge o alvissareiro anúncio de que lhe seriam
abertas as portas dos estudos universitários, antes sempre a ele
misteriosamente fechadas, a começar por São Paulo. Segue abaixo criação de sua
raríssima lavra poética.
CANTAR DE AMIGO DE GABRIELA
Jorge Amado
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Palácio real lhe dei
um trono de pedrarias
sapato bordado a ouro
esmeraldas e rubis
ametistas para os dedos
vestidos de diamantes
escravas para servi-la
um lugar no meu dossel
e a chamarei de Rainha.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Só desejava uma campina
colher as flores do mato.
Só desejava um espelho
de vidro, pra se mirar.
Só desejava do sol
calor, para bem viver.
Só desejava o luar
de prata, pra repousar.
Só desejava o amor
dos homens, pra bem amar.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
No baile real levei
A tua alegre menina
vestida de realeza
com princesas conversou
com doutores praticou
dançou a dança estrangeira
bebeu o vinho mais caro
mordeu uma fruta da Europa
entrou nos braços do Rei
Rainha mais verdadeira.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Manda-a de volta ao fogão
a seu quintal de goiabas
a seu dançar marinheiro
a seu vestido de chita
a suas verdes chinelas
a seu inocente pensar
a seu riso verdadeiro
a sua infância perdida
a seus suspiros no leito
a sua ânsia de amar.
Por que a queres mudar?
AYDANO DO COUTO FERRAZ
(1914-1985)
Graças à
sua vocação para o jornalismo, que exerceu por toda a vida, Aydano Pereira do
Couto Ferraz foi um dos mais ativos membros da Academia dos Rebeldes, deixando,
como marcas de sua participação no movimento modernista, coletâneas de ficção e
poesia sobre o mar. Diplomado em Direito (1937), permaneceu em Salvador até
1939, quando se transferiu para o Rio de Janeiro e lá fixou residência. Exerceu
funções de editor em O Jornal e de
coordenador de Redação no Correio da
Manhã.
Tanto na
Bahia como no Rio, com Jorge Amado e Edison Carneiro, empenhou-se na luta em
defesa da liberdade religiosa, atuando firmemente contra perseguições às
práticas do candomblé. Na esfera pública, ocupou cargos de técnico em educação
e de comunicação social, editando revistas do Ministério da Educação e Cultura.
Como político, foi por muitos anos ativo dirigente do Partido Comunista
Brasileiro.
Escritor e poeta, publicou ainda
em Salvador Apicuns (Novelas Praieiras),
em 1932, e Cânticos do Mar, em 1935,
que receberam boa acolhida por parte da crítica. Como nutria visão utópica e
humanista da vida e da sociedade, o mar, o amor, a esperança e a liberdade
foram os temas prediletos de sua arte literária. Comentando o seu primeiro
livro, o crítico Carlos Chiacchio reconheceu nele “um pintor de marinhas”, e
ainda mais se revela um apaixonado pelo mar, no segundo, ao ponto de em seus
versos desejá-lo “serenamente enquadrado
no horizonte, / limpo de velas, de mastros e de ruídos das dragas do porto. / -
Um mar soberano, sem a vassalagem das ondas”.
Publicou mais três livros: Pequena História da Caricatura no Brasil,
1942; Os Poemas Perdidos e seu Reencontro
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/INL, 1984); A Luta do Símbolo (Belo Horizonte, 1985).
“Aydano Pereira do Couto Ferraz
se realizou amplamente como jornalista, foi diretor de jornal e revistas, mas
sobretudo poeta. Teve em vida duas grandes vocações: a poesia e a política. E
assim ficou a vida inteira, fiel à sua vocação inicial, à sua primeira
vocação.” (SANTOS, 2010).
Isto é, foi sobretudo um poeta,
mas um criador cuja obra não foi capaz de empolgar as gerações que o sucederam.
No dia seguinte a sua morte em Brasília, o
colunista político Carlos Castelo Branco, informou em sua coluna de 7 de agosto
de 1985, no Jornal do Brasil:
“O jornalista e escritor baiano
Aydano do Couto Ferraz, companheiro de geração e de vida literária de Jorge
Amado, foi enterrado ontem em Brasília, onde faleceu na véspera. Aydano teve
destacada atuação no Partido Comunista Brasileiro, na fase da atuação legal, de
1945 a 1947, quando exerceu a direção do jornal Imprensa Popular, órgão de
propriedade e de doutrinado velho PCB”. (SANTOS, 2010).
CANTO DA ESPERANÇA
Minha
esperança,
A asa azul do sonho
tocava minha fronte solitária
na noite em que te vi.
Se tu foras a aurora,
minha amiga,
não te quisera a ti.
Há que mil anos a aurora se repete!
Hás de ser sempre nova, matutina,
entre as névoas do céu te descobri!
Vê se despertas nesse peito rude
as notas sentidas que ele já exalou.
Fala do mar ao teu irmão poeta,
povoa de primaveras a sua alma,
sonhos no coração,
que em troca de um olhar
dou estes versos,
em troca de um sorriso
- uma canção -
Aydano do Couto Ferraz - (In Os poemas
Perdidos e o seu Reencontro. Rio de Janeiro,1950.)
WALTER RAULINO DA SILVEIRA
(1915-1970)
Último a
ingressar nas hostes da Academia dos Rebeldes, mais disposta a acolher nomes
inclinados ao exercício da literatura e do jornalismo, sem qualquer interesse
por outras linguagens, até mesmo as artes plásticas e a música, o que pode ser
debitado, na época, à predominância do conservadorismo nesses campos, baiano de
Salvador, Walter Raulino da Silveira viria a projetar-se no cenário cultural
como “homem de cinema”, tal a sua precoce identidade com a Sétima Arte, em
nível até de pioneirismo regional, e advogado, com larga fama de defensor de
operários e favelados, por seu vínculo com o Partido Comunista Brasileiro, de
1945 a 1957.
Diplomado em 1935, a opção
política levou-o a abandonar o cargo de juiz de Direito para abraçar a carreira
de advogado trabalhista, chegando a atuar como causídico de 26 sindicatos
operários. Na esfera política, exerceu mandato de deputado na Assembleia
Legislativa da Bahia de 1955 a 1959.
Grande fomentador cultural, desde
a juventude, tornou-se figura exponencial do desenvolvimento do cinema no
estado, a partir da fundação do Clube de Cinema da Bahia, em 1950, quando
também atuou como colaborador de Caderno
da Bahia, revista representativa do movimento artístico e literário que
surgira em 1948, revelando nomes como Mário Cravo Jr., Carlos Bastos e Rubem
Valentim, nas artes plásticas, Vasconcelos Maia, na ficção literária, e Wilson
Rocha e Jair Gramacho, na poesia, Heron de Alencar e Darwin Brandão, no
jornalismo.
Walter da Silveira publicou seu
primeiro texto sobre cinema no jornal da Associação Universitária da Bahia, sob
o título de “O Novo Sentido da Arte de Chaplin”, enfocando o gênio do cinema,
de cuja obra e imagem pública se tornaria respeitado estudioso e admirador
confesso, ao ponto de, já desenganado, antes de morrer de câncer, fazer de
Jorge Amado, seu grande amigo, portador de uma carta a Charles Chaplin, junto
com um exemplar de livro seu sobre o célebre criador de Carlitos, missão
fielmente cumprida.
“Antes de falecer, Walter recebeu
duas cartas, remetidas ambas da residência do mestre maior do humanismo em
nosso século: uma do escritório, despacho formal da secretária, acusa a chegada
do volume e agradece. A outra, carta pessoal de Charles Chaplin: sensibilizado
fala do livro, mensagem de estima e afeto, calorosa”. (AMADO, 1992).
O estímulo ao debate cultural em
torno da Sétima Arte permitiu-lhe alavancar várias iniciativas, entre as quais
a criação de curso de cinema ministrado no âmbito da Universidade Federal da
Bahia e a realização do Ciclo Baiano de Cinema, referência para tornar Salvador
em polo de vanguarda criativa e matriz de nascimento do Cinema Novo, movimento
artístico que irá empolgar o país. Mentor desse afã cultural, Walter da
Silveira contribuiu para a formação de uma geração de cineastas na Bahia –
Glauber Rocha, Roberto Pires, Paulo Gil Soares, Orlando Senna, Guido Araújo,
José Umberto, Olney São Paulo, Luiz Paulino, Tuna Espinheira, entre outros.
Mestre da crítica
cinematográfica, publicou artigos sobre cinema e estética em jornais e revistas
de Salvador e do Sul do país, além de participar do júri de festivais de
cinema, nacionais e internacionais. A sua bibliografia reúne as seguintes
obras: Fronteiras do Cinema (Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966); Imagem
e Roteiro de Charles Chaplin (Salvador: Mensageiro da Fé, 1970); História do Cinema Vista da Província
(Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978); O Eterno e o Efêmero (Salvador: Secretaria da Fazenda/ Secretaria
da Cultura e Turismo do Estado da Bahia/ Oiti Editora e Produções Culturais, 4
vols., org. de José Umberto, 2006).
FONTES
CONSULTADAS
ABREU,
Bráulio de. Longevidade para a poesia. (Depoimento). Salvador: A
Tarde Cultural, pp. 2 e 3, 1998.
AMADO, Jorge. Navegação
de Cabotagem. Rio de Janeiro: Editora Record, 1992.
AMADO, Jorge. ALVES RIBEIRO (Especial para A
Tarde). Salvador: A Tarde, 29 jun. 1976, p. 4.
ASSIS,
Herculano e FELICÍSSIMO, Gustavo. Sosígenes Costa – Cobra de duas cabeças;
poesia e prosa encontradas e inéditas. Ilhéus (BA): Editora Mondrongo,
2011.
BENJAMIN,
Walter – El París de Baudelaire. Tradução de Mariana Dimópulos. Buenos
Aires: Eterna Cadencia Editora, 2012.
BORGES, Jorge Luis. Textos Recobrados (1919-1929). Buenos Aires: Emecê Editores, 2007.
FELICÍSSIMO, Gustavo. Um canto parnasiano: a poesia de José Bastos. Jornal
Agora, Caderno Banda B,
Itabuna, 30 maio 2010.
FRANCK, Dan. Boêmios.
Trad. Hortência Santos Lencastre. São Paulo: Editora Planeta do Brasil., 2004.
FRANCK, Dan. Nu
Deitado (romance). Trad. Maria do Carmo Abreu. Lisboa: Asa Editores, 2000.
GOMES, João Carlos Teixeira. Camões contestador e outros ensaios.
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1979.
HAZAN, Eric. A invenção de Paris: a cada
passo uma descoberta. Tradução de Mauro Pinheiro. São Paulo: Estação
Liberdade, 2017.
JOZEF,
Bella – Jorge Luis Borges. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora,
1996.
MARQUES,
Nonato. A poesia era uma festa. Salvador: GraphCo Editora, 1994.
MARQUES,
Nonato. Uirapuru da métrica. Salvador: A Tarde Cultural, p.12,
07.03.1998.
MATTOS, Florisvaldo. Poesia em tempos de boemia literária.
Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, n. 51, jul. 2013.
MATTOS, Florisvaldo. Travessia de oásis: a
sensualidade na poesia de Sosígenes Costa. Salvador: Secretaria da Cultura
e Turismo do Estado da Bahia, 2004.
MATTOS, Florisvaldo. Paraísos nada
artificiais. Salvador: A Tarde
Cultural, 03 fev. 2001, p. 8.
PAULA, Flávio de. Apóstolos do Sonho. Salvador, BA: Empresa Gráfica
Limitada, 1952.
PAULA,
Flávio de. Cada grupo, um Café. Salvador: A Tarde Cultural, p.
9.03 fev. 2001.
PAZ,
Octavio. Convergencias: ensaios sobre arte e literatura. Rio de
Janeiro, RJ: Rocco, 1991.
PÓLVORA, Hélio. Ensaio, in A Sosígenes com afeto. Salvador: Edições Cidade da Bahia, 2001.
ROSSI, Luís Gustavo Freitas. Academia dos
Rebeldes e o modernismo literário da Bahia, nos anos 1920. Disponível em: https://cdsa.aacademica.org/000-066/1213.pdf. Captado em: 19/01/2021.
SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. 1ª ed., 1981; 2. ed. reesc. ampl.,
Salvador: Casa de Palavras, 2009.
SANTANA, Valdomiro. Samba. Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento. Edição
fac-similar, Salvador, Nº 1-4, 1999.
SANTIAGO, Cybèle Celestino; CERQUEIRA, Karina Matos
de Araújo F. Sobre arcos e bondes: resgatando a memória urbana de
Salvador.
Salvador: Edufba, 2019.
SANTOS, Gilfrancisco. Pinheiro Viegas e o epigrama na Bahia. Salvador: A Tarde
Cultural, 15 de dezembro de 2001. Disponível em: jornadaonline.blogspot.com. Captado em: 18.08.2020.
SANTOS, Gilfrancisco. O Rebelde Alves Ribeiro. (Aracaju/SE:
08 de novembro de 2010). Disponível
em: http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2010/11/o-rebelde-alves-ribeiro.html
Captado em: 18/08/2020.
SANTOS, Gilfrancisco. - Pinheiro Viegas na imprensa do Rio de Janeiro (Pesquisa realizada
na Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: literaturanabahia.blogspot.com/2018/08/viegas-na-imprensa.html.
S. d. Captado em: 25.08.2020.
SANTOS, Gilfrancisco – Guilherme Dias Gomes: um
rebelde potiguar na Bahia. Disponível em: http://jornalistaepoetajoisalberto.blogspot.com/2009_08_16_archive.html.
Captado em: 19/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco Santos – O jornalista Aydano
do Couto Ferraz. Disponível em: https://evidencie-se.com/o-jornalista-aydano-do-couto-ferraz/,
2010. Captado em: 19/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco – Clóvis Amorim, o romancista
do Recôncavo. Disponível em: https://evidencie-se.com/clovis-amorim-o-romancista-do-reconcavo/
Captado em: 18/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco. Sosígenes Costa: Crônicas & poemas recolhidos. Salvador:
Fundação Cultural de Ilhéus, 2001.
SCALDAFERRI, Sante. Primórdios da Arte Moderna na Bahia. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado; Museu de Arte Moderna da Bahia; Fundação Cultural
do Estado da Bahia, 1997.
SEIXAS, Cid. A poesia de Edison Carneiro redescoberta por
Gilfrancisco. Disponível em: literaturanabahia.blogspot.com.br e também
em: http://www.arquivors.com/cidseixas1.htm
(s.d.). Captado em: 09.12.2020
SEIXAS, Cid. Triste
Bahia: Oh Quão Dessemelhante: notas sobre literatura na Bahia. Salvador: EGBA, 1996.
SEIXAS, Cid. “Modernismo e diversidade: impasses e
confrontos de uma vertente regional”. Légua & Meia – Revista de Literatura e Diversidade, Feira de
Santana, Ano 3, n. 2, 2004.
SEIXAS,
Cid – Rebeldes de Academia: contradição e coerência. Disponível em: http://jornadaonline.blogspot.com/2010/08/rebeldes-de-academia-contradicao-e.html. Acesso em:
11.12.2020.
SEIXAS,
Cid – 1928: Modernismo e maturidade – A Literatura na Bahia. Disponível
em: http://www.e-book.uefs.br/pdf/1928.pdf e em:
http://www.linguagens.ufba.br/pdf/1928.pdf.
Captados em: 19/03/2021).
SILVA, Alberto da Costa e. Jorge Amado
Essencial
(Seleção e Prefácio). São Paulo: Penguin; Companhia das Letras, 2010.
SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda
baiana. 2006. Universidade
Estadual de Feira de Santana, 2006. Disponível em www.dominiopublico.gov.br e http://livros01.livrosgratis.com.br/cp000515.pdf.
Captados: 28/08/2020.
BIOGRAFIAS SINTÉTICAS
Agrupam-se
a seguir, sob o rótulo de biografias sintéticas, catorze membros da Academia
dos Rebeldes, adotando-se para tanto um critério de seleção entre os mais
citados por pesquisadores e comentaristas, como assíduos colaboradores das
revistas do grupo, Meridiano e O Momento, que circularam entre 1929 e
1932, participantes das ações socioculturais e desfrutes de boemia do grupo,
como também os que, entre eles, cumulativamente ou não, alcançaram proeminência
em campos da literatura ou de atividades outras, como o jornalismo, a política
e os estudos científicos, obtendo reconhecimento regional, nacional ou mesmo
internacional.
Algum
curioso leitor poderá observar que, em se tratando de biografias, dispostas
pela ordem do ano de nascimento dos biografados, faltam maiores indicativos
cronológicos às narrativas. Sem dúvida. Explica-se: no presente caso, o fulcro
do interesse por cada um dos nomes da lista procurou centrar-se na expressão e
significado do seu desempenho para os fins colimados do projeto intelectual e
político que os unia, optando-se por uma exposição sucinta das respectivas
trajetórias.
PINHEIRO VIEGAS (1865-1937)
Talvez mais por sua fama de
jornalista panfletário, conquistada desde o Rio de Janeiro, onde viveu mais bem
reconhecido como agitador cultural, intelectual corrosivo e desagregador, do
que como mestre e líder de um movimento literário, João Amado Pinheiro Viegas
nasceu em Salvador e, segundo o pesquisador Gilfrancisco Santos, morreu num dia
de novembro, “abandonado pelos poucos amigos que tinha”, em Itacaranha,
subúrbio da capital, sem receber qualquer homenagem póstuma, sequer merecer
registro obituário na imprensa, mas talvez como um alívio para “a mediocridade
empavonada e vitoriosa, a quem jamais poupou com a sua sátira” (2001).
Jorge Amado, que se dizia surpreso por ter ele o prenome e o primeiro
sobrenome iguais ao de seu pai, João Amado, o define como patrono da Academia
dos Rebeldes e poeta baudelairiano, “panfletário temido, epigramista virulento,
o oposto do convencional e do conservador, personagem de romance espanhol,
espadachim”. Entretanto, não foi somente a marca do mentor a se fixar em sua
memória. Pinheiro Viegas era mais. “Um homem avançado para os padrões da
época”, assinalando que “havia participado da campanha civilista, ao lado de
Rui Barbosa e trabalhado vários anos no Rio” (AMADO, 1992). Nômade, pouco se
sabe de descrição objetiva desse nomadismo; apenas que percorreu o Brasil, de
norte a sul, como poeta e jornalista, e que no Rio fez boemia como integrante da
turma de Lima Barreto.
Poeta
panfletário e ferino epigramista, quando viveu no Rio de Janeiro, Pinheiro
Viegas atuou no jornalismo, alcançando prestígio e admiração, entre leitores e
literatos de proa, apesar de poucos saberem de sua vida em privado, à exceção
de alguns amigos, entre eles o crítico literário Agripino Grieco (1888-1973),
que, de tão próximo, não o esqueceria em suas memórias de 1972, ao evocar
visita que fez a seu misérrimo endereço, que companheiros de tertúlias diziam
situar-se “lá para as bandas do Cais Pharoux”.
“Uma
tarde, fez questão de levar-me ao cubículo infecto da rua do Mercado, onde
dormia numa rede, entre duas cadeiras pernibambas, mas onde se destacavam, numa
estante, não de todo desgraciosa, volumes riquissimamente encadernados em
França, dos seus poetas blasfemos, malditos, Baudelaire, Verlaine, Corbière,
Rimbaud, volumes que ele não venderia por preço algum, mesmo em dias de fome
agudíssima”.
Muitos
de seus panfletos em versos se propagaram, fosse a partir da Bahia, fosse do
Rio de Janeiro, publicados em veículos diversos, como o de maior repercussão
entre eles, sob o título de A Re Pública
– Carta ao Marechal Deodoro, que mereceu comentários elogiosos de variada
autoria, do qual adiante vão alguns excertos e sobre o qual assim escreveu, em
estilo próprio da época, um redator no nº 374, do Pequeno Jornal carioca, em 21 de maio de 1891:
“A Re Pública – É o título de um panfleto
que temos entre mãos, em estilo epistolar bem metrificado em alexandrinos e
dirigido ao Sr. marechal Deodoro, assinado por Pinheiro Viegas. Não sabemos
onde foi impresso; com toda a certeza o impressor, cidadão garantido pela nossa
Constituição republicana, receou, o que? Alguma empastelação”.
Viegas
cumpriu os cursos primário e secundário no então Ginásio da Bahia;
bacharelou-se em Letras e ingressou no Curso de Direito, abandonando-o, para se
dedicar ao jornalismo. Trabalhou em O
Imparcial, mas o deixou, quando o jornal foi vendido aos integralistas,
força política emergente da época, assumindo o seu comando dois dos, ao tempo,
chamados “galinhas-verdes”, em alusão às cores da militância ideológica, Mário
Simões, diretor de redação, e Mário Monteiro, diretor financeiro. É, dessa
ocasião, epigrama famoso de Viegas, composto para registrar satiricamente o
acontecimento.
Mário Simões bis Monteiro
Remontaram O Imparcial.
São quatro mãos no dinheiro,
São quatro pés no jornal.
Em
Salvador, onde verdadeiramente se tornaria conhecido e influente, antes de
fundar e liderar a Academia dos Rebeldes, frequentou o grupo de Samba, cujos membros se mostravam
engajados no combate ao conservadorismo, mas sem que estivessem efetivamente
identificados com a corrente renovadora do modernismo. Apesar de publicações
dispersas, seja como poesia, crônica ou panfleto, Pinheiro Viegas deixou apenas
um livro de poemas, Brasil Prosa e Verso
(Salvador: Gráfica Popular, 1931), mas com autoria sob o pseudônimo de Sophos
Arnaud.
Abaixo, sete de seus
sonetos e excertos de um folheto em alexandrinos, criações essas, hoje,
raridades.
MEDALHÃO GREGO
Escuto Debussy. A noite. O luar. O
oceano,
Recordo-o. Onde isso foi. Eu não o sei. Perdi-o.
Era o efebo irreal – grego mármore humano
Olhei-o. Olhou-me. Riu. É um demônio. Eu rio.
Belo mármore jônio impassível – engano!
Os olhos verdes maus, a grenha negra, vi-o.
As suas níveas mãos, nervosas, tinham frio
Nas teclas de marfim e de ébano do piano.
A boca – flor de sangue – em claros
risos francos
Mostra-me, alegre, os seus trinta e dois dentes brancos.
O amor – interjeição – duas sílabas métricas.
Uma por uma eu vi todas as suas
baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.
MÚSICA NOTURNA
Abro a janela. Escuto. Enche todo o ambiente
Essa música irreal do violão de um tzigano,
Feita de longos ais do coração humano,
Fora, no ermo, ao luar, desoladoramente.
Lembro a imagem lirial da pulcra e eterna ausente,
Longe, o meu país natal, Glauco e múrmuro oceano,
O doce lar tranquilo, o jardim redolente,
Na plaga verde e azul sob o céu pompeano.
Do violonista boêmio, o sem pátria no mundo,
Como a dizer à noite e ao plenilúnio: – “Ouvi-me!”
Tem uma alma esse violão toda nervosa e quérula…
Guay em guay, corda a corda, assim ele é sublime:
Escuto-o em pranto, à janela, o silêncio profundo,
A paisagem do exílio ao luar de madrepérola!
(Gil Blas.
Rio de Janeiro, Ano I, nº26, 7 de agosto, 1919)
ESFINGE
Leão e mulher, – de pedra o monstro, – é a esfinge
obscura
Do cruor do orgulho humano em meio ao labirinto:
– O Tudo e o Nada, a Vida e a Morte, o Sonho e o
Instinto,
O Espírito e a Matéria, o Criador e a Criatura.
De granito, – enigma eterno, – olhando os sóis na
altura,
– Mora o deserto areal de um grande oceano extinto.
Na queda boca imita, – o néctar feito absinto,
– Mostra ao Ser e ao Não-Ser pétrea ironia dura.
O Orbe em retorno ao Caos e a Volúpia ao Nirvana,
Abre ao infinito azul as órbitas bizarras,
Da plástica ao psiquê, divina, sendo humana.
Rebelde ao Anjo, – a Besta é o delírio e a nevrose:
Tem do Gênio ou do Herói os fantos entre as garras
Sob a lua de um Sonho e ao sol de uma Apoteose!
(Gil Blas.
Rio de Janeiro, Ano II, nº55, 25 de fevereiro de 1920)
J.N.R.J.
Jerusalém. Por fim de surpresa, aparece
(É o moço gênio hebreu mestre de pulcritude!)
E fala a turba ignara afeita ao trato rude
Sobre o credo que exsurge… avulta… aumenta…
cresce…
Dizem: - “Eis o Homem Deus!” – Ele sorri. Parece
Branco lírio imperial sobre negra palude.
Tem nos olhos, no rir, no andar, na celsitude,
A beleza toda irreal de um poema ou de uma prece.
Como poeta ele adora a natureza. E o verbo
Sai-lhe do lábio, ao vê-la, em surto ao céu e aos
astros,
Dentro a cidade hostil no transe mais acerbo…
À pobre argila humana é a glória inatingida:
Ao lembrá-lo, no mundo, há de sorrir seus rastros
Quem faz por uma ideia o holocausto da vida.
Rio, 1920
O CORVO
Sobre um tronco pousado e indiferente ao coro
Dos pássaros no azul e as serpes no chão rasas,
Mesto, os olhos de treva – abrindo em duas brasas –
Ei-lo na hora púnica em luto imorredouro.
Ele põe-se a grasnar, de chofre, em riso e choro,
A saudade
letal das expulsíceas vasas
Qual sarcasmo funéreo à
volúpia das asas
E ao pôr do sol de outono
a broslar o céu de ouro.
Tomba do monte do vale a noite. E então na treva
Tem do corvo de Poe negra nevrose estranha,
Que em silêncio da morte a alma gnomes ceva.
Triste ausência da lua morre! Banha
A paisagem de sonho o luar que então se eleva
No espaço de ter turquesa ao topo da montanha.
(Vida Carioca.
Rio de Janeiro, Ano I, nº2, 22 de janeiro de 1921)
SPLEEN
O laudano ao café. Lethes. O eterno sono.
Ponto final do amor de poema ou de novela.
Entra em meu quarto o luar de ouro fosco de outono.
Espero-te. Não vens. Cismo, chego à janela.
Tic, tac, o relógio é monótono absono.
No teu autorretrato antigo em aquarela,
Tenho a ilusão de ver-te a pose de abandono.
Sendo humana, és divina! e sendo cruel, és bela!
Certo de minha dor hoje um poema eu não faço…
Lápis verde escreve em uma folha de almaço
Maus versos, versos maus, nesses meus hieroglifos.
Cai-me o papel das mãos: - São meus
quatorze versos!
Meu gato Angord, de gris-verdes olhos perversos –
Do chão num salto, apanha-o e rasga-o entre os seus
grifos.
(O Mundo
Literário. Rio de Janeiro, 5 de junho, 1923)
ELA
Entra. Despe-se. E nua, a rir, sem cerimônia.
(Ela é a visão celeste e a femina
terrena),
Negros olhos de ônix, solta a bruma melena,
Anda, à noite, em meu quarto, ao léu da minha insônia.
Cismo: é a Tzigana, a musa, a madona, a demônia,
A mandrágora, a eufórbia, a reflesia a açucena,
Grande, soberba, irreal, pulcra, nívea, serena,
Frio alabastro nu de vedra estátua Jônia.
Alva argêntea, lunar, dúbia, eu sonho, imprecisa,
(Para a sua psique só mesmo a sua plástica!)
Ela faz-me lembrar, Da Vinci, a Mona Lisa.
Cai-lhe sobre a nudez o amplo peplo vermelho.
Depois,
nada!… Ilusão! E eu só vejo fantástica,
A máscara da lua, a rir, no meu espelho.
(Boletim de Ariel. Rio de Janeiro, 09 de
outubro, 1935)
MONSTRO VERDE
Meia noite. No bar, ele ao piano, o Diabo!
O espelho contra o espelho é um fogo de artifício.
O meu copo de abismo é o meu mundo fictício.
Sou pachá, mandarim, sibarita, nababo.
Rindo, vejo, em redor, então, em menoscabo,
O quadro nu plebeu do amor venal de ofício.
Ébrio só de ilusões!… mais ilusões… e, ao cabo,
O absinto, o Monstro Verde, adoro-o! ele é o meu vício!…
Lá fora, o céu de inverno, o vento, a chuva, o frio.
Os verdes olhos maus, a grenha bruna — vi-o.
Mais belo é o mundo assim em linhas assimétricas.
De chofre, vejo, então, todas as suas baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas.
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.
TEBAIDA
A paisagem vernal de sonho
e de aquarela.
O monte, o vale, o rio, o
céu, são meus vizinhos.
Da janela eu contemplo o
dia quase ao termo:
É a cabeça de um Deus a
sangrar sob espinhos.
Triste e só, por não vê-la,
eu vou ficando enfermo.
Creio vê-la outra vez, meu
coração me bate,
Os seus olhos azuis nos
verdes do meu ermo.
O palor de alabastro, a
coma de ouro mate,
Penso vê-la outra vez,
antes eu nunca a visse!
Leda, a boca a sorrir, é
uma rosa escarlate.
É a carícia nupcial e a sororal meiguice:
Enlaçada, sutil,
deslumbrante e bela,
Na música do céu das coisas
que me disse.
A paisagem vernal de sonho
e de aquarela.
A RE PÚBLICA - CARTA AO
MARECHAL DEODORO
(Excertos)
Marechal, sou plebeu, um simples democrata.
Um forte coração, uma alma intemerata,
Eu jamais me curvei a um rei ou ditador
Nunca tive ambições de ser comendador.
Barão, duque, marquês. Detesto a fidalguia.
Odeio o sangue azul e esta aristocracia,
Que campeia entre nós, assim, com altivez!…
É grande cobardia, estranha insensatez.
Ninguém vir protestar contra o nefando crime,
Que a todos nos suplanta e a todos nos oprime!
(…)
Por que vós consentis assim impunemente
Aviltar a nação com jugo prepotente
Dos vossos cortesãos, ministros e fascistas,
Democratas que são no fundo monarquistas,
Hipócritas, sandeus, bandidos, argentários,
Palhaços e ladrões, fidalgos, mercenários
Infames histriões, curvados abissínios,
Que vem das podridões e dos esterquilínios?
(…)
Para salvar da Pátria a triste ruinaria
Das ondas colossais da velha oligarquia
É preciso titãs, preciso é, lutadores…
Abaixo a Ditadura! Abaixo os Ditadores!
Para longe de nós os triviais mandões,
Que vendem com desplante as terras das Missões
Por um punhado d’ouro aos monstros do egoísmo!…
Para longe da Pátria os corvos do cinismo,
As hostes da desonra, as hostes assassinas,
Que vivem de explorar tesouros nas ruínas!…
Preciso é reagir, preciso é dar batalha,
Contra o velho terror da grande e vil gentalha,
Que tem mil europeus, palácios e festins,
Como os grandes pachás e os nobres mandarins,
Que traz gravata branca e luvas de pelica
E tem ostentações de messalina rica…
(…)
A miséria, o terror, a fraude e a corrupção!
Fermentam no Brasil grande Revolução!
A Cruzada.
São Luiz do Maranhão, Ano II, nº 211, 26 de junho de 1891)
SOSÍGENES
COSTA (1901-1968)
Foi
preciso que transcorressem nove anos de sua morte e quase vinte da edição única
em vida de seu livro Obra Poética
(Rio de Janeiro: Leitura, 1959), pela qual recebeu o Prêmio Jabuti, em1960,
para que se viesse situar esse grande poeta grapiúna, conforme feliz observação
de Jorge Amado, “no lugar que lhe compete na lírica brasileira”, fazendo
desembocar a sua obra no reconhecimento da crítica e história literárias. E,
por fim, tudo se daria num galope, quase frenético. Pelas mãos do paulista José
Paulo Paes, em 1977, a editora Cultrix publica Pavão, Parlenda, Paraíso,
com penetrante análise crítica e pequena antologia do poeta nascido em Belmonte
(BA). Logo em seguida, pela mesma editora, em 1978, Paes reedita a Obra
Poética ampliada, completando-se a faina de sua inserção, com a edição de Iararana
(São Paulo: Cultrix, 1979), a epopeia cabocla do cacau, em que, submetendo
esta consagrada forma poética “aos signos dessacralizadores da paródia”,
segundo Cid Seixas, o poeta vai além dos inventos pioneiros de Mário de
Andrade, em Macunaíma, ou de Cassiano Ricardo, em Martim Cererê,
justamente por sua patente “rebeldia diferencial”. (SEIXAS, 2004)
Essa
longa imersão na indiferença da crítica e, praticamente hoje, nas geleiras do
esquecimento, em muito, se deveu e se deve ao temperamento enormemente retraído
do belmontino, que viveu em Ilhéus, onde fixou residência em 1926, para ocupar
a função de telegrafista dos Correios e, depois, de secretário da Associação
Comercial de Ilhéus, quase sem ser percebido, até mudar-se para o Rio de
Janeiro, aposentado, em 1954. Com a fama de “arredio, pedante e asceta”, fazia
supor houvesse “erguido ao seu redor um muro de discrição e silêncio”, segundo
observou Hélio Pólvora, para concluir: “Além de proteger-se contra
contaminações maldosas da ambiência, tinha necessidade de solidão para criar”
(PÓLVORA, 2001).
Talvez
por ter preferido viver em Ilhéus, praticamente isolado, garante Jorge Amado, a
militância de Sosígenes Costa limitou a sua participação na Academia dos
Rebeldes aos dois últimos anos da década de 1920 e ao início da década de 1930,
mas, pela sua qualidade de poeta, era dele que se valiam os outros amigos
Rebeldes, nas emulações da época, para enfrentar a constelação de nomes que
fulguravam nos outros dois grupos concorrentes (Samba e Arco & Flexa),
como Godofredo Filho, Carvalho Filho e Hélio Simões, opondo-lhes “sua poesia
original, suntuosa, bela, capitosa, como vinho generoso” (AMADO, 1992), que,
por mais incrível que possa parecer, está hoje praticamente esquecida, embora
ultimamente tenham sido publicadas duas antologias de poemas seus, ambas
organizadas pelo escritor Aleilton Fonseca: a primeira, pela Global Editora, de
São Paulo; a outra, pela Academia de Letras da Bahia, em convênio com a
Assembleia Legislativa da Bahia (2017). Sosígenes Costa morreu no Rio de
Janeiro, em 5 de novembro de 1968, faltando cinco dias para completar 67 anos
de idade. Merecia viver muito mais.
“Um dos
melhores poetas do norte do país é Sosígenes Costa. Solteirão, esquisito. (,,,)
Está no mundo com um ar de pernalta pensante. Funcionário dos Telégrafos e
escriturário de uma associação comercial, desforra-se dos seus magríssimos
ordenados em esbanjamentos poéticos de pedrarias e sedas, como raros dos seus
confrades se permitem. Na imaginação desse asceta há sempre um pecaminoso rumor
de saias proibidas. (…) Vinga-se do seu isolamento e da sua imobilidade em
visões como as não tiveram Sardanapalo e Sindbad, o Marítimo. Recorda sempre os
belos dias que passou em Belmonte e fala dessa cidadezinha do interior da Bahia
como se falasse do Oriente, acendendo todas as gambiarras, fazendo faiscar
todas as ourivesarias, compondo todas as decorações florais. (…) Modernista,
ainda crê na rima rica e um excesso de luz que lhe torna certas passagens
obscuras, numa espécie de névoa de ouro. Esse filho da roça pensa nas Vênus de
Paris e alude constantemente a pavões e castelos. (...) Ainda meio simbolista,
diz-se ele ‘pagem da Musa e príncipe da Morte’, mas é um panteísta bem vivo ao
inebriar-se na gama de amarelos do sol dos trópicos. Sua amada tem ‘trinta
anéis de pérolas ovais’, mas o seu noturno de Ilhéus a ‘descrição’, é algo de
bem contemporâneo”".
(Agripino
Grieco (1888-1973), trechos, em transcrição de Gilfrancisco Santos).
SEIS SONETOS PAVÔNICOS, DE SOSÍGENES COSTA
O PRIMEIRO SONETO PAVÔNICO
Foge a tarde entre o bando de gazelas.
A noite agora vem do precipício.
Sóis poentes, douradas aquarelas!
Mirabolantes fogos de artifício!
Maravilhado assisto das janelas.
Os coqueiros, pavões de um rei fictício,
abrem as caudas verdes e amarelas,
ante da tarde o rútilo suplício.
Cai uma chuva de oiro sobre os cravos.
O grifo sai do mar com a lua cheia
e as pombas choram pelos pombos bravos.
Um suspiro de amor do peito arranco.
A luz desmaia. E o céu todo se arreia
Em vez de estrela de narciso branco.
(1923)
TORNOU-ME O PÔR DO SOL UM NOBRE ENTRE OS
RAPAZES
Queima sândalo e incenso o poente amarelo,
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.
Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.
Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa, os únicos do mundo.
E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr do sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.
(1924)
CREPÚSCULO
Resplandece o crepúsculo de jade,
de turquesa, de opala e cornalinas.
Pelos céus há pavões. Toda a cidade
é lilás com repuxos de anilinas.
As aves cor de gesso, à claridade
do acaso, ficam quase solferinas.
A cor dourada agora tudo invade,
tornando as passifloras ambarinas.
A natureza cintilante e amena
sardanapalescamente se decora,
brilhando mais que as asas da falena.
Todo o horizonte de lilás se enflora.
Traja galas de príncipe a açucena.
Não parece o poente, mas a aurora.
(1926)
SONETO AO ANJO
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios,
quando o poente cor-de-rosa e doce
punha pavões nos capitéis assírios.
Teu beijo como um pássaro me trouxe
o mais azul de todos os delírios.
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios.
Só tu agora colhes azaleia
e os cintilantes cachos da azureia,
mágica flor que em meu jardim nasceu.
Só tu verás os lírios cor da aurora.
Meu pavão dormirá contigo agora
e o meu jardim dourado agora é teu.
(1930)
PAVÃO VERMELHO
Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.
Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.
É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.
Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.
(1937-1959)
PAVÃO AZUL
No jardim do castelo desse bruxo
d'asas d'ouro e olhos verdes de dragão,
tu és à beira de um lilás repuxo
um grande lírio de ouro e de açafrão.
Transformado em pavão por esse bruxo,
vivo te amando em tardes de verão,
dentre as rosas e os pássaros de luxo
do jardim desse bruxo castelão.
Tenho medo que um dia o jardineiro…
Mas nunca, estou bem certo, do canteiro
há de colher-te, ó minha flor taful.
Porque ele sabe que em manhã serena,
não suportando a ausência da açucena,
há de morrer esse pavão azul.
(s/ data)
CRIAÇÕES OUTRAS DE SG AINDA ADOLESCENTE
GARÇAS
Como um bando de preces japonesas
Que se desatam sob o céu de Nikko,
Garças em flor, de maravilhas presas,
Fogem pr´a as brotas do capuz de um pico.
Agora tudo é lindo! Que belezas
As régias garças no bailado rico…
Plumas enconcham – pérolas retesas
Que tanto haurir… Daqui donde me fico.
E tão bailantes! Sobre o amor do
musgo,
Com quem por causa delas sempre rusgo,
Sinto desejos de bailar assim…
Mas sou tão verme! É que do baile ao
friso,
Pr´a se imitar as garças é preciso
Ter graça azul em um corpo de jasmim!
Belmonte,
1920
O CISNE
Na indolência de um deus, lá vem à gruta,
ao lago
O cisne. O azul de golpe empalidece! Tudo
De pérolas quer ser e tudo fica mudo
Ante tanto brancor, brancor que aos golpes
trago.
Agita a pluma, dobra o colo… é de veludo!
Põe frisos n´água e segue a machucar (que
estrago!)
Um nenúfar… Entanto, a linfa o espelho
mago,
Sem se importar da flor que se quebrou.
Estudo
Agora o cisne e quanto é o branco vejo
esteta.
No cisne o branco é tudo. O cisne mais
parece
O amor da estrela, o amor do alvor, o
alvor da prece!
Nisso… Ele canta… E após deixar almas de
poeta
Em cada som que tange, o cisne morre…
Parte,
- O cisne, taça branca em que bebe a arte.
Belmonte,
1920
MINÚSCULO
Na mesa onde costumo fazer versos,
Acha-se um vaso de um valor venusto,
Um vaso pequenino, um nada, um susto,
Que encho de trevos e jasmins dispersos.
É uma graça vê-lo como um busto,
Trazendo tão pequenino os universos
Dos bons miosótis em paixões dispersos
- Tantas corolas que se apruma de custo.
Inda outro dia me deram três rosas:
Vermelhas, sanguejantes, amorosas,
Que nele pus num salto com meiguice.
E toda gente que chegou me disse:
- Não parece esse vaso um loiro anão
Que não pudesse com o próprio coração?!
Belmonte,
1920
CONTEMPLAÇÃO
Eu só imenso… O vulto em bronze… O braço
aberto
Contemplo como esfinge a festa das
estrelas!
O azul sacode a luz… E eu todo me desperto
Pras convulsões brutais da arte… A arte!
Pelas
Frondes a brisa rola… Há pirilampos
n´alma…
A rosa que ergo à boca aperto-a… Dando
ais.
Aperto-a… E é tanta luz e tanta, tanta calma
Que eu penso: Vou p´ra o azul e não volto
mais.
O zéfiro me lambe… E beijos é o que eu
sinto,
Sinto beijar-me a estrela e beijo a
estrela e beijo,
E beijo mesmo o céu… Oh! Crede, não vos
minto.
Sinto-me estátua e a gente, a gente que
não vejo
Ao ver-me assim murmura: Um vesano, um
pateta!
E a natureza diz: Meu filho, meu poeta!
Belmonte,
1920
INGAUHYRA*
A casa velha arruinada. Em ente,
A horta plantada de pimenta e rosas.
Os bois comendo as ervas perfumadas.
Ao fundo o rico cacaual da gente.
O pasto. As laranjeiras. Lentamente
Evoco tudo, oh musa! Como rosas!
O cocho com cacau passando rente
 porta. E a noite, que nebulosas!
Os cascos das galinhas no terreiro.
O porco. E o rio? E a côncava canoa
Onde a gente brincava o dia inteiro?
Recordo tudo na fazenda nossa…
E uma dor dentro d´alma me magoa.
Que saudade, meu Deus, de minha roça!
Belmonte, 13-07-1921
*Ingauhyra era o nome da fazenda dos pais
de Sosígenes Costa: Innocêncio Ignácio da Costa e Brasília Marinho da Costa.
EPITÁFIO PARA O TÚMULO DE FANNY
Chorão que choras tão forte
Não chores que aqui estou.
Não faças chorar na morte
Quem na vida não chorou.
1920
OBSERVAÇÃO:
os cinco últimos poemas foram colhidos no livro Sosígenes Costa – Cobra de duas cabeças – Poesia e prosa encontradas
e inéditas, publicado em 2011, pela editora Mondrongo (Ilhéus-BA), em
celebração aos 110 anos do nascimento de Sosígenes Costa, em Belmonte-BA, fruto
de pesquisa realizada por Herculano Assis, organização do editor e escritor
Gustavo Felicíssimo, com apresentação de Heitor Brasileiro Filho e Jorge de
Souza Araújo.
JOSÉ
BASTOS (1905-1937)
Quando em
fins dos anos 1940, numa pacata Itabuna, inocentes alunos da primeira turma do
Ginásio da Divina Providência, intrigados, perguntavam quem era aquele que dava
nome à Praça José Bastos, ali pertinho, ouviam dos mais velhos tratar-se de um
poeta que, morto cerca de dez anos antes, cantara em seus versos a cidade e o
seu Rio Cachoeira.
Depois de
interromper o aprendizado das primeiras letras na cidade onde nascera, José
Bastos torna-se precocemente arrimo de família, com a morte do pai, em 1918,
vendo-se obrigado a empregar-se em uma livraria, onde a curiosidade e o contato
com os livros lhe despertam o interesse pela literatura, principalmente pela poesia
parnasiana.
Publica
seu primeiro soneto, “Náiade exilada”, em 1924, no jornal O Intransigente,
seguindo para Salvador, onde conclui o curso secundário. Retorna a Itabuna em
1927 e ingressa no jornalismo, começando a trabalhar no jornal A Época,
então propriedade de Gileno Amado, advogado e já um dos coronéis do cacau e
prestigioso chefe político local; lá, publica a maior parte de sua poesia.
Já
integrante do movimento desencadeado pela Academia dos Rebeldes, figurando
mesmo entre os colaboradores do único número da revista Meridiano e,
depois, de O Momento, em 1930, José Bastos publica em Salvador seu único
livro Horas Líricas – depois reeditado,
por ocasião do cinquentenário de Itabuna: Tipografia D´Agenciadora, 1960.
“Com esse
livro em mãos, o poeta foi para o Rio de Janeiro, onde pretendia inserir-se na
vida cultural da antiga capital do país, não conseguindo seu intento.
Melancólico e doente, vítima da tuberculose, ateia fogo em toda a sua produção
ainda inédita, em verso e prosa, da qual apenas do título se tem notícia: Terra
Verde”. Dessa forma, o estudioso de literatura e poeta Gustavo Felicíssimo
registra esse triste momento da biografia de José Bastos, cuja poesia, para
ele, “não é outra, senão o reflexo de um rigoroso senso estético, quanto a
linguagem e estrutura, não variando muito quanto à forma (o soneto), fruto de
uma escola parnasiana, da qual Olavo Bilac foi, no Brasil, seu artífice mais
talentoso”, e, sem dúvida, seu espelho.
Versejou,
com decência e equilíbrio, temas da natureza, como também mitológicos, e morreu
parnasiano, como sempre fora. “É perceptível que o atendimento rigoroso e
brutal ao cânone do seu tempo tornou a poesia de José Bastos um tanto
engessada, porém é claro que suas virtudes, como poeta, superam, em muito,
qualquer crítica destrutível que sobre sua obra seja lançada” (FELICÍSSIMO, 2010).
ITABUNA
José Bastos
Minha terra natal! Que te abrasas e inundas
De tanto sol! Assim, entre agrestes verdores
Do Cachoeira escutando os bravios rumores
Como a iara gentil dessas águas profundas!
Quantas poesias tens nas árvores jucundas
Que te cercam além! Nas casas multicores,
Que se alteiam brilhando, entre ramos e flores,
E enchem de encanto e vida estas plagas fecundas!
Ah! Como eu sou feliz e me sinto orgulhoso
De um dia ter nascido em teu seio faustoso,
Sob o esplendor de um céu de beleza tão rara!
De me haver embalado à cantiga e ao gemido
Do Cachoeira, que rola a água profunda e clara,
Escumando aos teus pés como um jaguar ferido!
JOÃO CORDEIRO (1905-1938)
Autor
de um único livro, o romance Corja
(Rio de Janeiro: Calvino Filho, 1934), cujo título original deveria ser Boca Suja, inopinadamente mudado por não
agradar ao editor, João de Castro Cordeiro foi um dos fundadores da Academia
dos Rebeldes e tão assíduo colaborador das duas revistas editadas pela
irrequieta confraria, Meridiano e O Momento, que Jorge Amado chegou ao
ponto de considerá-lo seu presidente honorário, pelo fato de, sendo ele o único
do grupo a ter emprego público remunerado, socorrer os sempre necessitados
amigos com empréstimos para suas esbórnias.
Nascido
em Salvador, oriundo de família estável de classe média, morreu com apenas 33
anos de idade, sem que haja registro formal de causa que o levara a findar-se
tão cedo. Logo que lançado, Corja
obteve críticas positivas, tais como as das lentes perspicazes e ácidas de
Agripino Grieco, que destacou o realismo da narrativa centrada num cenário popular
de ruas e becos baianos, noitadas boêmias e cenas de botecos, que o autor,
segundo ele, soube deter “em instantâneos vivazes, colhendo no voo notas
típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas”, com toques de sátira à
presença de figuras da política e do clero.
A
história gira em torno da vida airada e boêmia do personagem Policarpo
Praxedes, por meio do qual João Cordeiro oferecia, segundo Edison Carneiro,
outro de seus críticos, “a visão exata, e por isso mesmo cruel, da humanidade
que se definha nas salgadeiras, nos trapiches, nos armazéns das docas, para
pagar com seu suor as amantes, as bebedeiras e os palácios capitalistas”.
Autor
da apresentação do romance, Jorge Amado relata que, muitos anos depois, quando
presidente do Instituto Nacional do Livro, Herberto Salles cogitou reeditar Corja, inclusive devolvendo-lhe o título
original preferido de João Cordeiro, Boca
Suja, mas rejeitado pelo editor; porém, defrontou-se com um obstáculo que
tem sido a infelicidade de muitos espólios literários e artísticos. Segundo
Amado, “os herdeiros, vagos herdeiros, a viúva morrera e não houvera filhos, se
assanharam, acreditando que a edição significaria incalculável soma de
dinheiro, fortuna em direitos autorais; impossível tratar com eles, a boa ideia
de Herberto não se concretizou”. (AMADO, 1992)
Em
1939, criou-se no Rio de Janeiro um Prêmio João Cordeiro, para conceder láurea
à melhor estreia literária do ano, cabendo-o na ocasião ao romance Cangerão, do escritor Emil Farhat, que
teve como concorrentes Vila de Santa Luzia, romance de fabulação centrada em costumes
nordestinos, do jornalista Omer Mont'Alegre, que anos depois exerceria o cargo
de redator-chefe do Jornal do Brasil, e Tinha
anos sem paisagem, este romance da autoria de Guilherme Figueiredo, também
poeta e conceituado tradutor.
“João
Cordeiro me faz recordar a fase mais interessante da minha vida. Nós éramos uns
garotos e fazíamos, sob as ordens de Pinheiro Viegas, a parte de pasquim da
literatura baiana. Tínhamos uma Academia dos Rebeldes, que amávamos, apesar de
todo o ridículo que a cobria. Tentamos fazer o saneamento intelectual da boa
terra”. (AMADO, apud SANTOS, 2001).
“O
lado baiano do romance, com o aspecto popular de ruas e becos, noitadas boemias
e cenas de tascas, soube o autor detê-lo em instantâneos vivazes, colhendo no
voo as notas típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas. Sente-se o pendor
para desfigurar satiricamente as personagens da política ou do clero, que
evidentemente detesta, mas a morte de Luciano, o noctâmbulo que tem o nome do
belo herói de Balzac, emociona os leitores, dando ao volume um bocado de poesia
azul, que o Sr. João Cordeiro, envergonhado talvez dos seus cinco minutos de
romantismo, se apressa em desfazer, pondo a amante do morto as velas com um sucesso
imbecil”.
(Agripino
Grieco, in O Jornal. Rio de Janeiro 26 de agosto, 1934, segundo
Gilfrancisco Santos).
ALVES
RIBEIRO (1909-1978)
Espírito forjado em terras de
sertão profundo, no então município de Camisão, hoje Ipirá, filho de
agricultor, depois modesto pecuarista, caçula da família, José Alves Ribeiro
aprendeu a ler sem frequentar escola, sendo, desde criança, um esforçado ajudante
do pai no serviço de plantio e colheita de cereais, mas aproveitou bem uma
viagem a Salvador, ao ser deixado com um tio, cuja casa possuía uma biblioteca,
que lhe despertou o interesse por literatura, permitindo-lhe o contato com
livros de que nunca ouvira falar. Concluiu os cursos secundário e ginasial e
candidatou-se ao vestibular, ingressando na Faculdade Livre de Direito em 1931.
Diplomado, exerceu várias
atividades, além da advocacia: professor de Criminologia na Faculdade de
Filosofia, por fim ingressando na Justiça do Trabalho, onde faria carreira de
competente juiz da 5ª Região, cuja presidência ocupou por mais de uma vez. A atividade
literária se inicia com a publicação de primeiros versos, crônicas e ensaios em
jornais e revistas, inclusive em Samba –
Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento, em 1928, revista editada
pelo grupo chamado Poetas da Baixinha, primeiro registro impresso do modernismo
na Bahia, mas neste mesmo ano adere ao grupo de jovens da Academia dos
Rebeldes, onde por seu ativismo se torna um dos nomes mais destacados, ao ponto
de Jorge Amado, em artigo de 1976, no jornal A Tarde, referindo-se ao
primeiro e único número da revista Meridiano,
revelar ser de exclusiva autoria de Alves Ribeiro, embora não assinado, o
editorial que “traçou os rumos de uma literatura de sentido universal porque
plantada na realidade da vida brasileira”, no qual, enfatizava, “o ensaísta
adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos ditos
modernistas (…) uma literatura de problemas, temas, forma e segmento
brasileiro”, de onde resultava “sua expressão universal”. (AMADO, 1976)
Não
obstante, aconteceria com Alves Ribeiro um fenômeno presente em muitas
literaturas, a do artista literário (poeta, ficcionista ou ensaísta) que,
atuante em tempos de juventude, de repente silencia, passando à condição de
escritor secreto. Após os fecundos anos da Academia dos Rebeldes, só se
disporia a publicar livros quase cinquenta anos depois, assim mesmo dois
pequeníssimos volumes, Sonetos de
Bendizer (Salvador: Gráfica da UFBA, 1975) e Sonetos de Maldizer (Salvador, idem, 1976). Deixou um inédito, A Cinza do Tédio, jamais publicado.
Alves Ribeiro morreu em 27 de janeiro de 1978, mas não teve a sorte apregoada
pelo inglês John Milton, de não deixarem as gerações humanas, que o sucederam,
que esses mínimos livros (com 20 sonetos, o primeiro, e apenas dez, o segundo)
caíssem no esquecimento. Demorou mais tempo do que o francês Paul Valéry
(1871-1945), que, tendo publicado um livro em 1897 (Essai d´une conquête
méthode), só veio ao prelo novamente em 1917, com seu La jeune parque).
TRÊ POEMAS DE ALVES RIBEIRO
TORTURAS DO CÉREBRO
Vai alta a noite. Velo. Erra o silêncio em torno.
Encerrado em meu quarto, à luz trêmula e baça
Da lâmpada, medito. Em derredor esvoaça
Feio inseto. Asfixia o ar à feição de um forno.
Tenho a cabeça zonza. E por mais tente e faça
Não consigo dormir. Paira em tudo um transtorno…
Vejo paredes, no chão, no teto sem adorno
Vejo, como a acenar-me, o espectro da desgraça.
Pego e abro um livro, em vão. Não posso ler. É o tédio.
E debalde procuro encontrar um remédio
À dor atroz… O meu anseio não se acalma.
E continuo assim (pena que não se exprime)
A desejar a luz que o cérebro me anime
E sentindo pesar-me a noite dentro d'alma.
POEMA
INSTANÂNEO
Rua Chile. Movimento.
Mlle.
Futurismo passa…
Os olhos piscos de sagui numa febril agitação
toda trejeitos e fingimento,
sorri aos ditos da multidão.
Uma pieguice…
Um rodopio…
Uma pirueta…
Uma negaça…
As pernas – tal e qual um arco de violino
vão arrancando estranhas harmonias,
no seu passinho fino,
original.
A ronda dos elegantes,
junto às vitrines de quinquilharias,
o cinismo nos semblantes
mede-a com olhar sensual.
Uma negaça…
Uma pieguice…
Uma pirueta…
Um rodopio…
E ela segue, nervosa, bamboleante,
agitando o corpo esguio,
os olhos piscos de sagui arisco
por entre a multidão, até perder-se.
A LIÇÃO DO MAR
Poeta, si queres aprender o sentido da vida,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.
Quando te sentires vencido pelo cansaço e pelo desânimo
para as grandes lutas do espírito,
e a terra te parecer inútil e pequenina para o teu sonho,
e os homens todos, uns vermes insignificantes,
- quando tiveres perdido, em suma, o gosto de viver, -
vai procurar o mar e mira-te em suas águas.
Ele é o símbolo do movimento, que não para, da vida, que não para.
Poeta, si queres ser grande e ser perfeito,
dá a teus versos o ritmo das ondas do mar.
Ele é a semente de toda criação,
é a própria fonte da vida,
porque toda vida vem do mar.
O mar é o grande mestre da vida:
a atração de suas moléculas
é o exemplo vivo da união e da força,
sem o que é impossível, na terra,
a conquista da felicidade entre todos os homens.
Por isso é que se compara a multidão ao mar.
Poeta, se queres aprender o sentido da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar
(e os poetas sempre foram os grandes precursores da liberdade,
porque aprenderam a cantar inspirados na música do mar
que é a música da liberdade).
O mar é o princípio da libertação:
de sua contemplação é que nasceu o sonho dos primeiros navegantes e
[dos primeiros revoltados
em busca de novos mundos e de novas formas de vida,
em que os homens pudessem ser mais felizes sobre a terra.
Poeta, si queres aprender o sentido da vida e da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.
Aracaju. Época, Ano I. nº 2, out/nov. 1948.
DA COSTA ANDRADE (1906-1974)
Um dos nomes que tiveram o privilégio de figurar no primeiro e único
número da revista Meridiano (setembro
de 1929), José Severiano da Costa Andrade é um piauiense que veio para a Bahia
no intuito de estudar e se formar. Foi mais político que homem de Letras, tanto
assim que, logo se diplomou em Direito, regressou a Simplício Mendes, sua terra
natal, para ser promotor público em Floriano (PI). Ocupou cargos na
administração pública, ingressou na política, elegendo-se consecutivamente, por
três legislaturas, deputado estadual e, logo, para prefeito da mesma Simplício
Mendes, em 1936, quando se casou, para ser pai de dez filhos.
O pesquisador Gilfrancisco Santos completa o perfil de Da Costa Andrade.
“O
político: deputado estadual (1955-1959), foi líder da bancada da União
Democrática Nacional (UDN), e, atuante deputado que era, apresentou vários
projetos nas áreas sociais, sempre beneficiando o trabalhador rural e em
especial os palheiros”. Na área educacional, criou novas escolas, além da criação
de vários municípios. Fundou, em 1958, o Partido Republicano – Seção do Piauí.
Com a fundação de Brasília, foi nomeado chefe do escritório da Novacap
(designação da nova capital do Brasil quando da sua inauguração, em 1960), em
Recife, transferindo-se posteriormente com a família para a capital federal,
para chefiar o gabinete do ministro da Educação e Cultura Clóvis Salgado. Da
Costa Andrade foi um dos principais líderes da sua geração, considerado
intelectual de alto nível e poeta de elevada estatura, ao ponto de
impressionar, desde os primeiros contatos, o amigo Jorge Amado, que nele se
inspirou, para talhar personagens de seus romances. Da Costa Andrade é o
Ricardo Braz, de O País do Carnaval,
editado em 1931, que marcaria a estreia literária de Jorge Amado”. (SANTOS,
2001)
Destaca-se na área sociocultural como fundador de duas entidades no
Piauí: o Cenáculo de Letras, que publicava o periódico A Revista, e a Associação Piauiense de Imprensa.
Como poeta, embora tenha vencido concurso promovido pela revista O Século, em 1927, com um soneto,
publicou apenas um livro, Rosal da Vida
(Salvador, 1929), posteriormente inserido em publicação organizada e prefaciada
por Jorge Amado, Rosal da Vida e Outros
Poemas (Teresina: coedição de órgãos públicos, 1996), vinte dois anos após
sua morte em Brasília.
N O I T E
Da Costa Andrade
Vejo
o crepúsculo distender-se, lento,
como um negro lençol, pela cidade…
É noite: — geme e turbilhona o vento
enquanto eu cismo, em minha soledade…
Só
nesta hora vêm-me ao pensamento
os quadros de perdida e tenra idade…
Pensar
na vida é rude sofrimento,
é aguçar os espinhos da saudade!
Um
sino dobra, além, triste e pausado;
e o coração de quem sofrendo vive,
pulsa de dor, saudoso e amargurado…
Ó
Deus! com o teu poder, por caridade,
dá-me de novo bens que outrora tive,
—
Faz-me voltar à minha tenra idade!
OSWALDO DIAS DA
COSTA (1907-1979)
As dificuldades com que no curso de Humanidades do Colégio da Bahia se
defrontava, no estudo da Matemática e cálculos de álgebra, podem ter sido o
motivo do ingresso de Dias da Costa na Academia dos Rebeldes, em 1929, porém
jamais com propósitos essencialmente literários; tinha outros interesses. Ao
referir-se a ele, muitos anos depois, chamando-o de “o meu compadre Oswaldo, em
tantas circunstâncias meu irmão”, Jorge Amado conta que começou a frequentar o
Bar Brunswick, ponto de encontro dos Rebeldes, em Salvador, oferecendo-se como
coletor de anúncios em cidades do Recôncavo, onde alardeava ter influências,
para o primeiro e único número da revista Meridiano.
Jovem e desempregado, baixo, mas elegante e simpático, confiava na boa
acolhida de seus préstimos. Lembra Jorge Amado que, em um fim de tarde,
tendo-se sentado à mesa, “entrou direto na conversa maligna”, cheio de
sotaques. Ao final, logo que ele saíra, anunciando retornar no dia seguinte,
perguntaram a Pinheiro Viegas, que já o conhecia de outras trajetórias, qual a
sua opinião sobre Dias da Costa, após o que ele expusera, ao que responde o
ferino epigramista: “Para literato, ótimo; para agenciador de anúncios, nulo”.
(AMADO, 1992)
Embora sem os prometidos anúncios, a revista circulou com virulento artigo
de Dias da Costa contra o parnasianismo que fazia a festa dos poetas de então,
tornando-se ele um dos mais destacados, ativos e eficientes membros da
confraria, até depois nas atividades de pregação de ideias e combate ao
ambiente conservador, ao ponto de Jorge Amado, já de muito vivendo no Rio de
Janeiro, convidá-lo, em 1936, para substituí-lo no posto que ocupava na
Livraria José Olympio, editora. Daí em diante, morando no Rio, passa a exercer
atividades de jornalismo, como redator de agências telegráficas, jornais e
revistas.
Como literato,
escreveu dois romances, Canção do Beco (São Paulo: Rumo, 1939) e Mirante
dos Aflitos (São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960, com apresentação
de Jorge Amado) e Estórias do Mirante dos Aflitos, uma publicação post-mortem
(São Paulo: GRD/Instituto Nacional do Livro, 1980), ao que se supõe no tempo em
que o escritor Herberto Salles esteve à frente do INL.
Fora disso, escreveu em colaboração com Jorge Amado e Edison Carneiro o
romance intitulado Lenita que, lançado em 1931 por um editor do Rio,
resultaria em completo fiasco e logo renegado pelos três. Peripécia adolescente
que Jorge assim recorda jocosamente em Navegação de Cabotagem (1992):
“Livrinho com todos os cacoetes da época, Medeiros e Albuquerque o definiu: uma
pura abominação. Um único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim, foi
necessário que se juntassem três”. Amado lembra também o “tempo antigo, boêmio
e debochado”, de Academia dos Rebeldes, em que ambos, ele e Dias da Costa,
costumavam passar uma semana inteira hospedados em bordéis com prostitutas, que
consideravam suas “namoradas, xodós, como se dizia”, à época. (AMADO, 1992)
OCTÁVIO MOURA (1909-1978)
Um dos redatores do único número da revista O Meridiano, mas também com firmes
relações de amizade com alguns dos mais destacados membros da Academia dos
Rebeldes, como Jorge Amado, Sosígenes Costa, José Bastos e o mentor de todos,
Pinheiro Viegas, Octávio Moura Dias de Almeida deixaria Salvador, na mesma ocasião,
para se instalar em Ilhéus, onde assumirá o cargo de redator-chefe do jornal Diário da Tarde, que concomitantemente
se fundara em 1928, no qual, graças a seu descortino para com desdobramentos da
modernidade, revolucionará o estilo de jornalismo então praticado no
efervescente sul cacaueiro, de caráter agressivo, fomentado por acirradas
disputas políticas e patrimoniais travadas entre coronéis do cacau.
Tinha 18 anos, quando assumiu o cargo, acompanhado
de quatro gráficos que, com ele vieram de Salvador em um navio da “Bahiana”,
três deles compositores e um impressor. E lá, em acanhado prédio da Rua Marquês
de Paranaguá, curvado sobre a escrivaninha, redigindo, lendo e apurando textos,
ou indo e vindo no contato com as oficinas, para levar textos que ele próprio
redigia, fossem notícias, sueltos ou editoriais, e oferecer orientações ao
setor gráfico. O primeiro número do Diário
da Tarde, em 10 de fevereiro de 1928, já trazia seu nome como
redator, para logo em seguida passar a redator-chefe e, finalmente, diretor. Octávio Moura desempenhou essas funções por 45 anos ininterruptos, só
se afastando das responsabilidades do cargo e do jornal quando a saúde não mais
o permitiu.
Reconhecido como jornalista nato, no tempo em que
esteve à frente do Diário da Tarde,
procurou imprimir à atividade do jornalismo um caráter de serviço voltado para
o aperfeiçoamento da sociedade, mesmo ante as limitações que costumavam
injuriar a vida dos habitantes de cidades do interior, embora o comércio
exportador do cacau incutisse nos ilheenses aspirações de tinturas cosmopolitas
e de incremento à cultura, apoiando as criações de prosa e poesia e, assim,
contribuindo para tornar Ilhéus o mais expressivo polo cultural da Bahia,
depois de Salvador.
Muito disso se deveu à mente arejada e ao dinamismo
de Octávio Moura, conforme atesta em depoimento ao Jornal da Manhã (1978) Rubens Esteves Silva, que o viu chegar a
Ilhéus, numa manhã de janeiro de 1928, e seria testemunha de como “o novo
diretor comandou a folha com brilho invulgar por muitos anos, até quando
surgiram indícios da doença e com ela começou a desaparecer aquela vivacidade e
ânimo, tão apreciados pelos ilheenses”.
Além de jornalista, foi membro da Academia de Letras de Ilhéus (Cadeira
nº 24), junto a outros dois de seus amigos Rebeldes, Jorge Amado e Sosígenes
Costa; professor da Escola Técnica de Comércio de Ilhéus e, por fim, dá nome ao
troféu que o Clube de Diretores Lojistas (CDL) confere anualmente à Imprensa
ilheense. Entre cargos públicos, Octávio Moura exerceu o de adjunto
de promotor público na Comarca de Ilhéus e o de inspetor seccional do
Ministério da Educação. A ele, devo a publicação
de meus primeiros afoitos poemas no Diário
da Tarde, em Ilhéus. Pelas mãos gentis e compreensivas, dele publiquei
poemas de minha lavra ainda adolescente e estudante colegial, no jornal que
dirigia, pelos anos de 1951 e 1952.
“Meus
amigos de Ilhéus mandaram um tinteiro de prata, com um cacau dourado, como
recordação das conferências que ali fiz em novembro de 1934. Ponho tinta nesse
tinteiro e a primeira coisa que me apetece é escrever um artigo sobre essas
generosas criaturas do sul da Bahia. Começaria pelo jornalista Octávio Moura,
tem um ar de menino e já é chefe de família. Pelo físico, parece ninguém e,
entanto, subscreve artigos ótimos. Fiem-se nele, na sua cabeleira e nas doçuras
de violinista cigano com que fala as lindas raparigas! É um articulista que
consegue infundir paixão nas ideias e a alegria de moço, longe de prejudicá-lo,
muito concorre para robustecer-lhe o bom senso de polemista. Quando necessário,
sabe ele também, nos seus sarcasmos, ser um artista em venenos, fazendo passar
mãos quartos de hora àqueles que detesta. Fino registrador sismográfico de tudo
o que ocorre de interessante em Ilhéus, Octavio Moura, mau grado uns ares meio
boêmios, organiza todo um jornal sozinho e quase sempre o organiza a primor”.
(SANTOS, 2010).
Agripino
Grieco, in O Jornal (coluna “Gente
Amiga”); Rio de Janeiro, 10 de março de 1935, após uma visita a Ilhéus,
em 1934, onde pronunciou conferências, a convite de Jorge Amado, e travou
contato com intelectuais da Região do Cacau, segundo pesquisa de Gilfrancisco
Santos.
GUILHERME DIAS
GOMES (1912-1943)
Este é outro dos Rebeldes não nascidos na Bahia, desde que veio à luz em
Natal, no Rio Grande do Norte, de pai baiano, engenheiro construtor de
estradas, que chegou a trabalhar na tristemente famosa ferrovia Madeira-Mamoré,
morto em 1925 em Salvador, onde Guilherme completou seus estudos e viria a se
formar em Medicina em 1935, tornando-se em seguida médico do Exército, pelo que
teve de fixar residência no Rio de Janeiro, onde viria a falecer ainda jovem,
em 8 de outubro de 1943, de impaludismo, no Hospital Central do Exército.
Surpreendentemente, para a época, era um poliglota. Rebelde como ele,
amigo e companheiro de tertúlias, segundo o pesquisador Gilfrancisco Santos, em
depoimento, Édison Carneiro, garante ter sido ele “um dos poucos brasileiros
que, na época, sabiam alemão na Bahia” e que, além disso, “sabia francês,
inglês, espanhol, italiano e até se aventurou a estudar japonês e árabe”,
acrescentando terem ambos até iniciado “um curso de nagô com Martiniano do
Bonfim”.
Literariamente,
dele pouco se sabe, além de colaborador da revista O Momento, entre 1931 e 1932. Após intenso trabalho de pesquisa,
Gilfrancisco revelou faceta praticamente desconhecida de Guilherme Dias Gomes,
a de ter publicado poemas de sua autoria, entre 1931 e 1933, nas revistas O Momento e Etc. e no jornal O Estado da
Bahia. Não obstante, seu nome permanece como autor de um romance, até hoje
misteriosamente inédito, intitulado Mercado
Modelo, para cuja publicação não foram bastantes, ao que se supõe, o enorme
prestígio, a fama e o admissível empenho do teatrólogo Dias Gomes (1922-1999),
seu irmão mais moço e por ele muito admirado, tanto assim que, certa feita,
chegou a confessar, referindo-se à sua vocação de escritor:
“Comecei a escrever para igualar-me a ele. Hoje, acho que fatalmente
seria um escritor porque nunca descobri em mim aptidão para qualquer outra atividade.
Mas as minhas primeiras experiências literárias foram determinadas pelo desejo
de imitar meu irmão”. (SANTOS, 2021)
Em 1935, o amigo de confraria Édison Carneiro assim exprime o realismo
da obra:
“O romance de
Guilherme Dias Gomes, Mercado Modelo,
fica limitado pelos muros da cidade. Explora a vida dos humildes, dos
desprotegidos da sorte, tanto dos proletários, como a negra Brasilina, neta de
escravos, quanto também do pequeno burguês que, em virtude das altas e baixas
do capitalismo, como Belizário Portela, se proletarizou. E se sucedem, através
do romance, as cenas de ternuras e de revolta, e a multidão dos tipos criados
pelos antagonismos das classes sociais, - a cafetina, o coronel, a prostituta,
o traidor do socialismo, o ladrão, o propagandista, o rebelde. São cenas
pegadas ao vivo, com a marca registrada dos fatos diários. E, dominando tudo,
está o Mercado Modelo, casarão infecto onde a gente mais heteróclita do mundo
se acotovela na luta pela vida, vendendo, xingando, suando e alimentando o
mesmo ódio sagrado pela classe exploradora”. (SANTOS, apud SOARES, 2012).
Em 1991, o caderno A Tarde Cultural
publicou trechos desse inédito romance, por iniciativa do historiador Waldir
Freitas de Oliveira, membro da Academia de Letras da Bahia, que obtivera uma
cópia da obra fornecida pelo irmão do romancista, Dias Gomes, de que abaixo se
oferece mostra, junto a alguns poemas, estes coligidos pelo pesquisador
Gilfrancisco Santos.
******
Excertos do romance
inédito Mercado Modelo
Mercado.
Rampa do peixe. Gente que se abalroa, grita, ajusta preços. Cheiro de maresia,
suor, frutos sazonados, estrume, catinga e camarão fresco. O bojo dos saveiros
carregados de melancias. Grandes chatas carregadas de moringues, uma lancha
repleta de abacaxis. Uma floresta de mastros e de cordas, com bandeirolas
alegres tremulando ao vento. A pequena distância, um “yacht”, todo branco e
azul, imóvel sobre o espelho líquido da enseada. Junto ao cais, o sargaço e a
salsugem de sempre, de mistura com cascas de laranja, tamancos velhos, peixes
mortos, rebotalho das redes lançadas ao mar pelos pescadores. E, na rampa, o
limo verde e escorregadio tornando o acesso difícil. Os peixeiros, junto ao
cais, repartem os pescados cortando-o com o machado em grandes cepos de
madeira, num espadanar de espinhas e escamas prateadas. Um grupo de marinheiros
alemães procura em vão compreender o preço de umas laranjas. Na beira do cais,
um caminhão carregando. Os tijolos vinham no bojo de um dos saveiros, jogados
um por um.
******
Na sala de jantar, Mestre Júlio conversava
cercado de ouvintes.
– É o que estou dizendo. Terno de Reis só
naquele tempo. Hoje é anarquia. Umas modinhas muito sem graça. Uma tal de
música americana muito mole, muito arrastada, cheia de love you.
Picou
com o canivete o fumo para encher o cachimbo. Acendeu. Deu uma tragada para
experimentar a permeabilidade do tubo. Cuspiu para o lado.
– Vocês estão vendo essa gente? No meu
tempo era outra coisa. Gente boa e muito boa. E tudo muito bem ensaiado. Não
era essa sujeira. A gente ia de casa em casa cantando, dançando. As moças
vestiam aqueles vestidos bonitos de pastoras. Os rapazes, de branco, chapelão
de palha enfeitado de flores. As mulatas com os panos-da-costa e os torços de
seda. O zabumba na frente. Chegava assim numa casa, eta diabo!
Pôs
o cachimbo no canto da boca, batendo com as mãos em concha enquanto cantava em
surdina:
“Ô
de casa nobre gente
escutai
e ouvireis
lá
da banda do Oriente
são
chegados os três reis”
– Era um deus nos acuda. Todo mundo corria
para a janela. A rapaziada boa aí continuava:
“Nessa
noite tão ditosa
é
bom que vós não durmais
porque
tão alta ventura
não
é justo que percais”
– Já a rua estava cheinha de gente que
vinha admirar. As pastoras aí faziam o estribilho:
“Inda
bem que há de vir
que
somos de longe
queremos
nos ir”
– E as menorizinhas cantavam:
“Ó
senhor dono da casa
quer
que vos diga quem é?
é
um cravo de amaranto
com
uma açucena ao pé”
– O dono da casa já estava todo contente de
ser um cravo de amaranto. Estava já abre não abre a porta. E o coro repetia:
“Inda
bem que há de vir
que
somos de longe
queremos
nos ir”
– Então, o pessoal todo cantava junto:
“Senhora
dona da casa
mande
entrar se faz favor
que
do céu estão caindo
pinguinhos
de água de flor”
– Não havia jeito. A porta se abria e a
gente tinha de tudo. Vatapá. Moqueca. O diabo a quatorze. Hoje não se vê disso.
As negras já nem querem usar pano-da-costa!
*****
“A vida no Mercado nascia com a alvorada.
Já antemanhã, antes do lusco-fusco, padeiros passavam, tiritando de frio, na
faina da entrega. Guardas-noturnos se recolhiam cabeceando de sono. Motorneiros
da Linha Circular iam para a primeira viagem. E o homem do pão, com o saco às
costas e a toalha à cabeça, o português com o tabuleiro repleto de hortaliças,
o pescador bronzeado com a rede ao ombro, a negra do mingau que se recolhia da
venda noturna, eram vultos imprecisos ainda mergulhados na treva. Mas, pouco a
pouco, esta se diluía em crepúsculo. O galo amiudava o canto. Um sino batia
soturno, na Cidade Alta. Outro, cristalino, respondia ao longe. E as igrejas
despertavam, numa orgia espantosa de sons. Guizalhantes, uns, outros,
tristonhos. Uns gostosos, repicados, cantantes, como vindos de grandes cigarras
aboletadas nas torres. Outros cavos, como um ressoar de passos em catacumbas
antigas”.
*****
“Só depois de muitos dias, Honório
conseguiu trabalho como carregador num trapiche. Trabalho pesado. Duro, mesmo.
Tinha de ficar de corpo nu porque não havia roupa que aguentasse. Os fardos que
pegava às costas rasgavam tudo. E tinha que começar a qualquer hora, quando as
embarcações aparecessem para descarregar. Sacas de açúcar, de cacau, de café.
Rolos de arame farpado. Grandes tambores de gasolina. Tábuas, vigas, pranchões
gigantescos. Os companheiros eram todos fortes como ele. Podia-se-lhes contar
os músculos fortemente desenhados sobre a pele. Passavam gemendo, muitas vezes,
sob o peso dos fardos. Alguns tinham o cabelo gasto ao centro da cabeça, pelo
roçar dos volumes da carga.
Se
uma embarcação atracava, tinham que descarregá-la ou enchê-la, sem perda de
tempo. Lançava-se uma prancha entre a ponte do trapiche e o convés. E,
cadencialmente, uns atrás dos outros, traziam na cabeça toda a carga do barco.
Dentro do armazém enorme, cujas traves de aço se cruzavam no alto, sustentando
o enorme telhado, tudo era lançado nas vagonetes e transportados pelos decauvilles.
O
capataz, um francês gordo e vermelho, de roupa cáqui, lápis em punho tomava
nota do número de volumes. Adiante, na sessão de pesagem, seu Severino, um
velhote de óculos à ponta do nariz, conferia o peso na balança decimal e também
tomava nota. Havia um cheiro próprio e indefinível sempre no ar. Cheiro que
vinha dos rolos de corda, das latas de tinta, dos fardos de cacau, das sacas de
açúcar. Mistura de óleo de peixe, café, breu, com o odor das madeiras de
construção.
Às
onze e meia, Amaro, um pernambucano taciturno e desconfiado, batia num pedaço
de trilho pendurado fora, a hora do almoço. Cada um ia buscar sua lata. Um
pouco de carne-do-sertão assada, pirão de água fria ou farinha, um pedaço de
rapadura como sobremesa. O dinheiro não dava para luxos. Alguns mais gastadores
esbanjavam-no comprando bagos de jaca ou bananas nas mulheres de tabuleiro que
estacionavam perto”.
*****
“Era a última das novenas da Conceição e a
igreja tem a fachada resplandecente de luzes. Houve a preocupação de realçar
todos os ornados de cantaria, da cruz ao chão, com lâmpadas elétricas. Dentro e
fora do templo a melodia plangente das ladainhas forrada pelo acompanhamento
macio do órgão.
Nelito,
na porta, se põe na ponta do pé para descobrir Miúda, ajoelhada no último
banco, ao lado de Judite. Faz esforço incrível para não pisar o aleijado que,
no meio de tanta gente, se conserva sentado no batente. Sente o bafio pesado da
multidão que se comprime de envolta com o cheiro bom do incenso. Senhoras
gordas e pesadas, sem noção de espaço, insistem em penetrar na igreja puxando
pela mão o marido e os filhos. Mocinhas de branco, trazendo, com ar seráfico,
velas bentas, esgueiram-se pedindo pelo amor de Deus não lhe pisem os véus de
filó branco. Crioulas, cinzentas de pó de arroz, com laços azuis de fita no
pescoço e raminhos de manjericão metidos na carapinha cuidadosamente dividida
em pequenas tranças, mesmo de pé desfiam fervorosamente terços sobre terços.
Velhos homens do mar, tostados pelo sol que aquece as jangadas e os saveiros
abertos, vestidos nos ternos de brim domingueiros, escutam, de chapéu na mão e
olhos no altar. No interior, mergulhada na profusão de luzes, enrolada nas
espirais de incenso, emoldurada nos ornatos brancos e ouro dos altares, ladeada
de castiçais monstruosos de prata maciça e quase sufocada num oceano de flores
alvíssimas de papel de seda, a imagem da Virgem destoa do ambiente luxuoso pela
simplicidade quase humilde com que mostra nos braços o Jesus Menino”.
“Regina angelorum!”, reza o padre.
“Ora pro nobis”, soluça o coro
plangente.
*****
“Depois de encher na roça do seu Mário o
balaio de laranjas-de-umbigo, espera o bagageiro que deve passar dentro em
pouco e chega, efetivamente, superlotado. Martiniano acha meio de se agarrar na
parte traseira, ajeita o balaio das laranjas como pode, por baixo do banco.
Desfaz o torço que trazia à cabeça e com o pano limpa o suor. O bondinho segue
a sua marcha entre o tilintar da campainha e as pagas do condutor, enfurecido
pela dificuldade de cobrar as passagens.
Aliás,
o taioba é sempre um bonde divertido e Martiniano pensa que a parte mais
divertida do seu dia é quando viaja nele. Não há os tais três primeiros bancos
onde não se pode fumar, não se exige gravata nem calçado. Não indo nu, tudo
está bem. Pode acender o seu cachimbo, espichar o pé descalço doído de tanto
caminhar, tirar seu cochilo ou dizer suas pilhérias, porque ninguém repara. E,
depois, o taioba é quase um prolongamento ambulante do Mercado. Tudo que o
Mercado tem o taioba também tem ou pode ter. Capoeiras de galinha, perus
amarrados pelos pés, leitoinhas gordas e gritadeiras, e até cabras e carneiros
viajavam nele. Caixotes enormes, balaios, malas de costura, móveis de toda
espécie, uma balbúrdia dos pecados. Mas por isso mesmo a viagem era mais
alegre.
– Ei, dona Maria. Vosmicê já pagou?
É
o condutor, vermelho do esforço que faz para romper caminho, o quépi jogado
para trás, as listas de sujeira aparecendo em toda a camisa e principalmente no
colarinho e nos punhos. D. Maria (o diabo do condutor acertou o nome!) acha que
é desaforo cobrar duas vezes e não responde. Vira o rosto num gesto malcriado.
Um
molequinho viaja de graça no estribo, procurando não ser visto. O taioba chegou
agora às Sete Portas e para, para tomar carga num armazém. É um volume grande e
não se sabe como poderá caber no meio de tanta gente. O espanhol, dono do
estabelecimento, está à porta, em mangas de camisa, cabelo lustroso de
brilhantina.
– Qualé, seu Serafim!, desista que esse
mondrongo não pode caber aqui.
– Tem que caber de qualquer jeito, meu
santo.
– Mas como?
– Ora, muito simples. Vocês vão sentados em
cima do volume e eu não cobro nada por isso.
– Quá!
E
fez-se o que o espanhol queria. O gringo, afinal, era camarada.
#####
Cinco Poemas de Guilherme Dias Gomes
AVIÃO
O avião parece
Uma abelha rútila de aço
Aflita por pegar o sol,
Que é uma rosa de fogo
Transplantada no espaço.
Zumbe, trepida, na ânsia de alcançar
A corola de luz para sugar.
Avião!
Pareces bem o coração da gente
Lutando para beijar o sol
eternamente!
Inutilmente.
(Salvador. O Momento. Ano I, nº5, 15.
nov. 1931).
POEMA DAS MÃOS
Há poemas inteiros no côncavo das mãos:
Na angústia milenar das falanges lendárias
pela ânsia de agarrar o mais puro e mais alto;
na palma aveludada das mãos que acariciam,
mãos de noiva…
Nas mãos gordas de bebê, leite e seda rodada
com pedaços de luz na carne perfumando;
na mão que anseia e na que renuncia,
há poemas de dor em versos de agonia.
Quanta angústia nas mãos descarnadas do mendigo
que morre à fome, exangue, nas estradas,
e o sol encontra em crispações nervosas,
no horror das últimas geadas!
E nas mãos negras do assassino,
pálidas, escorrendo
longos fios de sangue pelos dedos!
Quantos poemas
no prestígio das mãos esguias que dançam no teclado,
despetalando sons pelo silêncio:
Oh. O mágico fascínio das mãos longas
que bordam lentamente
no coração da
gente.
a arabescada doida de belezas bizarras
com a lã policromia das nuvens do poente!
e quando
sentindo em si as desgraças alheias!
nas mãos do pobre, pelos dedos rolos.
deixais cair moedas a mancheias…
Mas vos adoro sobretudo, ó mãos!
nas crispações violentas dos gestos de revolta
(Salvador, Etc., Ano VII. nº
216, 15, Jul., 1933)
GARGALHADA
Solta do peito os Iguaçus do riso
cascateando em borbotões sonoros.
O próprio sol é um gargalhar de lua
e na acácia do jardim,
florida,
os mil milhões de flores
são mil milhões de gargalhadas d’oiro
num desperdício fantástico de vida!…
Traze sempre contigo, o sol de uma gargalhada
e um riso amigo para as misérias todas
e a sombra da tristeza fugirá da estrada,
quando gargalhares tua gargalhada,
numa alegria festiva! De bodas!
(Salvador, Etc., Ano VII nº 218.
15. ago. 1933).
O TEU POEMA
Quisera que este poema
fosse o teu poema.
Que tivesse perfumes esquisitos
estonteantes
das matas verdes da minha terra,
das noites de luar da minha terra.
Quisera que este fosse o teu poema,
Que eu fizesse com raios de sol
e braçadas de flores,
onde cantasse o hino das manhãs radiosas,
Onde todos os pássaros cantassem
e cantassem todos os cantares
as toadas macias da minha terra.
Quisera por nestes versos todos os diamantes
dos garimpos ignotos de minh’alma,
todos os instantes
felizes da minha vida
e oferecer de joelhos
a ti a Deusa dos cabelos revoltos
a minha Deusa.
Então
para bordar estes teus versos
faria viagens arrojadas
por países diversos,
gastaria somas fabulosas
na descoberta de minas inexploradas
de ouro puro.
Mergulhadores desceriam à procura de pérolas.
Caravanas vistosas
levariam meses trazendo todas as riquezas
todas as belezas,
que eu desejaria incrustar no teu poema.
Mas vejo que é inútil o meu esforço,
inútil a minha tortura
(a cidade do sonho tem ruas de amargura),
teu poema está condenado a não sair de mim mesmo,
a morrer na garganta
balbuciante
com a tristeza das flores que não desabrocharam
e dos versos que não foram ditos…
(Salvador. Etc., Ano VII, nº 219.
31.ago.1933).
A MINHA BAILARINA
Minha bailarina loira, alvíssima de neve!
Que vejo em meio às gambiarras,
A tecer arabescos em passos lentos,
E leve, bem leve,
Me põe na vida por alguns momentos
A alegria inquieta das cigarras…
Minha bailarina loira, alvíssima de neve!
Que sempre vejo em sonho, noite alta.
Olhos verdes de mar
Perdidos a cismar.
A refletir as luzes da ribalta…
CLÓVIS AMORIM
(1912-1970)
Oriundo do Recôncavo baiano, de onde trazia as marcas dos canaviais, a
inclinação para agradável convivência e o gosto pela boemia, poeta satírico e
principalmente romancista, Clóvis Gonçalves Amorim foi um dos companheiros mais
animados e queridos da Academia dos Rebeldes. Espírito brincalhão e cultor da
boa conversa, era sempre aguardado com alegria e festa, quando de seus
regressos da cidade de Santo Amaro da Purificação, onde nasceu, por um detalhe
mais que hilário, tanto que veio a merecer registro satírico em versos de Jorge
Amado: era quando trazia a mesada de 90 mil réis, fornecida pelo pai
alambiqueiro, com os quais custeava as rodadas de bebida e acepipes no Bar
Brunswick, obrigatório ponto de encontro dos Rebeldes.
O pesquisador Gilfrancisco Santos assim descreve o personagem: “Com
quase dois metros de altura, Clóvis Amorim chegou a Salvador para cursar o
ginásio, mas não conseguiu viver na capital baiana, pois a única coisa que o
interessava era o jogo do bicho. Vivia das lembranças dos vícios do Recôncavo
baiano: apreciador e apostador nas brigas de galo, se desmanchando nos sambas,
cocos e chulas da Bahia”. (SANTOS, 2021)
Clóvis Amorim foi um ativo colaborador da revista O Momento e publicou os romances Alambique e Chão de
Massapê, sendo que o primeiro em 1934 (Rio de Janeiro, Livraria José
Olympio); acolhido pela crítica, seria definido como obra enquadrada na
estética do novo romance nordestino.
Em artigo no jornal A Bahia,
no mesmo ano, o etnólogo Édison Carneiro, rebelde como ele, comentando o
romance, dizia tratar-se de um “acontecimento estranho, surpreendente, na
literatura nacional”, e explicitava o porquê: “Não há nele a luta do homem por
modelar a natureza à sua vontade. Pelo contrário, há uma verdadeira apatia nos
personagens desse drama – o da cachaça – até hoje desconhecido do Brasil. O
verde dos canaviais, as máquinas de fabricação da boa-pra-tudo, a moleza da
vida humana nessas regiões que o Progresso esqueceu, formam como que a única
realidade viva que se agita no livro”. (SANTOS, 2021)
O segundo romance só sairia muitos anos depois, em conjunto com a
reedição do primeiro por iniciativa do editor Gumercindo da Rocha Dórea, em
convênio de sua editora com o Ministério da Educação e Cultura (São Paulo:
GRD/MEC, 1980).
Quando faleceu em
Salvador, em 18 de agosto de 1970, coube ao poeta e seu amigo Godofredo Filho
pronunciar a oração fúnebre, perante os que compareceram ao velório de seu
corpo na câmara ardente da capela do cemitério do Campo Santo, na qual
afirmava: “Estou certo de que, quando se escrever, amanhã, a verdadeira
história literária da Bahia, a figura de Clóvis Amorim como poeta satírico
avultará, tal seu físico se agigantava em vida, sobre a planície cinzenta em
que pululam tantos pigmeus de nossas letras”.
Abaixo,
poemeto de recorte burlesco com que Jorge Amado celebrou, em edição de O Momento, a presença de Clóvis Amorim
entre os companheiros Rebeldes:
Mingau à meia-noite,
quando Clóvis Amorim
chegava, alto e destruidor,
de Santo Amaro,
com 90$000 no bolso
e a sua alegria boa.
Foram Clóvis Amorim
e Souza Aguiar
os grandes corações
que trouxeram um pouco de ternura,
de lirismo,
à aridez de nossas vidas literárias
horrivelmente literárias.
https://www.destaquenoticias.com.br/guilherme-dias-gomes-um-rebelde-potiguar-na-bahia/?fbclid=IwAR16z3_-SxtsoXBR_A76K9e2XE9jyRDb3oni39r4diXtTaiXjSmT2zEU1zQ
ÉDISON CARNEIRO (1912-1972)
Depois de Jorge Amado, dentre todos que
constituíam a grei da Academia dos Rebeldes, Édison de Sousa Carneiro foi o
nome seguramente a alcançar maior amplitude de reconhecimento nacional, talvez
por ser quem melhor traduziu a resposta do substrato negro-mestiço identificado
com formas de representação da cultura popular, que se amoldavam ao pensamento
estético propagado já como desdobramento da Semana de Arte Moderna, a partir de
São Paulo.
Ainda aos dezesseis anos de idade, cedo
começou a atuar em jornais e revistas locais, assinando artigos e crônicas, até
chegar ao posto de redator-chefe de O
Estado da Bahia. De origem modesta, pertencia a uma família que não lhe
podia oferecer qualquer regalia. Com toques chistosos, Jorge Amado descreve
esta condição do amigo Rebelde (1992): “O mais pobre de todos nós seria Édison
Carneiro, membro de família numerosa. O pai, professor Souza Carneiro,
catedrático da Escola Politécnica, mal ganhava para as despesas inadiáveis da
prole, consta que jamais pagou o aluguel da casa dos Barris – nós a intitulamos
de Brasil, por imensa e suja – com sótão e jardim onde vivia com a mulher e os
filhos: todos vestidos com as batas de professores da Politécnica, arrebanhadas
pelo catedrático”. AMADO, 1992) Entre os irmãos, estava Nelson Carneiro, futuro
advogado e grande tribuno, deputado estadual e federal, e senador, autor da Lei
do Divórcio, que chegaria a presidente do Senado, mas muito antes, mal se
diplomara em Direito, em Salvador (1900), exerceu a profissão de advogado em
Ilhéus, onde chegaria a prefeito, eleito em 1908.
Por efeito da descendência, cedo também
Édison Carneiro não só se identificou, como se empolgou com os múltiplos
aspectos sociais e místicos dos cultos populares de matriz africana,
tornando-se um de seus maiores estudiosos e talvez o seu maior e mais dedicado
defensor. Diplomado em Direito, em 1935, mudou-se em 1939 para o Rio de
Janeiro, onde já chegou com a fama de competente etnólogo. Em Salvador, ainda
como Rebelde, com Jorge Amado e Dias da Costa, lançou e liderou campanha em
defesa da liberdade de culto do candomblé, alvo de feroz perseguição policial,
com prisões, torturas e espancamentos.
“A
polícia invadia os terreiros, quebrava, prendia, espancava. Era terrível. Os
pais-de-santo não podiam fazer nada. Alguns políticos influentes tinham uma
certa ligação com o candomblé, mas escondiam essa ligação. (…) O apoio dos
políticos não era efetivo – davam dinheiro, ajudavam, mas na hora do pau comer,
eles tiravam o corpo fora”, relata Jorge Amado, que creditava ao amigo a sua
aproximação, interesse e respeito pelo culto do candomblé. Assegura que, ao
aderir à luta nesses tempos amargos para os seguidores desses rituais
assentados em sentimentos de humanismo plural, não iam aos terreiros “para
arrancar informações e, sim, no sentido fraternal de conhecer, de participar, e
sempre respeitando muito o lado sigiloso, secreto”. (AMADO, 1992)
Nessa linha participativa, Édison
Carneiro funda em 1937 a União das Seitas Afro-Brasileiras, no fundo uma
federação das casas de candomblé, fruto de seu trabalho como estudioso da
cultura negra. Além de atuar em jornais e revistas da Bahia e do Rio de
Janeiro, exerceu funções de redator de publicações do MEC (Ministério da
Educação e Cultura) e de diretor da Campanha de Defesa do Folclore. Morreu em 3
de dezembro de 1972, como funcionário da Confederação Nacional da Indústria.
Literariamente, além de sua
participação no fiasco editorial do romance juvenil Lenita, escrito juntamente com Jorge Amado e Dias da Costa e
publicado em 1929, dele se conhece, assim mesmo por descoberta que se deve ao
esforço do pesquisador baiano Gilfrancisco Santos, um conjunto de trinta poemas
de construção irreverente, próxima da primeira fornada modernista, publicados
sob a forma de folhetim em jornais, em 1928, sob o título de Musa Capenga. No restante, é autor de
vasta e consagrada obra etnográfica e folclórica, cuja publicação se inicia com
Religiões Negras. Notas de Etnografia
(Rio: Civilização Brasileira, 1936), seguindo-se outras 19, entre as quais: Negros Bantus (Rio: Civilização
Brasileira, 1937); Castro Alves – Ensaio
e Compreensão (Rio: Livraria José Olympio, 1937); O Negro no Brasil (Rio: Civilização Brasileira, 1940); Quilombo de Palmares (São Paulo:
Brasiliense, 1947); Candomblés da Bahia
(Salvador: Museu do Estado, 1948); Antologia
do Negro Brasileiro, 1950; A
Insurreição Praieira (Rio: Conquista, 1961); Ladinos e Crioulos (Estudo sobre o Negro no Brasil) - Rio:
Civilização Brasileira, 1964 (Apresentação de Manuel Diégues Júnior).
“Foi
assim que a cidade da Bahia de Todos os Santos encontrou o seu grande poeta e o
seu grande sociólogo. A imaginação o levou aos meios africanos, ao mistério das
macumbas, à beleza dos candomblés. O desespero da época fez com que ele
produzisse ensaios em vez de poemas. Agora sai seu primeiro livro: Religiões
Negras. Apesar de primeiro livro, não é livro de estreante. Aos 24 anos,
Édison Carneiro, mesmo sem livro, já era um grande nome.” (AMADO, apud SEIXAS,
2020)
EXTRATO
DE POEMA DE ÉDISON CARNEIRO
Ah, negra faceira!
Que tolice, minha negra,
[…]
que você tenha
espichado
seu cabelo.
Para que
essa beleza
artificial [?].
Vou ao Pau Miúdo
e trago,
para botar na sua porta
uma coisa feita,
dessas que fazem
morrer de amor,
preparada,
minha beleza,
pelas mãos
do grande mago
Jubiabá.
JORGE
AMADO (1912-2001)
Escritor
brasileiro mais conhecido no exterior, traduzido em dezenas de idiomas, e um
dos mais lidos do País, com mais de duas dezenas de livros publicados, Jorge
Amado de Faria nasceu na Fazenda Auricídia, em Ferradas, então distrito de
Itabuna, que dois anos antes se emancipara de Ilhéus, cidade onde por cerca de
dois anos residiria, em solar construído pelo pai, João Amado de Faria, hoje
sede da fundação cultural do município. Aos dez anos vai para Salvador estudar
no Colégio Antônio Vieira, onde completa o curso secundário. Inaugura sua
vocação literária, publicando três poemas na revista A Luva.
Em
1928, aos 16 anos, funda, em Salvador, com outros de quase a mesma idade, a
Academia dos Rebeldes, misto de exercício de boemia e aspirações literárias sob
influência da grande onda modernista, que poucos anos antes eclodira em São
Paulo, tendo como mentor deles o jornalista panfletário Pinheiro Viegas.
Escreve para a revista de único número, Meridiano,
órgão de propagação das ideias do movimento. Em 1931, muda-se para o Rio de
Janeiro, levando debaixo do braço os originais do seu primeiro romance, O País do Carnaval, com uma carta de
Pinheiro Viegas recomendando-o ao já então influente crítico literário Agripino
Grieco; aí, ingressa na Faculdade Nacional de Direito. Mas antes, ainda em
Salvador, cometera estripulia literária, de que depois se arrependerá,
representada pelo romance Lenita,
escrito a seis mãos, juntamente com dois de seus amigos Rebeldes, cujo fiasco
editorial ele próprio narraria, em tom de pilhéria.
“Dias
da Costa, Édison Carneiro e eu, em 1929, escrevemos em colaboração um romance
sob o título de El-Rey, publicado em
folhetim em O Jornal, órgão da Aliança Liberal na Bahia. Um editor do
Rio, A. Coelho Branco Filho – jamais esquecerei, pois foi o primeiro a colocar
meu nome na capa de um livro, o primeiro a me ficar devendo direitos autorais
–, lançou-o em volume em 1930, capa medonhosa, com o título de Lenita. Livrinho com todos os cacoetes
da época, Medeiros e Albuquerque o definiu: uma
pura abominação. ´Um único subliterato não poderia tê-lo feito tão ruim,
foi necessário que se juntassem três´” (AMADO, 1992).
Por
essa época, além de publicar o primeiro romance, aos dezenove anos, ingressa no
Partido Comunista Brasileiro e mete-se, com Édison Carneiro e outros, em
campanha pela defesa da liberdade religiosa, visando livrar de proibições e
perseguições os cultos de origem africana, como o candomblé, postura que lhe
consome anos de dedicação e luta. O segundo romance, bibliograficamente
reconhecido, Cacau, sairia em 1933,
ano em que se casa com a poeta Matilde Garcia Rosa. Segundo a crônica, o
envolvimento político leva-o à prisão e ao exílio, tendo inclusive exemplares
de sua obra, como o romance Capitães da
Areia, queimados em praça pública pela ditadura Vargas.
Preso
por várias vezes, a terceira ocorrida em 1942, recebeu beneplácito
discricionário de cumprir a pena confinado em Salvador, onde trabalhou no
jornal O Imparcial, então propriedade
do coronel Franklin Lins de Albuquerque, senhor do São Francisco e pai de seu
amigo e futuro escritor Wilson Lins. Em 1945, casa-se com Zélia Gattai e é
eleito deputado federal por São Paulo, para compor uma histórica Assembleia
Constituinte, em que figuravam altos representantes da inteligência e da
cultura brasileira (entre outros, Afonso Arinos, Armando Fontes, Gilberto
Freyre, Gustavo Capanema, João e Otávio Mangabeira, Luiz Carlos Prestes, Luiz Viana
Filho, Nestor Duarte, Plínio Salgado, Prado Kelly, Tarsilo Vieira de Melo),
responsável pela alta configuração democrática da Constituição Federal de 1946,
ao amparo da qual apresenta projeto de lei em favor da liberdade de culto
religioso no país, mas logo depois tem o seu mandato cassado (1947), após ser o
PCB lançado na ilegalidade. Segue então para a Europa, passando a residir em
Paris e Praga, onde escreve O Mundo da
Paz. Pelo conjunto da obra, em 1951, recebe o Prêmio Internacional Stálin,
regressando ao Brasil em 1956. Elege-se, em 1961, para a Academia Brasileira de
Letras e, dois anos depois, muda-se para Salvador, residindo em bucólica mansão
construída nos Altos do Rio Vermelho, hoje museu.
Escreveu
para diversos jornais e periódicos do Brasil, entre os quais O Jornal, O Estado da Bahia, O Imparcial,
Boletim de Ariel, Dom Casmurro, Diretrizes, A Tarde, Última Hora, Para Todos,
Folha da Manhã. A vasta e prolífera escritura de Jorge Amado, quase toda
marcada pela crítica social e pelas mazelas e injustiças que oprimem o ser
humano mundo afora, pode ser, aleatoriamente, distribuída por três vertentes: a
telúrica, cujo cenário são a região do cacau, o Recôncavo e o sertão; a urbana,
que tem como referência principal a cidade do Salvador, e a de conteúdo
estritamente político e memorialístico.
No
primeiro bloco, podem-se alinhar O País
do Carnaval (1931), Cacau (1933),
Suor (1934), Terras do Sem-Fim (1943), São
Jorge dos Ilhéus (1945), Seara
Vermelha (1946), Gabriela, cravo e
canela (1958), Tieta do Agreste
(1977), Tocaia Grande (1984). Do
segundo, seriam: Jubiabá (1935), Mar Morto (1935), Capitães da Areia (1937),
Bahia de Todos os Santos (1945), Os
velhos marinheiros, que inclui a novela
A morte e a morte de Quincas Berro D´água (1961), Os pastores da noite (1964), Dona
Flor e seus dois maridos (1966), Tenda
dos Milagres, (1969), O sumiço da
santa (1988), Tereza Batista cansada
de guerra (1972), Farda, fardão,
camisola de dormir (1979), A
descoberta da América pelos turcos (1992). Enfim, integrariam o último
grupo: ABC de Castro Alves (1941), O cavaleiro da esperança (1942), Amor de Castro Alves (1947), O Mundo da Paz (1951), Subterrâneos da Liberdade (I. Os Ásperos Tempos; II. Agonia da Noite; III. A Luz do Túnel, 1954); Navegação de Cabotagem (1992). E, como
curiosidade, um de poesia: A Estrada do
Mar, 1938.
Jorge
Amado morreu em Salvador, em 6 de agosto de 2001, a quatro dias de completar 89
anos. A ligação ainda juvenil com a religião dos orixás fê-lo obá do candomblé
Axé Opô Afonjá e, talvez por isso, como anota Alberto da Costa e Silva, “uma
das últimas homenagens no seu velório tenha sido prestada por um grupo de mães
de santo, que, vestidas inteiramente de branco, lhe encomendaram o corpo”. (SILVA,
2010)
Além
de ser um autor de imensa popularidade, com uma obra fiel aos princípios do
humanismo e quase toda associada à crítica social e à denúncia das injustiças,
Jorge Amado foi também um extraordinário criador de figuras femininas em seus
romances, mas, só em 2013, surge o alvissareiro anúncio de que lhe seriam
abertas as portas dos estudos universitários, antes sempre a ele
misteriosamente fechadas, a começar por São Paulo. Segue abaixo criação de sua
raríssima lavra poética.
CANTAR DE AMIGO DE GABRIELA
Jorge Amado
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Palácio real lhe dei
um trono de pedrarias
sapato bordado a ouro
esmeraldas e rubis
ametistas para os dedos
vestidos de diamantes
escravas para servi-la
um lugar no meu dossel
e a chamarei de Rainha.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Só desejava uma campina
colher as flores do mato.
Só desejava um espelho
de vidro, pra se mirar.
Só desejava do sol
calor, para bem viver.
Só desejava o luar
de prata, pra repousar.
Só desejava o amor
dos homens, pra bem amar.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
No baile real levei
A tua alegre menina
vestida de realeza
com princesas conversou
com doutores praticou
dançou a dança estrangeira
bebeu o vinho mais caro
mordeu uma fruta da Europa
entrou nos braços do Rei
Rainha mais verdadeira.
Oh! Que fizeste, Sultão,
de minha alegre menina?
Manda-a de volta ao fogão
a seu quintal de goiabas
a seu dançar marinheiro
a seu vestido de chita
a suas verdes chinelas
a seu inocente pensar
a seu riso verdadeiro
a sua infância perdida
a seus suspiros no leito
a sua ânsia de amar.
Por que a queres mudar?
AYDANO DO COUTO FERRAZ
(1914-1985)
Graças à
sua vocação para o jornalismo, que exerceu por toda a vida, Aydano Pereira do
Couto Ferraz foi um dos mais ativos membros da Academia dos Rebeldes, deixando,
como marcas de sua participação no movimento modernista, coletâneas de ficção e
poesia sobre o mar. Diplomado em Direito (1937), permaneceu em Salvador até
1939, quando se transferiu para o Rio de Janeiro e lá fixou residência. Exerceu
funções de editor em O Jornal e de
coordenador de Redação no Correio da
Manhã.
Tanto na
Bahia como no Rio, com Jorge Amado e Edison Carneiro, empenhou-se na luta em
defesa da liberdade religiosa, atuando firmemente contra perseguições às
práticas do candomblé. Na esfera pública, ocupou cargos de técnico em educação
e de comunicação social, editando revistas do Ministério da Educação e Cultura.
Como político, foi por muitos anos ativo dirigente do Partido Comunista
Brasileiro.
Escritor e poeta, publicou ainda
em Salvador Apicuns (Novelas Praieiras),
em 1932, e Cânticos do Mar, em 1935,
que receberam boa acolhida por parte da crítica. Como nutria visão utópica e
humanista da vida e da sociedade, o mar, o amor, a esperança e a liberdade
foram os temas prediletos de sua arte literária. Comentando o seu primeiro
livro, o crítico Carlos Chiacchio reconheceu nele “um pintor de marinhas”, e
ainda mais se revela um apaixonado pelo mar, no segundo, ao ponto de em seus
versos desejá-lo “serenamente enquadrado
no horizonte, / limpo de velas, de mastros e de ruídos das dragas do porto. / -
Um mar soberano, sem a vassalagem das ondas”.
Publicou mais três livros: Pequena História da Caricatura no Brasil,
1942; Os Poemas Perdidos e seu Reencontro
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/INL, 1984); A Luta do Símbolo (Belo Horizonte, 1985).
“Aydano Pereira do Couto Ferraz
se realizou amplamente como jornalista, foi diretor de jornal e revistas, mas
sobretudo poeta. Teve em vida duas grandes vocações: a poesia e a política. E
assim ficou a vida inteira, fiel à sua vocação inicial, à sua primeira
vocação.” (SANTOS, 2010).
Isto é, foi sobretudo um poeta,
mas um criador cuja obra não foi capaz de empolgar as gerações que o sucederam.
No dia seguinte a sua morte em Brasília, o
colunista político Carlos Castelo Branco, informou em sua coluna de 7 de agosto
de 1985, no Jornal do Brasil:
“O jornalista e escritor baiano
Aydano do Couto Ferraz, companheiro de geração e de vida literária de Jorge
Amado, foi enterrado ontem em Brasília, onde faleceu na véspera. Aydano teve
destacada atuação no Partido Comunista Brasileiro, na fase da atuação legal, de
1945 a 1947, quando exerceu a direção do jornal Imprensa Popular, órgão de
propriedade e de doutrinado velho PCB”. (SANTOS, 2010).
CANTO DA ESPERANÇA
Minha
esperança,
A asa azul do sonho
tocava minha fronte solitária
na noite em que te vi.
Se tu foras a aurora,
minha amiga,
não te quisera a ti.
Há que mil anos a aurora se repete!
Hás de ser sempre nova, matutina,
entre as névoas do céu te descobri!
Vê se despertas nesse peito rude
as notas sentidas que ele já exalou.
Fala do mar ao teu irmão poeta,
povoa de primaveras a sua alma,
sonhos no coração,
que em troca de um olhar
dou estes versos,
em troca de um sorriso
- uma canção -
Aydano do Couto Ferraz - (In Os poemas
Perdidos e o seu Reencontro. Rio de Janeiro,1950.)
WALTER RAULINO DA SILVEIRA
(1915-1970)
Último a
ingressar nas hostes da Academia dos Rebeldes, mais disposta a acolher nomes
inclinados ao exercício da literatura e do jornalismo, sem qualquer interesse
por outras linguagens, até mesmo as artes plásticas e a música, o que pode ser
debitado, na época, à predominância do conservadorismo nesses campos, baiano de
Salvador, Walter Raulino da Silveira viria a projetar-se no cenário cultural
como “homem de cinema”, tal a sua precoce identidade com a Sétima Arte, em
nível até de pioneirismo regional, e advogado, com larga fama de defensor de
operários e favelados, por seu vínculo com o Partido Comunista Brasileiro, de
1945 a 1957.
Diplomado em 1935, a opção
política levou-o a abandonar o cargo de juiz de Direito para abraçar a carreira
de advogado trabalhista, chegando a atuar como causídico de 26 sindicatos
operários. Na esfera política, exerceu mandato de deputado na Assembleia
Legislativa da Bahia de 1955 a 1959.
Grande fomentador cultural, desde
a juventude, tornou-se figura exponencial do desenvolvimento do cinema no
estado, a partir da fundação do Clube de Cinema da Bahia, em 1950, quando
também atuou como colaborador de Caderno
da Bahia, revista representativa do movimento artístico e literário que
surgira em 1948, revelando nomes como Mário Cravo Jr., Carlos Bastos e Rubem
Valentim, nas artes plásticas, Vasconcelos Maia, na ficção literária, e Wilson
Rocha e Jair Gramacho, na poesia, Heron de Alencar e Darwin Brandão, no
jornalismo.
Walter da Silveira publicou seu
primeiro texto sobre cinema no jornal da Associação Universitária da Bahia, sob
o título de “O Novo Sentido da Arte de Chaplin”, enfocando o gênio do cinema,
de cuja obra e imagem pública se tornaria respeitado estudioso e admirador
confesso, ao ponto de, já desenganado, antes de morrer de câncer, fazer de
Jorge Amado, seu grande amigo, portador de uma carta a Charles Chaplin, junto
com um exemplar de livro seu sobre o célebre criador de Carlitos, missão
fielmente cumprida.
“Antes de falecer, Walter recebeu
duas cartas, remetidas ambas da residência do mestre maior do humanismo em
nosso século: uma do escritório, despacho formal da secretária, acusa a chegada
do volume e agradece. A outra, carta pessoal de Charles Chaplin: sensibilizado
fala do livro, mensagem de estima e afeto, calorosa”. (AMADO, 1992).
O estímulo ao debate cultural em
torno da Sétima Arte permitiu-lhe alavancar várias iniciativas, entre as quais
a criação de curso de cinema ministrado no âmbito da Universidade Federal da
Bahia e a realização do Ciclo Baiano de Cinema, referência para tornar Salvador
em polo de vanguarda criativa e matriz de nascimento do Cinema Novo, movimento
artístico que irá empolgar o país. Mentor desse afã cultural, Walter da
Silveira contribuiu para a formação de uma geração de cineastas na Bahia –
Glauber Rocha, Roberto Pires, Paulo Gil Soares, Orlando Senna, Guido Araújo,
José Umberto, Olney São Paulo, Luiz Paulino, Tuna Espinheira, entre outros.
Mestre da crítica
cinematográfica, publicou artigos sobre cinema e estética em jornais e revistas
de Salvador e do Sul do país, além de participar do júri de festivais de
cinema, nacionais e internacionais. A sua bibliografia reúne as seguintes
obras: Fronteiras do Cinema (Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966); Imagem
e Roteiro de Charles Chaplin (Salvador: Mensageiro da Fé, 1970); História do Cinema Vista da Província
(Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978); O Eterno e o Efêmero (Salvador: Secretaria da Fazenda/ Secretaria
da Cultura e Turismo do Estado da Bahia/ Oiti Editora e Produções Culturais, 4
vols., org. de José Umberto, 2006).
FONTES
CONSULTADAS
ABREU,
Bráulio de. Longevidade para a poesia. (Depoimento). Salvador: A
Tarde Cultural, pp. 2 e 3, 1998.
AMADO, Jorge. Navegação
de Cabotagem. Rio de Janeiro: Editora Record, 1992.
AMADO, Jorge. ALVES RIBEIRO (Especial para A
Tarde). Salvador: A Tarde, 29 jun. 1976, p. 4.
ASSIS,
Herculano e FELICÍSSIMO, Gustavo. Sosígenes Costa – Cobra de duas cabeças;
poesia e prosa encontradas e inéditas. Ilhéus (BA): Editora Mondrongo,
2011.
BENJAMIN,
Walter – El París de Baudelaire. Tradução de Mariana Dimópulos. Buenos
Aires: Eterna Cadencia Editora, 2012.
BORGES, Jorge Luis. Textos Recobrados (1919-1929). Buenos Aires: Emecê Editores, 2007.
FELICÍSSIMO, Gustavo. Um canto parnasiano: a poesia de José Bastos. Jornal
Agora, Caderno Banda B,
Itabuna, 30 maio 2010.
FRANCK, Dan. Boêmios.
Trad. Hortência Santos Lencastre. São Paulo: Editora Planeta do Brasil., 2004.
FRANCK, Dan. Nu
Deitado (romance). Trad. Maria do Carmo Abreu. Lisboa: Asa Editores, 2000.
GOMES, João Carlos Teixeira. Camões contestador e outros ensaios.
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1979.
HAZAN, Eric. A invenção de Paris: a cada
passo uma descoberta. Tradução de Mauro Pinheiro. São Paulo: Estação
Liberdade, 2017.
JOZEF,
Bella – Jorge Luis Borges. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora,
1996.
MARQUES,
Nonato. A poesia era uma festa. Salvador: GraphCo Editora, 1994.
MARQUES,
Nonato. Uirapuru da métrica. Salvador: A Tarde Cultural, p.12,
07.03.1998.
MATTOS, Florisvaldo. Poesia em tempos de boemia literária.
Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, n. 51, jul. 2013.
MATTOS, Florisvaldo. Travessia de oásis: a
sensualidade na poesia de Sosígenes Costa. Salvador: Secretaria da Cultura
e Turismo do Estado da Bahia, 2004.
MATTOS, Florisvaldo. Paraísos nada
artificiais. Salvador: A Tarde
Cultural, 03 fev. 2001, p. 8.
PAULA, Flávio de. Apóstolos do Sonho. Salvador, BA: Empresa Gráfica
Limitada, 1952.
PAULA,
Flávio de. Cada grupo, um Café. Salvador: A Tarde Cultural, p.
9.03 fev. 2001.
PAZ,
Octavio. Convergencias: ensaios sobre arte e literatura. Rio de
Janeiro, RJ: Rocco, 1991.
PÓLVORA, Hélio. Ensaio, in A Sosígenes com afeto. Salvador: Edições Cidade da Bahia, 2001.
ROSSI, Luís Gustavo Freitas. Academia dos
Rebeldes e o modernismo literário da Bahia, nos anos 1920. Disponível em: https://cdsa.aacademica.org/000-066/1213.pdf. Captado em: 19/01/2021.
SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. 1ª ed., 1981; 2. ed. reesc. ampl.,
Salvador: Casa de Palavras, 2009.
SANTANA, Valdomiro. Samba. Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento. Edição
fac-similar, Salvador, Nº 1-4, 1999.
SANTIAGO, Cybèle Celestino; CERQUEIRA, Karina Matos
de Araújo F. Sobre arcos e bondes: resgatando a memória urbana de
Salvador.
Salvador: Edufba, 2019.
SANTOS, Gilfrancisco. Pinheiro Viegas e o epigrama na Bahia. Salvador: A Tarde
Cultural, 15 de dezembro de 2001. Disponível em: jornadaonline.blogspot.com. Captado em: 18.08.2020.
SANTOS, Gilfrancisco. O Rebelde Alves Ribeiro. (Aracaju/SE:
08 de novembro de 2010). Disponível
em: http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2010/11/o-rebelde-alves-ribeiro.html
Captado em: 18/08/2020.
SANTOS, Gilfrancisco. - Pinheiro Viegas na imprensa do Rio de Janeiro (Pesquisa realizada
na Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: literaturanabahia.blogspot.com/2018/08/viegas-na-imprensa.html.
S. d. Captado em: 25.08.2020.
SANTOS, Gilfrancisco – Guilherme Dias Gomes: um
rebelde potiguar na Bahia. Disponível em: http://jornalistaepoetajoisalberto.blogspot.com/2009_08_16_archive.html.
Captado em: 19/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco Santos – O jornalista Aydano
do Couto Ferraz. Disponível em: https://evidencie-se.com/o-jornalista-aydano-do-couto-ferraz/,
2010. Captado em: 19/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco – Clóvis Amorim, o romancista
do Recôncavo. Disponível em: https://evidencie-se.com/clovis-amorim-o-romancista-do-reconcavo/
Captado em: 18/03/2021.
SANTOS, Gilfrancisco. Sosígenes Costa: Crônicas & poemas recolhidos. Salvador:
Fundação Cultural de Ilhéus, 2001.
SCALDAFERRI, Sante. Primórdios da Arte Moderna na Bahia. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado; Museu de Arte Moderna da Bahia; Fundação Cultural
do Estado da Bahia, 1997.
SEIXAS, Cid. A poesia de Edison Carneiro redescoberta por
Gilfrancisco. Disponível em: literaturanabahia.blogspot.com.br e também
em: http://www.arquivors.com/cidseixas1.htm
(s.d.). Captado em: 09.12.2020
SEIXAS, Cid. Triste
Bahia: Oh Quão Dessemelhante: notas sobre literatura na Bahia. Salvador: EGBA, 1996.
SEIXAS, Cid. “Modernismo e diversidade: impasses e
confrontos de uma vertente regional”. Légua & Meia – Revista de Literatura e Diversidade, Feira de
Santana, Ano 3, n. 2, 2004.
SEIXAS,
Cid – Rebeldes de Academia: contradição e coerência. Disponível em: http://jornadaonline.blogspot.com/2010/08/rebeldes-de-academia-contradicao-e.html. Acesso em:
11.12.2020.
SEIXAS,
Cid – 1928: Modernismo e maturidade – A Literatura na Bahia. Disponível
em: http://www.e-book.uefs.br/pdf/1928.pdf e em:
http://www.linguagens.ufba.br/pdf/1928.pdf.
Captados em: 19/03/2021).
SILVA, Alberto da Costa e. Jorge Amado
Essencial
(Seleção e Prefácio). São Paulo: Penguin; Companhia das Letras, 2010.
SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda
baiana. 2006. Universidade
Estadual de Feira de Santana, 2006. Disponível em www.dominiopublico.gov.br e http://livros01.livrosgratis.com.br/cp000515.pdf.
Captados: 28/08/2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário