AGONIA, óleo sobre tela do expressionista alemão Egon Schiele |
SONETOS
RUY ESPINHEIRA FILHO
SONETO DE UM TRISTE PAÍS
(BRASIL, ABRIL DE 2020)
“... apagada e vil tristeza.”
As mais belas canções, eis que as cantamos
em tempos de esperanças e alegrias,
eras de generosas fantasias...
E agora apenas nos envergonhamos
de um país que tão alto já sonhamos
e que hoje é como um poço de agonias,
transbordando dejetos de idiotias,
em que nós mesmos – nós! – o transformamos.
Porque foi nosso voto demenciado
que a essa escória entregou todo o poder
de onde nos chega o horror em vendavais.
Ah, voltemos ao sonho abandonado,
para que não venhamos a viver
noutras trevas como estas – nunca mais!
MELANCOLIA, pintura do norueguês expressionista Edvard Munch
1
ROBERVAL PEREYR
SONETO – APÓS LER “SONETO DE UM TRISTE PAÍS"
BRASIL, ABRIL DE 2020)” DE RUY ESPINHERA FILHO
É isso mesmo, Ruy, eis que o Brasil
já se transforma em trevas e agonias
tornando imensa a dor de cada dia
e mentiroso todo o mês de abril.
Como então entoar belas canções
diante do pavor e da vergonha
que tragam a limpidez das emoções
daquele que, travado, já não sonha,
mas, antes, sente náusea, e assim despreza
o monstro que transforma luz em treva
e nubla o nosso jeito de sonhar?
Mas não importa, Ruy: nossa tristeza
está trazendo à tona outra beleza
em que repúdio é forma de cantar.
Feira de Santana, 26 de abril de 2020.
2
LOURIVAL PILIGRA
SONETO DA ESPERANÇA NO FUTURO
(ESCRITO A PARTIR DE UM POEMA DE RUY ESPINHEIRA FILHO)
"Noutras trevas como estas - nunca mais!"
É o que canta o poeta entristecido
Vendo a pátria morrendo em tristes ais
Sobre o solo sem vida e ressequido!
Nós só vemos "o horror em vendavais"
No desgoverno atroz de um pervertido
Que gargalha da morte e seus sinais
Como um sádico a rir de alguém vencido!
Que o sentido no verso piche o muro
Num convite a esquecer, tornar passado,
Esse momento trágico e obscuro
(De quem vivo se sente sepultado)
Para que nós possamos, no futuro,
Retomar nosso "sonho abandonado".
Itabuna, abril de 2020.
3
FLORISVALDO MATTOS
SONETO DE UM AMARGO PAÍS
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!
(Augusto dos Anjos)
Florisvaldo Mattos
Nunca soube, Brasil, que tu morrias.
Saltei montanhas, rios, selvas, tudo.
Corri cidades, anos até de estudo,
Sem que manchassem minhas alegrias.
Já ali, onde eu corria em disparada
De fauno, a celebrar epifanias,
Poeta enxerga “um poço de agonias”,
“Transbordando dejetos” de manada.
Alude a treva e “horror em vendavais”,
Em que nos mergulhou demente voto.
Como de sonhos sempre foi devoto,
Alça a voz agra de Poe: “Nunca mais!”.
Para um povo já morto, não há lei;
Árdua verdade que de muito sei!
(Salvador/BA, manhã de 06/05/2020)
SONETO DO PAÍS PERDIDO
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!
Osório Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva,
Hino Nacional Brasileiro.
Ruy Espinheira Filho
Luares pungentes. Nas suaves manhãs,
canários, sabiás, arribaçãs.
Nada mais vasto e belo não havia,
eu pensava – e eis que a vida me sorria
como a menina que na tarde ia
e em mim inventava um canto de alegria.
E eu ali, ainda longe dos afãs
da luta bruta pelas coisas vãs.
E eis que aquele país de antigamente,
que prometia ser eternamente
só de grandezas sob um céu de anil,
hoje é a tristeza que me faz doente,
na noite amarga deste tempo vil
morrendo de saudades do Brasil.
Bahia, Brasil, maio de 2021.
(Sob a pandemia, mas, sobretudo, os hediondos temporais que rolam sobre nós vindos do Planalto Central...)
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