(Atenção: título
provisório; poema de 2016 concluso em 02/06/2022)
PONTEIO COM TERCET0S SENSORIAIS
Honorino (Ioiô)Rial
La mer, la mer, toujours recommencée!
O
recompense après une pensée
Qu´un
long regard sur le calme des dieux!
(Paul Valéry)
À l'austère devoir pieusement fidèle,
elle dira, lisant ces vers tout remplis d'elle,
"Quelle est donc cette femme?”, et ne comprendra pas...
(Félix Arvers)
Crede mihi, non ulla tuae est medicina figurae
nudus Amor formae non amat artificem.
(Propércio)
Omnia vincit Amor: et nos cedamos
Amori.
(Virgílio)
As mãos liriais, / Os braços
divinais / O corpo algo sem par / Os pés muito pequenos / Enfim eu vi nesta
mulher / Uma perfeita Vênus.
(Benedito Lacerda e Aldo Cabral, valsa)
Não és Marie e nem és Mennessier,
E não serás tampouco Nodier,
Como eu nunca serei Félix Arvers.
A vida tem mistérios e segredos.
Não se pode viver de sonhos ledos,
Se a mente se escancara para os medos.
Penso que meu destino é sem remédio.
Abro a porta, surpresa: um corpo nédio,
Que surge para sepultar meu tédio.
Dizem: na encruzilhada, o Cão atenta,
Com todo o turbilhão que o tempo inventa.
Miro-te o rosto: uma ave na tormenta.
Em dias que se vestem de mormaço,
Sopras tua candura neste espaço
E à cobiça te expões de um sol devasso.
Ou por outra, sentada em um jardim,
De olhar tão longe e tão perto de mim,
Vieste, gasta de noites do sem-fim.
Silêncio é tudo que não nega sendas
E não exige que se ponham vendas
Em quem parece vir de antigas lendas.
Não posso te dizer o que ora sinto.
Se a outros, louco, disser, dirão que minto.
Nem é para mim solução o absinto.
Até penso que és mito, deusa ou fada.
Vontade de deixar-te embriagada,
Hoje, não amanhã, diva sonhada!
Ah, ponho-me de fauno na clareira
Urbana. Logo um vulto, alvissareira
Imagem; para mim, Ceci trigueira.
Contemplo-te do fundo de meus ais:
Uma estátua, mas não de mãos liriais.
Ah, boneca, tu não serás jamais.
Em meu desvairo, perdido e sem nexo,
Vendo em ti do sol vívido reflexo,
Pergunto-me como será o teu sexo.
Tu nada tens de Laura, nem de Ofélia;
Nada de flor, bem mais tens de bromélia.
Não és Cíntia, nem Lia, jamais Amélia.
Pra mim és Salomé de Sá-Carneiro,
Dançando e contorcendo-se - um salseiro! -,
A me fazer sonhar o dia inteiro.
Vejo a morena coxa – quanto brilha! -,
Tanto quanto brilhou Ninon Sevilla,
Numa sonora mexicana trilha.
Talvez até Kiki de Montparnasse,
Coração de vanguarda; outra, que trace
Em mim caminhos, medre e me ultrapasse.
Tens um livro na mão. A mente aflita,
Curiosa, indaga: "Não será Lolita?"
Ânsia maior talvez de quem cogita.
Choras porque perdeste a virgindade,
Por uma distração de pouca idade,
Com um noturno assaltante da cidade.
Sorris dessas lembranças da alvorada,
E de outras, que não servem para nada.
Hoje, mulher, não queres ser manada.
Os dias sem nenhuma maquilagem
Passas, a idade não exige; a imagem
Só precisa de um ato de coragem.
Já te queria, quando a mão me deste,
Na praia azul voltada para o Leste.
Eras só luz; em mim amanheceste.
Ouviste o que insinuava a ti meu canto.
Disseste não querer perder o encanto,
Tampouco dissolver teu sonho em pranto.
O tempo passa, como passa o dia.
Guardei meus surtos de melancolia;
Tornas agora e és uma epifania.
Quando os fados atingem belas almas,
Deuses vêm e lhes oferecem palmas.
Eu te ofereço mel, em tardes calmas.
Tu me pertences, ouve esse ditame.
Encaro a rosa. Pedes-me que te ame.
Beijo-a. Se recuso, serei infame.
No quarto, como num lance de dados,
Eu, com meus olhos vãos, arregalados,
Irrompes tu, de peitos derramados,
De coração aberto qual um mar,
Eu, só espanto, sentado, a te mirar
Os seios, duas bolas de bilhar...
Belíssima aurora, vestida em seda,
Estátua de Rodin, que o sol não veda,
Aos olhos de quem marcha para a queda.
Entre lençóis ou no sofá da sala,
És a luz que me espera. A Lua fala.
Sonoro vento sopra em céu de opala.
Subo e chego ao pedestal dos seios;
Percebo lentamente os teus gorjeios.
Se desço em disparada, perco os freios.
Tens no corpo talvez um tino sábio.
Ainda mais ambicioso chego ao lábio,
Adornado de flor, meu astrolábio.
Mordes-me e, de teus antes ternos
Olhos, ora de fogo e brasa internos,
Fluem ardências semelhando infernos.
Beijo-te. Tu me lambes, eu te lambo
Sexo e pernas, e os seios cor de jambo.
Dali saímos para dançar um mambo.
Quando vejo na praia os claros seios,
De suavidade e de beleza cheios,
O idioma deles soletrando, leio-os.
Na branca areia, em tarde de preamar,
Nua, vais; mas percebo um risco no ar,
De eu ir atrás e me perder no mar.
Sentamo-nos à beira do caminho.
Hebe nos serve taças de áureo vinho.
Brindamos. Eu te cubro de carinho.
Sei que não é hora para desvarios,
Nem tampouco de sonhos. Subo rios
Sensuais, lábios, fartando-me de brios.
Tens uma lua de ouro dentre as pernas.
Levas-me a ela, com mãos leves e ternas.
Rasgam-me o corpo sensações eternas.
Na plenitude desse instante raso,
Vibras: és como uma água a encher um vaso.
Nem mesmo ramos fazem pouco caso.
Súbito, deste-me a rosa, e eu beijei-a.
A rosa rubra de uma vã sereia,
Estendida na minudente areia.
Eu, de novo, te lambo e tu me lambes,
Neste paraíso em que somos dois bambis.
Sol, sê testemunha, antes que descambes!
De cima a baixo, ó tempora, ó mores!
E eu, a sentir que vem de teu clitóris
Uma doçura de ambrosia... Ó flores!
Abres-me o sonho em púrpura de flor,
De fruto mesmo, doce e multicor;
De canto em ramos, vésperas de amor.
Pele em brilho auroral de sóis amenos,
Os seios fartos de florais acenos,
Cubro-te, como as águas cobrem Vênus.
Teu corpo esbelto, longe de conselhos,
Faz acordar em mim uns sonhos velhos,
E eu, sobre teu ventre, a apanhar de relhos...
A madrugada vinha e te saudava
Com um despejar de amor e gozo em lava,
Áurea caudal que nunca se acabava.
Ávido, baixara eu do seio às coxas,
Ante um crepúsculo de nuvens roxas,
Que a ti me acorrentava como a rochas.
Miro do mar os pontos luminosos,
Das gaivotas os voos sinuosos,
E em teu corpo faróis de ardentes gozos.
Para aplacar o caos que me atordoa,
Saímos os dois e vamos para Goa,
Com caravela e mar de sorte boa.
Camões estará lá com seus sonetos,
De almas gentis, sonhos e amor repletos,
Sem que ventos e céus imponham vetos.
Oh! Musa de um sonhar primaveril,
Por que acendes em mim furor viril,
A enredar-me em lascívias cor de anil?
Ah, tudo igual a ter-me um amanhã,
A me lembrar o canto da cauã,
Que me tirava o sono de manhã!
Contigo, só meu sonho era o sublime
Manter intacto, que ele a mim redime,
No íntimo, porque amar nunca foi crime.
As palavras enganam, bem sabemos.
Para seguir, precisarei de remos,
Sujeito a me bater com polifemos.
Não podes ser Marie Mennessier,
Porque beleza hoje é só mais de ver.
Não é de imaginar, não é de ser.
Só não deixas meu coração em paz,
E, ante esses versos, ah! perguntarás:
"Que mulher será essa?" Descobrirás.
Sozinha, o mundo encaras, silenciosa.
És fruta e senda, em nada pedregosa;
Jamais contradição, somente rosa.
Aspiro que, no final desse ponteio,
Tudo que de alegria e amor me veio
Seja navegação de farto enleio.
Deste sonho varonil me despeço.
Acordo. Vou à estante, leio e meço:
Não se resume a vida em ter sucesso.
À tarde, como se mirasse o mar,
As cortinas abro, de par em par.
Não há nada melhor do que sonhar!
(SSA/BA, 15/07/2016-2022)
|
À GUISA DE GLOSSÁRIO (Reporta-se aos nomes que figuram ou são aludidos com paráfrases no
poema, na ordem de presença nos tercetos). Marie Mennassier-Nodier (1811-1893). Trata-se da
figura, dama da alta sociedade francesa, casada, que a maior parte da crítica
admite ter sido a musa oculta, inspiradora de célebre soneto de autoria do
poeta Félix Arvers, a ela sigilosamente dedicado.
Ceci - Apelido carinhoso de Cecília de Mariz, famosa personagem do
romance O Guarani, de José de Alencar (1829-1877), publicado em
1857 e visto como epopeia da nacionalidade, servindo depois de inspiração a
Carlos Gomes (1836-1896), em ópera com o mesmo título, estreada em 1870. No
célebre romance, Ceci é o amor do índio goitacá Peri, assim comumente
descrita: "Ceci (Cecília): moça linda, de doces olhos azuis,
gênio travesso, mas meiga, suave, sonhadora, herdeira da força moral interior
de seu pai, D. Antônio Mariz". (Google). O personagem depois
serviria de leit-motiv a filmes, histórias em quadrinhos, seriado
de televisão e pinturas nacionais de linhagem figurativista, aparecendo ainda
em criações de música popular, como na marchinha carnavalesca A
História do Brasil, de Lamartine Babo, sucesso do Carnaval de 1934, na
voz de Almirante, na qual "Ceci beijou Peri / Ao som do Guarani", entre
outras adaptações. Laura – Personagem de obra teatral do
espanhol Calderon de la Barca (1600-1681), que aparece em um soneto de Olavo
Bilac, o XXIII da Via-Lactea, cujo primeiro quarteto assim a invoca: Laura! Dizes que
Fábio anda ofendido E, apesar de
ofendido, enamorado, Buscando a extinta
chama do passado Nas cinzas frias
avivar do olvido. Ofélia – Personagem da
tragédia Hamlet, de Shakespeare, arquétipo da donzela indefesa,
consagrada pelas artes plásticas, especialmente entre pintores românticos
(Millais, Delacroix), pelo tanto que simbolizava o seu suicídio. Cíntia – Amante e musa
inspiradora do poeta romano Sexto Propércio (47 a.C-16 a.C), essencialmente
lírico, que, protegido de Mecenas, atuou no período do imperador Augusto,
tendo como companheiros de vida literária os poetas Tibulo e Ovídio. A ela
dedicou as três primeiras da série de suas Elegias. Tradução dos
versos de Propércio, na epígrafe: Crê-me: nenhum
cosmético é necessário ao teu semblante; O amor é nu e não
ama os artifícios da beleza. (Elegias)
Os dias na esperança de um só dia Amélia – A “que era mulher de
verdade” num célebre sucesso carnavalesco, o samba, “Ai que saudades da
Amélia” (1942), de Ataulfo Alves (1909-1969), em parceria com Mário Lago
(1911-2002), a que “não tinha a menor vaidade”, símbolo de consciência e
probidade, na relação com o parceiro. Salomé - Personagem bíblica, cujo nome
deriva do hebraico Shalom, significando Paz, embora
tenha ficado famosa pela degola de São João Batista, para atender à sua mãe,
Herodias, que o odiava, episódio do Antigo Testamento, ocorrido na corte de
Herodes Antipas (20 a.C.- 39 d.C), tetrarca da Galileia, a quem Salomé fez o
pedido, após ele, encantado com a beleza dela e de sua dança, num banquete,
prometer dar-lhe o que pedisse, até mesmo a metade de seu reino, segundo a
lenda. E a cabeça de São João saldou a dívida. Ninon Sevilla (Emelia Pérez Castellanos,
1929-2015). Bela atriz e dançarina mexicana, nascida em Cuba, de corpo
escultural eroticamente celebrizado em filmes mexicanos das décadas de
1950-1960, dançando sensuais e eletrizantes mambos e rumbas. Kiki de
Montparnasse (pseudônimo
de Alice Prin, 1901-1953). Atriz, dançarina e modelo, foi um dos símbolos da
emancipação feminina do início do século XX, com destaque no período das
vanguardas artísticas, envolvendo literatura, artes plásticas, música, dança,
teatro, cinema e moda, em momento de revolução modernista, com sua fase áurea
nas décadas de 1920 e 1930. Fez parte do conjunto de mulheres que deram nova
fisionomia à presença feminina na cultura e na sociedade, em tudo pioneiras.
Como modelo ou amante, manteve relação com vários artistas, tanto
expressionistas, como surrealistas, entre os quais Chaïm Soutine, Tsuguharu
Foujita, Francis Picabia, Jean Cocteau, mas sua relação
mais duradoura se deu com o pintor e fotógrafo americano Man Ray, uma das
figuras mais destacadas do surrealismo, que dela realizou centenas de fotos,
algumas consagradas. Lolita – Personagem de famoso
romance de Vladimir Nabokov (1899-1977), que, editado primeiramente em Paris
(1955), depois em Nova York (1958) e, por fim, em Londres (1959), projetou
internacionalmente e consagrou o seu autor, tornando-se um marco da ficção no
século XX, pela ousadia erótica, dramática e comportamental com que tece a
sua trama, sendo adaptado sucessivamente para o teatro, o cinema e outras
linguagens artísticas. Sá-Carneiro (Mário de, 1890-1916) –
Poeta e prosador, figura relevante do Modernismo português, amigo de Fenando
Pessoa (1888-1935), cuja poesia sugere perturbações interiores, a refletir
uma hipersensibilidade às vezes alucinada, de voluntário desregramento
sensorial, com ressonâncias de Rimbaud, na esteira do decadentismo de Antônio
Nobre (1867-1900) e Camilo Pessanha (1867-1926). Ficaram dele dois livros de
poemas: Dispersão (1914), coletânea ainda publicada em vida,
e o póstumo Indícios de Oiro (1937). Encerra famoso soneto em
que evoca a imagem sensual da bíblica Salomé dançando, aqui aludido, com este
terceto:
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na boca imperial que humanizou um Santo...
Hebe – Na mitologia grega, filha de Zeus e Hera,
surge como a personificação da juventude; pertence à família divina e tem a
função celestial de servir néctar aos deuses. Neste papel, aparece em um
soneto do parnasiano Raimundo Correia (1860-1911):
Hebe risonha, os deuses majestosos E ela, passando, as taças lhes enchia... Virgílio (70 a.C-19 a.C) – Omnia
vincit Amor: et nos cedamos Amori. (Bucólicas, III, 69), Tradução:
“O amor tudo vence, e cederemos ao amor”. (Virgílio, Bucólicas.
Brasília: Editora Universidade de Brasília / Melhoramentos, 1982. Tradução:
Péricles Eugênio da Silva Ramos). Reiner Maria Rilke (1875-1926) - "Rosa, ó pura
contradição, prazer ____________________________________________________________ Autor: Honorino (Ioiô) Rial - poeta e servidor aposentado
do Instituto Brasileiro de Grafologia. |
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário