quarta-feira, 21 de julho de 2021

JOÃO UBALDO RIBEIRO, MEMÓRIA

 JOÃO UBALDO RIBEIRO, O POETA E O

MISSIVISTA, QUE ABRIA E MOSTRAVA AS ENTRANHAS

E O CORAÇÃO EM CARNE VIVA AOS AMIGOS.

ABAIXO, PEDAÇOS PRECIOSOS DE ALGUNS DESSES MOMENTOS, PARA MINORAR A AUSÊNCIA E MATAR 7 ANOS E 3 DIAS DE SAUDADES DE UM SER ÚNICO E MÚLTIPLO, COMPLEXO E SIMPLES, CORAJOSO E AUTÊNTICO. VIVA JOÃO UBALDO NESTA SEMANA DE MEMÓRIA DE SUA PARTIDA. E SEMPRE. (Vitor Hugo Soares).

"De vez em quando, o João tinha surtos poéticos e escrevia poemas em inglês, língua que ele conhecia como raros nativos, mas tinha vergonha de mostrá-los e costumava destruí-los logo depois de escrevê-los. Certa vez, ainda no tempo do fax, ele me enviou um poema, que traduzi quase instantaneamente. Deste, felizmente, o João se afeiçoou e de vez em quando me pedia que o repetisse. E o repito aqui, porque parece um autorretrato desse que, além de um ser um dos mais complexos e deslumbrantes brasileiros de todas as eras, era também um amigo perfeito" - assim comenta Geraldo Carneiro em texto publicado n'O Globo, de 21 julho de 2014.
Poema inédito de João Ubaldo, publicado no jornal O Globo três dias depois de sua morte no Rio de Janeiro.
"Até a morte eu me atormentarei
Pelo que descobri e não encontrei,
Pelo que, pascaliano como sou,
Eu compreendi, e ainda assim maldigo.
Sou o idiota mais perfeito, aliás,
Por feito mais de carne que de gás.
É esse o fado que me leva adiante,
Num mundo para o qual não sou prestante.
Tudo o que tenho as mulheres me deram,
Consolação, razão para existir.
Benditas Berenices, Beneditas.
Também sejam benditos meus amigos,
Pois gosto deles, tenham longa vida,
E até eu mesmo que não a mereço,
Mas que a observo e sei qual é seu preço.
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João Ubaldo Ribeiro por ele mesmo:
"Eu sou uma pessoa totalmente destituída de rabo preso. Nunca roubei ninguém, não tenho antecedentes criminais, nunca fui dedo-duro, é difícil desencavar em meu passado algo mais grave do que ter enganado uma namorada, e assim mesmo muito eventualmente.
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"João Ubaldo exerceu, nas décadas de 60 e 70, a carreira de jornalista. Em 1975, chegou a assumir o cargo de editor-chefe da Tribuna da Bahia.
João Carlos Teixeira Gomes, no seu excelente ensaio crítico “João Ubaldo e a Saga do Seu Talento Triunfante” (RIBEIRO, João Ubaldo. Obra seleta. Organização Zilá Bernd. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005), narra as dificuldades financeiras sofridas pelo escritor. Numa comovente carta enviada ao amigo Glauber Rocha, datada de 31 de outubro de 1979, João Ubaldo confessa a sua angustiante instabilidade econômica:
“Escrevo porque sinto falta dos amigos e me sinto um pouco desamparado. Decidi abandonar a condição de editor-chefe da Tribuna, embora ainda devo ficar fazendo uns negócios para eles. Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, pois viver de escrever, mesmo no jornalismo, é phoda e, inclusive, ninguém me paga. A Folha paga, mas é pouco. Enfim, não sei. Talvez seja por isso que me deprima um pouco, talvez eu esteja chegando perto dos 40 e me ache um fodido – você veja. Eu não tenho nem onde morar (...)”.
Em outra carta enviada a Glauber, datada de 28 de novembro de 1979, volta a se queixar da vida economicamente desarrumada:
“Ganho uma terrível miséria para escrever um editorial todo dia, várias notas, dois artigos de lauda e meia por semana, uma crônica de três laudas por semana e mais a edição de um tablóide mensal. Com isso, julguei estar conquistando algo, pois pelo menos trabalho em casa e de bermudas, mas me dá desgosto ter que escrever merdas.”
No início dos anos 80, Ubaldo deixou Salvador e voltou a morar na Ilha de Itaparica, na casa onde nasceu, “para cumprir o seu destino de escritor”, nas palavras de João Carlos Teixeira Gomes. Nos anos de 83/84, em Itaparica, escreveu a obra-prima Viva o Povo Brasileiro, monumental romance que percorre quatro séculos de história do país. João Carlos Teixeira Gomes relata que, “ao isolar-se com mulher e filhos na ilha, acreditando no seu poder criador e renunciando, ainda tão jovem, às solicitações e oportunidades das cidades grandes, foi lá que João Ubaldo acabou por escrever a saga do seu próprio talento, afinal triunfante”.
(Do Portal de Poesia, de Rodolfo Pamplona).

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