UMA CURIOSIDADE LITERÁRIA (V)
Se Regina de Alencar, autora de Sensações (1922), atendia na vida civil pelo nome de Eduardo Faria, ignoramos quem se escondia sob o pseudônimo Sarah de Tobias, no livro Emoções Secretas, de 1924.
Literariamente superior à colega em poesia, Sarah conseguiu o aval de ninguém menos do que Alberto de Oliveira, que, num bilhete-preâmbulo, consegue a façanha de elogiar os poemas sem sequer aludir à grande carga libidinal neles contida: diz que seus versos são “amplos e musicais”.
Enquanto em Regina/Eduardo um tom de voluntária vulgaridade era perceptível, em Sarah a proposta é outra: a de se inserir numa tradição “superior”, artisticamente elaborada, da vertente erótica.
Assim, não por acaso, o livro, apesar da capa provocativa, apresenta epígrafe em latim; é dedicado “à excelsa artista Gilka da Costa Machado”; vem legitimado por juízos de Alberto de Oliveira e de Carlos Cavaco (este encerra os comentários falando da “glória de Cristo”).
Poderíamos até supor que Emoções fosse livro religioso, a considerarmos a foto (verdadeira?) quase beatífica da autora, com as mãos unidas, o olhar dirigido às alturas, e se atentarmos para o título de alguns poemas: “Sóror Dolorosa”, “Freira”, “Salomé e Yokanaan”.
Leiamos, porém, o que a religiosa revela , à contracorrente de qualquer espiritualidade.
FREIRA
À meia luz da semiobscuridade,
Onde domo o furor dos meus impulsos,
Sinto horror e repilo a virgindade
E o triste manto que me algema os pulsos.
Envergonha-me a falsa castidade,
Amo os ímpetos lúbricos, convulsos,
A alvorada de minha mocidade,
Os desejos insanos e propulsos...
Amo os rútilos sonhos de ventura,
A violenta emoção do meu delírio
E o pecado que afaga e que tortura...
Mas odeio e maldigo este convento,
Onde vivo carpindo o meu martírio
E abafando o meu próprio sentimento...
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