Guerrinha (Antônio Guerra Lima, 1935-2022), membro da Geração Mapa
Anúncio da despedida de Guerrinha pela jornalista Olívia Soares:
É com o coração angustiado que informo o falecimento do meu estimado e querido amigo Antonio Guerra Lima.
Guerrinha era a pessoa mais generosa que tive a honra de conviver. Homem digno e muito honrado. Estou muito, muito triste.
O sepultamento ocorrerá às 17h, no cemitério Jardim da Saudade. Velório na Capela D.
Nossa solidariedade à família e amigos, especialmente seus confrades do Clube Inglês, nosso BBC. Siga na luz, meu querido.
Comentário de Florisvaldo Mattos:
Oh, que baque, o coração me estremece. Nossa amizade, de fundo geracional, se iniciou nos primeiros anos da segunda metade dos anos 1950, quando as primeiras iluminações da chamada Geração Mapa começavam a irromper, sob a liderança do hoje também saudoso Glauber Rocha, espalhando centelhas criativas por todo o cenário cultural da Salvador; depois, no jornalismo, ele, Guerrinha, no ano de se formar em Direito, 1961, para ser um brilhante advogado e procurador federal, enveredou-se pela peraltice do jornalismo, numa experiência no hoje extinto Diário de Notícias, exoticamente sob meu comando, e daí prosseguiram os laços de amizade pessoal e boêmia, desde a sede do BBC ainda na mansão do Campo Grande, a que me associei levado por ele e pelo hoje também saudoso amigo Roberto Casali; depois a amizade continuou no mesmo BBC, sob a frondosa presidência de Mestre Pinho Pedreira; fomos ainda companheiros durante o curto governo Waldir Pires. Tudo isso são o mínimo de toda uma estrada fraternal vivida e palmilhada, com sentimento, sinceridade e admiração. Sofro com a súbita e amarga notícia de sua partida, depois de extenso convívio neste supercentenário BBC, qual imperavam alegres papos, muita música e fartas taças de vinho, como que em doces encontros na vindima, brindando com Baco. Apresento, com lágrimas, meus sentidos pêsames e solidariedade a sua ilustre companheira Ieda e seus queridos filhos.
Que vá em paz o querido Guerrinha, para encontros alegres com outros saudosos companheiros de geração, especialmente Glauber, Paulo Gil, Calá, Sante, Ângelo Roberto e Joca.
Nesta lúgubre despedida, vejo-me sob o impulso sentimental de reproduzir o soneto que lhe dediquei, há uns poucos anos. Leiam abaixo, por favor.
ÍNTIMOS CAMINHOS
A Antônio Guerra Lima
"Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"
(José Régio)
Não. Nada de penhascos irreais,
Tampouco de florestas invisíveis!
Por aqui tudo fala à sensação,
Ao olhar, ao aroma, à língua, ao tato,
Ao som. Feliz de quem os tem. Ó vós,
Que ditais pelos montes de onde venho,
Por trás de sombras como que vazias?
Enquanto me desfaço de meus fardos
Ancestrais, meu cabedal de fadigas,
Lábios trazem clarões de frescas auras,
Meus pés sibilam sobre sendas rudes,
Mas com promessa de horizontes novos.
Se me pedes que siga o teu caminho,
Descansa. Sei que não vou por aí!
(Florisvaldo Mattos, SSA/BA, 1º de maio de 2013
Constante do livro "Estuário dos dias e outros poemas", p. 107, 2016)
POEMA DE DE W. H. AUDEN, TRANSCRITO
"Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"
(José Régio)
Não. Nada de penhascos irreais,
Tampouco de florestas invisíveis!
Por aqui tudo fala à sensação,
Ao olhar, ao aroma, à língua, ao tato,
Ao som. Feliz de quem os tem. Ó vós,
Que ditais pelos montes de onde venho,
Por trás de sombras como que vazias?
Enquanto me desfaço de meus fardos
Ancestrais, meu cabedal de fadigas,
Lábios trazem clarões de frescas auras,
Meus pés sibilam sobre sendas rudes,
Mas com promessa de horizontes novos.
Se me pedes que siga o teu caminho,
Descansa. Sei que não vou por aí!
(Florisvaldo Mattos, SSA/BA, 1º de maio de 2013
Constante do livro "Estuário dos dias e outros poemas", p. 107, 2016)
POEMA DE DE W. H. AUDEN, TRANSCRITO
EM MEMÓRIA DO SAUDOSO GUERRINHA
O poema Funeral Blues foi escrito por W. H. Auden em 1936, como a Canção 9 do livro Twelve songs, e costuma ser citado como expressão exemplar de um forte sentimento de perda e de luto, individual ou coletivo. Representativo do controle extraordinário do verso e da habilidade na manipulação da métrica do autor, o poema ganhou popularidade internacional no filme Quatro casamentos e um funeral, numa cena em que o personagem Matthew homenageia seu companheiro morto. Funeral Blues foi musicado por Benjamin Britten. Segue o original e algumas traduções, que mostram como é difícil o desafio de se traduzir bem boa poesia.
FUNNERAL BLUES
W.H. Auden
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
April 1936
___
FUNERAL BLUES
W. H. Auden (1907-1973)
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.
(Abril 1936)
[Tradução de Nelson Ascher]
FUNERAL BLUES ESCRITO POR
O poema Funeral Blues foi escrito por W. H. Auden em 1936, como a Canção 9 do livro Twelve songs, e costuma ser citado como expressão exemplar de um forte sentimento de perda e de luto, individual ou coletivo. Representativo do controle extraordinário do verso e da habilidade na manipulação da métrica do autor, o poema ganhou popularidade internacional no filme Quatro casamentos e um funeral, numa cena em que o personagem Matthew homenageia seu companheiro morto. Funeral Blues foi musicado por Benjamin Britten. Segue o original e algumas traduções, que mostram como é difícil o desafio de se traduzir bem boa poesia.
FUNNERAL BLUES
W.H. Auden
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
April 1936
___
FUNERAL BLUES
W. H. Auden (1907-1973)
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.
(Abril 1936)
[Tradução de Nelson Ascher]
FUNERAL BLUES ESCRITO POR
CLÁUDIO LEAL (JORNALISTA)
Cláudio Leal
Principais comentários de amigos e amigas
Iana Landim
Florisvaldo Mattos, o céu por outro lado está em festa com a chegada de Guerrinha entre tantos amigos bacanas que o antecederam. Não o conheci pessoalmente, mas pelo nome e histórico logo percebi que ele devia ser amigo de meu pai - te agradeço pelo registro.
Um abraço, mestre querido!
Roberto Sant'Ana Sant'Ana
Não é possível. Guerrinha não pode é não deve morrer. Ele é eterno. O conheci nos anos 60 nas disputas estudantis. Belo conquistador de votos. Também um belo tribuno. Vá em luz meu amigo.
Amabília Almeida
Partiu mais um grande amigo de Luiz. Como se estimavam! Um cidadão de bem. Nossa solidariedade a todos da família e a você também Olivinha. Guerrinha...
Lucia Leão Jacobina Mesquita
Muita tristeza é o meu sentimento por mais esse amigo que parte. Que Deus o receba na sua infinita graça e lhe dê o repouso eterno. E para Ieda e filhos o meu abraço de conforto e de solidariedade por tão dolorosa perda.
“Morreu um homem, que era inteligente, ilustrado e laborioso; mas que era também um homem bom”. Lembro de Machado de Assis ao pensar na morte do meu amigo Antonio Guerra Lima (1935-2022), o Guerrinha, advogado de imenso talento; e homem bom. Machado, seu autor preferido, dizia que muito poucos mereciam, rigorosamente, a qualificação de “homem bom”.
Guerrinha não deixava nenhum amigo à deriva. A qualquer momento viria um breve telefonema seu. Com a voz entrecortada, oferecia seus préstimos – dinheiro, jantar ou algum poema capaz de afastar o pior. A solidariedade extremada fora uma lição vivenciada com Glauber Rocha, seu amigo de adolescência e mito pessoal, que não lhe deixara voltar para a cidade de Antas, no sertão baiano, por não ter como viver em Salvador. Glauber lhe ofereceu uma cama gratuita na pensão de sua mãe, Lúcia Rocha, e só descansou quando conquistou um emprego para o amigo no jornal “Diário de Notícias”. Em inúmeros conversas, Guerrinha não mudaria sua definição de Glauber: “O amigo”. A situação de penúria se inverteria décadas mais tarde. Sem dinheiro para regressar à Bahia, Glauber tinha a passagem paga por Guerrinha, então um advogado bem-sucedido. E também não se coçava para pagar a conta no restaurante Antoniu’s, no Rio de Janeiro. Glauber sequer olhava o valor da despesa – “Guerrinha, eu te convidei para jantar, não para pagar. Pague”.
Na Avenida Sete, o jovem cineasta lhe ensinou ainda que somos uma ilha de edição. “Enquanto caminhamos, o que vemos?”, perguntou Glauber. “Uma perna, uma cor, uma árvore, uma loja, um rosto, um pedaço do céu. O mundo é não-linear”.
Com Guerrinha desfrutei de vinhos, tardes azuis, conversas sobre Flaubert e Balzac, embates sobre a forma e o conteúdo, Sartre e Camus. Havia nele a lição do silêncio, de não precisar emitir uma só palavra para transmitir a intensidade de um encontro. Mas, em muitos momentos, ele impunha a trilha sonora do ambiente. Sem hierarquias, em volume alto, Chopin, Mozart, Ella Fitzgerald ou Cartola. Não farei agora queixumes. Numa vida mais ou menos breve, há enorme beleza no fato de ter sido seu amigo por tanto tempo.
Olivia Soares levou flores por mim.
Iana Landim
Florisvaldo Mattos, o céu por outro lado está em festa com a chegada de Guerrinha entre tantos amigos bacanas que o antecederam. Não o conheci pessoalmente, mas pelo nome e histórico logo percebi que ele devia ser amigo de meu pai - te agradeço pelo registro.
Um abraço, mestre querido!
Roberto Sant'Ana Sant'Ana
Não é possível. Guerrinha não pode é não deve morrer. Ele é eterno. O conheci nos anos 60 nas disputas estudantis. Belo conquistador de votos. Também um belo tribuno. Vá em luz meu amigo.
Amabília Almeida
Partiu mais um grande amigo de Luiz. Como se estimavam! Um cidadão de bem. Nossa solidariedade a todos da família e a você também Olivinha. Guerrinha...
Lucia Leão Jacobina Mesquita
Muita tristeza é o meu sentimento por mais esse amigo que parte. Que Deus o receba na sua infinita graça e lhe dê o repouso eterno. E para Ieda e filhos o meu abraço de conforto e de solidariedade por tão dolorosa perda.
Vitor Hugo Soares
Não podia ter notícia mais triste para um começo de junho , mês de expectativas de tantas alegrias. A Bahia perde um de seus mais brilhantes e corajosos filhos. "Homem bom", como registra o jornalista e amigo comum, Claudio Leal. Fiel ao nome e sobrenome, fez o bem, sem jamais fugir das melhores batalhas de resistência ao arbítrio, contra a injustiça e o despotismo em sua terra e em defesa da democracia e da plena liberdade de expressão. Um baque forte sofre hoje a Bahia da dignidade. Resta a memória e a grande honra de ter sido seu amigo.
Paulo Martins
Eu o conheci muito superficialmente, mas entre nós ocorreu um pequeno incidente digno de registro. No lançamento da Poesia Reunida e Inéditos, de Florisvaldo Mattos, se não me falha a memória na Livraria Cultura, saímos todos após o evento, para um restaurante a fim de continuar a comemoração. Lá para as tantas, quando começou a debandada geral, eu saí com o poeta Alexei Bueno para tomar uma saideira no Rio Vermelho. Ali resolvi dar uma olhada na dedicatória de Flori e esta estava dirigida ao Guerrinha, como ele era carinhosamente chamado. No calor da farra, havíamos trocado nossos livros, que nunca foram "destrocados". Ele partiu com o meu; eu fiquei com o dele. Pelo menos guardamos esta lembrança um do outro. Que descanse em paz.
OnlineFlorisvaldo Mattos



Bravos, grande Paulo Martins, mas o livro foi "Poesia reunida e inéditos", lançamento em 2011, na Livraria Cultura, do Shopping Salvador. Salve, salve. Uma coisa é certa: ambos os livros com dedicatórias trocadas ficaram em boas mãos.
Nelson Cerqueira
Saudade eterna de Guerrinha na fronteira juridica contra a ditadura nas décadas de 60 e 70. Em paz, companheiro que ainda foi meu aluno de inglês quando voltei dos EUA.
Jorginho Ramos
Um grande homem. De grande conhecimento, cultura e firmeza de caráter. Tem uma história de vida bonita, ligada à Cultura ao Direito e à defesa da Cidadania, além de ser pessoa agradável e de fino trato. Fará muita falta !
Getúlio Santana
Grande amigo, parceiro de dominó no clube inglês, grande intelectual da geração Mapa.
Meus sentimentos a família.
Não podia ter notícia mais triste para um começo de junho , mês de expectativas de tantas alegrias. A Bahia perde um de seus mais brilhantes e corajosos filhos. "Homem bom", como registra o jornalista e amigo comum, Claudio Leal. Fiel ao nome e sobrenome, fez o bem, sem jamais fugir das melhores batalhas de resistência ao arbítrio, contra a injustiça e o despotismo em sua terra e em defesa da democracia e da plena liberdade de expressão. Um baque forte sofre hoje a Bahia da dignidade. Resta a memória e a grande honra de ter sido seu amigo.
Paulo Martins
Eu o conheci muito superficialmente, mas entre nós ocorreu um pequeno incidente digno de registro. No lançamento da Poesia Reunida e Inéditos, de Florisvaldo Mattos, se não me falha a memória na Livraria Cultura, saímos todos após o evento, para um restaurante a fim de continuar a comemoração. Lá para as tantas, quando começou a debandada geral, eu saí com o poeta Alexei Bueno para tomar uma saideira no Rio Vermelho. Ali resolvi dar uma olhada na dedicatória de Flori e esta estava dirigida ao Guerrinha, como ele era carinhosamente chamado. No calor da farra, havíamos trocado nossos livros, que nunca foram "destrocados". Ele partiu com o meu; eu fiquei com o dele. Pelo menos guardamos esta lembrança um do outro. Que descanse em paz.
OnlineFlorisvaldo Mattos



Bravos, grande Paulo Martins, mas o livro foi "Poesia reunida e inéditos", lançamento em 2011, na Livraria Cultura, do Shopping Salvador. Salve, salve. Uma coisa é certa: ambos os livros com dedicatórias trocadas ficaram em boas mãos.
Nelson Cerqueira
Saudade eterna de Guerrinha na fronteira juridica contra a ditadura nas décadas de 60 e 70. Em paz, companheiro que ainda foi meu aluno de inglês quando voltei dos EUA.
Jorginho Ramos
Um grande homem. De grande conhecimento, cultura e firmeza de caráter. Tem uma história de vida bonita, ligada à Cultura ao Direito e à defesa da Cidadania, além de ser pessoa agradável e de fino trato. Fará muita falta !
Getúlio Santana
Grande amigo, parceiro de dominó no clube inglês, grande intelectual da geração Mapa.
Meus sentimentos a família.

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