segunda-feira, 8 de junho de 2020

BATATINHA (1924-1997) NO CETRO DO SAMBA

Morto em 3 de janeiro de 1997, aos 72 anos de idade, Batatinha (Oscar da Penha) foi talvez o sambista mais reconhecido da Bahia, com gravações de renomados cantores nacionais, como a baiana Maria Bethânia. Segue abaixo artigo publicado na Revista da Bahia, 1997, inserido no livro Academia dos Rebeldes e outros exercícios redacionais, (Salvador: ALBA Cultural, 2022).

    Dois grandes: Batatinha e Dorival Caymmi, o samba em pessoa


Batatinha (1924-1997) no cetro do samba


Florisvaldo Mattos


Todo sambista é um ente de raízes, não importa o lugar em que esteja plantado. O espaço burocrático de uma ocupação profissional, a própria luz da rua, o lirismo faceiro da boemia, as relações de amizade e sua caudal de frases, versos, sons e molejos - tudo oferece a oportunidade para a ocultação ou a revelação do sambista.
Assim foi com Batatinha - Oscar da Penha, de registro civil e geral (1924-1997) -, apelido que recebeu na pia batismal da locução de Antônio Maria, por obra e graça da água benta de um programa radiofônico, nos idos da PRA-4, Rádio Sociedade da Bahia, década de 1940. Não podia anuncia-lo como Vassourinha, sambista carioca de sucesso que ele imitava. Então, vá: “Senhoras e senhores, com vocês Oscar da Penha, o sambista Oscar da Penha, o Batatinha”, definiu com jeito esfuziante Antônio Maria, já que ele no samba era mesmo batata, no correr da gíria, porque com ele dá tudo na exata, como dizia um samba de Geraldo Pereira, sucesso na voz de Jackson do Pandeiro, um de seus paradigmas. E o nome fincou-se, descortinando a largada na carreira do cantor e principalmente compositor Batatinha.
José Carlos Capinan o definiu como inventor e mestre alinhando-o com dois outros monumentos do samba, Cartola e Nelson Cavaquinho. Mas houve quem o definisse somente pela força do lirismo de sua música e pela cátedra que a idade favorece. “Uma cabeça cheia de cabelos brancos e cada fio uma nota musical”, resumiu Riachão, irmão de samba e de cantoria, quando ele ia já pela casa dos cinquenta anos.
Eu conheci Batatinha, quando ele já estava comodamente instalado numa profissão, a de gráfico nas oficinas dos Diários Associados, ali, no antigo casarão da Rua Carlos Gomes, 157, onde funcionavam os jornais Diário de Notícias e Estado da Bahia e a Rádio Sociedade da Bahia. Pouco mais de trinta anos, cabelos precocemente grisalhos, era de ver a ginga daquele negro alto, empinado e lampeiro, dedos ágeis, trabalhando como tirador de linhas de chumbo vindas do linotipo, montando os chamados “paquês”, mirando o papel molhado da prova e arrumando-os na rama, para passagem da página montada ao “flan”, daí à fundição e finalmente à rotativa Goss, ainda brilhando de nova e dominando o galpão dos fundos, maravilha de impressão, na época, depois de uma atenta mirada do chefe, fosse ele o finado Duquinha ou seu substituto, Valdélio.
Jamais um malandro à antiga, não tinha lenço no pescoço, nem andava de chinelo charló. Eram charuto e fumaça que lhe emolduravam a fisionomia melancólica, no ambiente calorento das oficinas gráficas ou nas visitas ao mundo barulhento da Redação. Sabia que cantava, mas o compositor de sambas só vim a conhecer depois, quando já falava em produzir disco, quando seus sambas já ecoavam no ar pela voz de Jamelão, Maria Bethânia, Nora Ney, de Tião Motorista, ou mesmo dele próprio, Batatinha, que começara imitando o Vassourinha de Minha Palhoça, samba de Wilson Batista.
Foi uma revelação e um deslumbramento. Entre magias, hoje vislumbro as origens e as filiações do sambista e do inventor. Ele se insere no segmento de um processo que, iniciado 50 anos antes daria envergadura e autonomia à música popular brasileira, que já começava a ser história. E a Bahia tinha muito (só tinha) a ver com ela, sua natureza e evolução, desde os tempos do Brasil-Colônia, quando o gênio aristofanesco de Gregório de Mattos (século XVII) percorria as ruas da Cidade da Bahia, com uma viola de cinco cordas por ele mesmo fabricada a tiracolo, cantando modinhas e conquistando mulatas.
Mas o parentesco musical de Batatinha – e, logicamente, de outros compositores baianos (Josué de Barros, Dorival Caymmi, Assis Valente, Humberto Porto, Bob Silva) – parece começar com Xisto Bahia (1841-1894), um negro violonista, rei do lundu, misto de compositor e ator de teatro, que, enfrentando preconceitos, conquistou por obra da música admiradores entre a elite e as camadas médias da sociedade, onde ecoava a voz desse que ficaria história como o mais popular cantor romântico e o responsável pelo desenvolvimento da modinha entre nós, lançando a semente do que seria depois a forma musical do samba, embebida nas raízes da cultura africana.
Nessa caminhada de primórdios não se podem esquecer os acontecimentos dos anos 1990, na Bahia, que carrearam para o Rio de Janeiro, a capital federal, parcela significativa das formas musicais praticadas na velha Cidade do Salvador e em núcleos urbanos e rurais de seu Recôncavo, posto que é neste momento que se dá um fato fundamental: a transferência maciça de contingentes de indivíduos, provocada pelo exemplo e repercussão negativa do final trágico da Guerra de Canudos, na execução de um plano que conjugava esforços federais e estaduais para alocação de força-trabalho em obras que absorvessem levas de vencidos, no intuito de evitar a erupção de novos focos de rebelião nos sertões e oferecessem um horizonte animador e confiável aos que nada possuíam.
Essas levas de baianos desembarcariam no Rio de Janeiro para trabalhar na construção do porto, dando curso às grandes obras que iriam modificar a fisionomia urbanística da Capital da República, sob a batuta de Pereira Passos e Paulo de Frontim. Impelidos por tal contingência, grupos de negros baianos se instalaram nas proximidades das obras; uma dessa localidades iria justamente chamar-se Morro da Favela, nome de uma elevação e um dos bastiões do reduto de Antônio Conselheiro.
Fundava-se assim a primeira favela do Rio de Janeiro e para lá se mudavam os signos de uma das mais prestigiosas instituições de festa e misticismo – os terreiros, um deles, o mais famoso, o da baiana Tia Ciata, centro de batuque, que privilegiava a música de negros, misturando ponto de candomblé, roda-de-capoeira, samba-de-roda, folclore do mar e dos canaviais, berço do samba pela mão, voz e ginga de descendentes, como Donga, João da Baiana, Caninha, Getúlio Marinho (Amor), dentre outros muitos negros, baianos ou filhos de baianos, cuja inspiração e lirismo influenciaram as futuras gerações de sambistas, compositores e intérpretes.
    Roda de sambistas baianos, composta, pela ordem, de Edil              Pacheco, Riachão, Milton Lima, Batatinha e Ederaldo Gentil

Os sambistas baianos, como Batatinha e outros, filiam-se legitimamente a este processo, embora pareça ter havido um hiato eu iria marcar na Bahia as primeiras décadas do século XX, mas a música subsistia – e com ela o samba -, primeiramente favorecida por mudanças na estrutura urbana da Cidade do Salvador, resultante da reforma de 1912, começada e executada por Seabra, e, depois, pelo aparecimento da Rádio Sociedade da Bahia, em 1927, uma das primeiras emissoras do Brasil.
A música desses sambistas emergia de uma conjugação de fatores, que misturava terreiros, festas de largo, rodas de boemia, bailes, cine-teatros e programas de auditório, em teatros e emissoras de rádio, sendo entre estes últimos o mais comentado a “Parada de Calouros”, criado, dirigido e liderado pelo pernambucano Antônio Maria, desde os anos da Segunda Guerra Mundial até quase o fim dos anos 1940 (quando ele se mudou para o Rio), e em seguida os frutíferos concursos musicais, pondo em destaque os inovadores “Campeonatos de Carnaval”. Deste fecundo âmago brotou a safra de compositores que revelaria ao público, além de Batatinha, nomes como Armando Sá, Miguel Britto, Renato Mendonça, Jairo Simões, Tião Motorista, entre outros, quase todos sambistas, e, inspirada neles ou incentivada por eles, uma nova onda de criadores, na qual se incluem Riachão Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Gereba, Gerônimo, Vevé Calasans e uma parcela da moçada dos trios elétricos.
A obra de Batatinha faz parte desse reluzente balaio de grandezas, que incorporou, manteve e revigorou o bom da tradição. O lastro é romântico e urbano, como a maior parte da música brasileira, que se produziu até meados da década de 1960, quando a avalanche do tropicalismo imprimiria novos rumos, numa clave de inspiração e criatividade, portadora de uma carga de sentimentos, a se projetar como desdobramento de longínquas práticas poéticas, que encontrou guarida na criatividade dos poetas populares – e, principalmente, de inúmeros músicos e cantores de subúrbio do Rio de Janeiro e outros centros, que se encarregaram de dar  prosseguimento (Catulo da Paixão Cearense, Erastóstenes Campos, João Pernambuco, Olegário Mariano, Índio das Neves, Donga, Pixinguinha, Uriel Lourival, Freire Júnior, Vicente Celestino e tantos outros, todos forjados nas década de 1910 e 1920).
Eles de uma certa forma sedimentaram um estilo, consolidaram, criaram formas e estabeleceram padrões. À face sentimental se colaria o tom brejeiro o tom brejeiro, por vezes chorão, mas um cândido revestimento satírico, imerso em fraseado de fio levemente depreciativo, levado a ginga, impulso rítmico e linguagem acessível, faria da canção e do samba – e também da marchinha carnavalesca – um meio de falar diretamente à cidadania, dialogar com as atribulações do cotidiano, tornando-se a um só tempo celebração da alegria de viver e denúncia de contradições sociais, pontuadas de dor e melancolia.
Ambas as facetas, a romântica e a satírica, convivem na música de Batatinha. A primeira, em menor profusão, desde o samba “Marta”, cantado em primeira difusão para um auditório de rádio pelo conjunto Ases do Ritmo, composto por Tião Motorista, Sandoval Caldas, Virgílio Sá e Geraldo Nascimento, que já dizia: “Marta, vem ver a lua/ Vem ver como está sempre triste/ Lamentando a dor profunda/ Que no meu peito existe”, para culminar com uma de suas obras-primas, o samba “Diplomacia” – “Luto por um pouco de conforto/ Tenho o corpo quase morto/ Não acerto nem pensar/ Mesmo com tanta agonia/ Ainda posso cantar”. E nos versos de outa obra-prima – “Se eu deixar de sofrer/ Como é que vai ser/ Para me acostumar/ (...)/ Sofrer também é merecimento”... Nessa linha, seguem outras composições, como “Direito de Sambar”, “Espera”, “Hora da Razão”.
A sátira, envolta em manto melancólico e conformista, é vertiginosa, desde o “Calma, Hélio” (“Calma, Hélio/ Não vá em todas/ Que você pode acabar mal/ O seu abono/ Vai sair depois do Carnaval”); ou no clássico gravado por Jamelão, “Jajá da Gamboa”, em que o protagonista da história, “Precisando um certo dia/De grana pra apostar/ No Selecionado/ Não tendo mais o que arrancar da criatura/ Então lhe pediu a dentadura/ Dizendo que o prego ia lhe safar/ Foi desta vez que a coroa não pode concordar/ Com o Jajá”.
Disfarçada ou explícita, a sátira deste poeta popular ganha foros de crônica. São desse teor “Grande Rei” (“Sorrindo neste mundo sou feliz/ Não tenho inimigo/ Ninguém fala mal de mim/ Eu sou o samba/ Grande rei deste país”), na linha do carioca Zé Kéti, ou “Arrogância” (Vendo nos outros o pecado/ Virtude só do seu lado O mundo só pra você/ (...)/ Quem ri dos outros na hora/ Também chora”). E ainda outro clássico, “Circo”, (Todo mundo vai ao circo/ Menos eu, menos eu/ Como pagar ingresso/ Se eu não tenho nada/ Fico de fora escutando a gargalhada”).
A crônica versificada de timbre romântico e lastro urbano inscreve-se na poética que tem em Dorival Caymmi um dos mestres nacionais; passa por J. Cascata, Marino Pinto, Ataulfo Alves, o baiano Humberto Porto, dentre outros. A de fundo satírico em grande parte pode ter seu paradigma obra do grande Geraldo Pereira (“Falsa Baiana”, “Escurinho”, “Pisei num Despacho”), vindo atrás Noel Rosa (“Conversa de Botequim”, “Rapaz Folgado”, “Gago apaixonado”), Lamartine Babo (Mulato Bamba”, ), Moreira da Silva (“Na Subida do Morro”, “Jogando com o Capeta”, “Dormi no Molhado”). Na verdade, compositores-intérpretes que ganharam e consolidaram seu prestígio nas décadas de 1930 ou na de 1940, época da adolescência de Batatinha, antevéspera ou concomitância de suas primeiras tentativas como cantor.
Como iniciei citando um cantor-compositor popular, Riachão, encerro com as palavras de outro baiano, poeta em clave maior, mas também compositor e letrista, José Carlos Capinan, que assim se expressou, definindo a obra do artista Batatinha: “Seus ritmos são movimentos que aprendeu no convívio com as formas do samba de rua, samba de roda, além daqueles das canções que parecem nascer de percepção da pulsação mais tranquila do universo”.
Enfim, talvez um deus, senão ainda, metaforicamente, um “grande rei”, empunhando o cetro do samba, no reino da música popular.


Bar Batatinha, na Ladeira dos Aflitos



§

Artigo publicado na Revista Bahia, Nº 24, páginas 24 a 29; Salvador: setembro de 1997, pouco tempo após a morte de Batatinha (Oscar da Penha), aqui com ajustes, acréscimos e novo título, inserido no livro “Academia dos Rebeldes e outros exercícios redacionais” (Salvador: ALBA Cultural, 2023). Florisvaldo Mattos, livro citado, Seção III, pp. 404 a 409)


CENTENÁRIO DE BATATINHA
(OSCAR DA PENHA, 5 DE AGOSTO
DE 2024): CULTIVADO A RODO

“A cabeleira totalmente branca contrastando com a pele negra, o cantor e compositor Batatinha (1924-1997) – ou o cidadão Oscar da Penha – conservou a mesma simplicidade quando era office boy do “Diário de Notícias”. Foram mais de 70 anos bem vividos. Ele foi gráfico e funcionário público”.
Essa postagem do jornalista, escritor e pesquisador cultural Gutemberg Cruz, em seu blog, trouxe-me de volta os tempos em que conheci, pessoalmente, Batatinha, no Diário de Notícias, jornal integrante da cadeia Diários Associados, pertencente, a Assis Chateaubriand, eu, na Redação, e ele, como office-boy, como dito acima, encarregado de transportar para as oficinas gráficas os textos que seriam aproveitados na edição seguinte do extinto matutino, desenhando-se um ambiente de camaradagem, entre conversa e risos.
Foi tanta esta recordação que resolvi reproduzir o artigo sobre Batatinha, de 1997, pouco depois de sua morte, em 3 de janeiro, para a Revista da Bahia, a convite do jornalista Nestor Mendes Jr., então seu diretor, constante agora de meu livro intitulado "Academia dos Rebeldes e outros exercícios redacionais", editado pela ALBA Cultural e lançado no Museu de Arte Moderna (MAB), em abril de 2023. (Florisvaldo Mattos).

Batatinha:
100 anos do grande cancionista da tristeza

Marlon Marcos*

A 5 de agosto de 1924 nascia, em Salvador, Oscar
da Penha, aquele que se tornaria o nosso Batatinha

Amanhã desse dia é para falar com os acordes e os poemas da tristeza com alegria. É para agradecer ao deus da música e aos desígnios do destino a presença nobre de uma vida eternizada pelo samba. É para abrir os salões festivos de nossas casas e, com o pedido de licença devido, exercer o direito de sambar. E cantar. Louvar. Contemplar. Reviver. Salvador é a cidade dos grandes poetas populares inclinados à canção. É a terra preta, de uma gente preta talentosa, iluminada pelo labor e pela inspiração. As águas da Baía de Todos-os-Santos molham o rosto ancestral de um poeta nascido entre nós e que nos levou para o mundo nos caminhos do seu talento a escrever canções dedicadas ao nosso Carnaval. Canções carnavalescas banhadas de tristeza. Tristeza vivida em uma trajetória de muita luta, pouco reconhecimento, esquecimento em vida, batalhas contínuas contra a pobreza e o racismo, poucas oportunidades e, ainda assim: a beleza de uma arte incontornável. e no ecoar da voz de cantores como Jamelão e Maria Bethânia.
A 5 de agosto de 1924 nascia, em Salvador, Oscar da Penha, aquele que se tornaria o nosso Batatinha e que nesse mês faria 100 anos de existência. O homem negro e pobre, que começou a trabalhar como marceneiro desde os 10 anos, foi office boy do Diário de Notícias aos 18, e nesse mesmo jornal, trabalhou toda uma vida como tipógrafo. Casou e teve nove filhos. Elegante, discreto, bonito como as noites estreladas, dedicado A 5 de agosto de 1924 nascia, em Salvador, Oscar da Penha, aquele que se tornaria o nosso Batatinha
Falar em Batatinha é a traçar na pele e na alma esses versos: “Todo mundo vai ao circo, /menos eu, menos eu/ Como pagar ingresso, se eu não tenho nada, / Fico de fora escutando a gargalhada”, uma crítica social potente que servia para embalar nossos corpos dançantes e gritar contra esse sistema de aporofobias e exclusões. Uma crítica ecoada nacionalmente pelas vozes de Maria Bethânia (a grande divulgadora da obra de Batata) e de Nara Leão. Ah, Nara, outra grandiosa inesquecível!!!
Batatinha é o grande expoente do samba feito na Bahia. O samba melodioso, inspirado no samba carioca, com letras bem feitas e de teor existencialista. Navegar pela obra de Batatinha é mergulhar na poética da melancolia, nas feridas acesas do sentimento do mundo, da paixão não correspondida, do abandono social, da tristeza como razão do ser: “Se eu deixar de sofrer como é que vai ser para me acostumar”. O ser de Batatinha repousado na voz do mestre Caetano, dando a tônica de que no fundo, bem no fundo, o carnaval é a festa da incontida tristeza sendo feita para combatê-la, mas ela persiste na melodia do samba.
Palmas para Paquito e Jota Velloso que reluziram a obra do nosso centenário, produzindo o belíssimo Diplomacia, em 1997, lançado um ano após a morte de Batata, e que traz a participação de nomes estrelares como Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque. Palmas para Batatinha, a quem não podemos esquecer.

*Marlon Marcos Poeta, jornalista, antropólogo, professor da Unilab.
(A Tarde, de 3/8/2024, pág. 3)

Batatinha, como office-boy das Oficinas do Diário de Notícias


TARDE, 04/08/2024 (Domingo)
Caderno MUITO (Capa e pág. 2)

Batatinha:
O Samba Baiano
que encantou Roma e fez
história no Brasil

Gilson Jorge

Baiano pobre, de baixa escolaridade, Batatinha conseguiu como poucos transformar as experiências e agruras do cotidiano em canções
Em 1983, a Itália viu reunidos em um único evento alguns dos principais nomes da música brasileira: Caetano Veloso, Dorival Caymmi, Gal Costa, Gilberto Gil, João Gilberto, Nana Caymmi e Naná Vasconcelos subiram ao palco no show Bahia de Todos os Sambas, promovido pela prefeitura de Roma.
Mas essa constelação de talentos nacionais poderia não ter se apresentado naquele ano não fosse o apreço que Batatinha, que fez o show de abertura, despertou no cineasta italiano Gianni Amico, um dos produtores executivos do festival.
Autor de um documentário sobre o político e filósofo marxista Antonio Gramsci e amante de música brasileira, Amico se encantou com a letra de Inventor do trabalho, primeiro samba de Batatinha, que diz: "O trabalho dá trabalho demais e sem ele não se pode viver. Mas há tanta gente no mundo que trabalha sem nada obter. Somente para comer".
A música foi composta em 1942, no final do Estado Novo, pouco antes que o ditador Getúlio Vargas promulgasse a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
"Gianni Amico idealizou o evento a partir de Batatinha. O prefeito de Roma, Ugo Vetere, foi quem mandou convidar mais artistas. Isso nas palavras de Gianni Amico, que infelizmente não pode confirmar porque já morreu", declara o flautista e arranjador Tuzé Abreu, que dirigiu o show em Roma.
Gilberto Gil e Armandinho Macedo, que se apresentaram no festival, pediram para participar do show de Batatinha. E Caetano Veloso, sem falar nada, simplesmente se pôs no meio das duas cantoras do coro e também fez backing vocal para o sambista.
"Não sei se Gianni Amico fez alguma coisa, mas o show de Batatinha foi o mais aplaudido. Mais do que Caymmi. Impressionante", afirma Tuzé.
Nessa viagem, os artistas brasileiros foram convidados a participar de uma audiência com o Papa João Paulo II. Batatinha foi o único que fez questão de ir.
Experiências
Baiano pobre, de baixa escolaridade e que nunca tocou um instrumento, nascido em 5 de agosto de 1924, com o nome de Oscar da Penha, Batatinha conseguiu como poucos transformar as experiências e agruras do cotidiano em canções. A maioria delas muito dolorida, mas algumas expressam o humor meio melancólico e a fleuma do homem que contava piadas sem alterar o tom de voz, e chamava os seus filhos com um assobio quando queria que alguém trocasse o canal do televisor.
Diferente da crença generalizada, Batatinha não nasceu em Salvador, como ele explicita na canção “Nazaré das Farinhas”. "Oi, Nazaré, que saudade que eu tenho de ti. Dessa terra abençoada, pedaço onde eu nasci".
Órfão de pai e mãe ainda criança, Oscar veio para a capital e se instalou no Centro Histórico. Antes de entrar para o setor gráfico, trabalhou como marceneiro e entregador de marmita, e dividiu o quarto de uma pensão com um jovem que se tornaria amigo da sua futura família e padrinho de casamento de um dos seus filhos.
Batatinha nunca gostou de falar sobre a pobreza que enfrentou na infância. Dizia, sorrindo, que não foi o primeiro a sofrer e não seria o último. Mas se evitava a exposição de seus dramas pessoais em frente aos microfones, colocava no papel palavras que expressavam dores coletivas de uma cidade empobrecida, como a frustração de não poder oferecer entretenimento à família. "Todo mundo vai ao circo, menos eu. Como pagar ingresso, se eu não tenho nada? Fico de fora escutando a gargalhada", diz o compositor, na letra de O circo.
Segundo filho mais novo de Batatinha e Dona Marta, o artista plástico Lucas Batatinha, 62 anos, só descobriu que essa música era do pai depois de adulto. Assim como o contexto de sua criação. "Ele queria levar os nove filhos para o circo, não tinha recursos, e aí o que aconteceu? Vamos de música", conta Lucas, que diz não condenar em nada a vida do pai, a quem chama de herói.
Um herói com jeito de povo. Aos 15 anos, o rapaz magro e contido conseguiu emprego no Diário de Notícias, jornal dos Diários Associados, primeiro como office-boy e depois como linotipista, o profissional que recebia da redação as notícias datilografadas e arrumava as letras de ferro na mesma sequência no linotipo para imprimir as páginas do jornal. Um trabalho que exerceu até se aposentar.
Nos intervalos do expediente, o jovem Oscar costumava fazer batuque na caixa de fósforos que carregava para acender os cigarros. Quando alguma letra lhe vinha à cabeça, escrevia no caderno e pedia a um jornalista amigo que fizesse a correção ortográfica.
Quando os Diários Associados compraram a Rádio Sociedade da Bahia, em 1940, o jornalista Antônio Maria veio de Recife a Salvador cuidar da programação da emissora, criada no mesmo ano em que Batatinha nasceu. Foi este jornalista, aliás, que criou o nome artístico do jovem sambista.
Desde que se interessou pela música, Oscar da Penha passou a ser chamado pelos amigos de Vassourinha – apelido de um sambista paulista, um ano mais velho do que o baiano, e que morreria precocemente de tuberculose óssea aos 19 anos.
Quando Oscar da Penha se inscreveu em um campeonato de samba promovido pela rádio, cantando Inventor do Trabalho, Antônio Maria decidiu por conta própria trocar o apelido do baiano de Vassourinha para Batatinha, apelido que não lhe caiu bem no início, mas acabou ficando.
O sambista tinha razões para praguejar contra quem inventou o trabalho. Seu expediente como linotipista só terminava com os primeiros raios solares, quando o jornal era impresso e ele podia enfim deixar a sede do Diário de Notícias que funcionava na Rua Carlos Gomes. Foi nesse ambiente que Batatinha se aproximou de um redator do Estado da Bahia, outro jornal do grupo, chamado Antônio Carlos Magalhães, que se tornaria décadas depois a maior liderança política do estado.
Nas palavras do radialista Perfilino Neto, pesquisador da música brasileira, Batatinha, Cartola e Nelson Cavaquinho formam um trinômio de compositores com um mesmo estilo. No documentário Batatinha, Poeta do Samba, Perfilino afirma que esse trio sempre primou por um estilo "melancólico, magoado, doído, próprio das nossas origens".
Tuzé, por sua vez, considera que, intuitivamente, Batatinha foi grandemente influenciado pela música negra norte-americana. "Ele nem sabia o que era harmonia, que é a utilização dos acordes, mas tinha influência sobretudo do blues. É muito mais próximo do blues do que samba. Quer ver?", provoca Tuzé, antes de cantarolar Hora da Razão, para provar seu ponto de vista.
Tuzé, que foi diretor musical de Batatinha e Riachão, estabelece as diferenças entre os dois amigos que são considerados os maiores nomes do samba da Bahia. "Batatinha era um cara melancólico, elegantíssimo, um gentleman. Riachão era o contrário, era espevitado, gritava, era Broadway. Riachão era mais próximo do negro brasileiro. Não sei por que, Batatinha era mais próximo da tristeza do blues", compara o flautista, que associa a obra do autor de Hora da Razão aos pianistas de jazz Erroll Garner e Thelonious Monk.
Aos 30 anos, Batatinha já tinha cabelos brancos, o que causava admiração no pequeno Clarindo Silva, então com 12 anos, quando o elegante sambista passava pelo Terreiro de Jesus, a caminho do trabalho, na década de 50. "Eu tinha admiração por ele, por aquele cabelo, e um dia lhe pedi a benção. Ele disse: 'E aí, menino. Tudo bem?' E eu passei a cumprimentá-lo constantemente", lembra o comerciante.
O jovem Clarindo, que também veio do interior, trabalhava no Bazar Americano, no mesmo imóvel onde abriria futuramente a icônica Cantina da Lua, onde Batatinha, já seu amigo, comporia uma e outra canção, sentado à mesa no primeiro andar, com caneta, papel e caixa de fósforo.
Com Batatinha, Riachão e outros artistas da mesma geração, a Cantina se tornaria o epicentro do samba da Bahia nos anos 80. "Batatinha atraiu muitos artistas para participar da Festa da Benção, aqui no Terreiro", lembra Clarindo. Sem falar nas rodas de samba que se formaram no bar.
Um dos nomes presentes na roda era Edil Pacheco, que credita sua carreira artística ao amigo. "Vieira Neto, que escrevia em A TARDE, encomendou um samba a Batatinha, que sem dizer nada a ele, passou a bola para mim. Vieira Neto aprovou o samba e então Batatinha revelou que a música não era dele", conta Edil. Surgia assim, há mais de 50 anos, o samba Experiência própria. "Confesso que nem lembro mais desse samba", disse Edil.
Batatinha e Clarindo frequentaram juntos a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Aliás, amanhã às 19h acontece uma missa solene de ação de graças em homenagem a Batatinha nessa igreja, onde ele se casou com Dona Marta. No dia 8, às 11h, Lucas participa da mesa redonda Batatinha, 100 anos do mestre do samba da Bahia, no Museu Eugênio Teixeira Leal, como parte da programação da Flipelô.
Tolha da saudade
No dia 28 de outubro de 1982, é inaugurado na Ladeira dos Aflitos, o bar Toalha da Saudade, empreendimento de dois dos nove filhos de Batatinha e Dona Marta, Carlos e Arthur. O nome do boteco foi dado em referência a uma das músicas mais conhecidas do sambista.
No auge do bar, com a presença quase diária do patriarca e constantemente visitado pela nata do samba baiano, o bar tinha que fechar a porta de tão cheio. Depois de um certo momento, só entrava gente à medida em que saísse alguém. Um movimento que às vezes ia até o amanhecer.
"O bar foi frequentado por Caetano Veloso, Moraes Moreira, Luiz Caldas antes de ficar famoso já ia. Tinha um público que depois que saía do Teatro Vila Velha e do Castro Alves ia para lá", conta Lucas, que nunca foi muito de perder noite em bares e se declara o mais careta da família. Lucas participou ontem e hoje, no Sesc Pompéia, de um show da cantora Adriana Moreira com repertório do seu pai, e participação de Nelson Rufino.
Parte dos irmãos de Lucas está morando na Europa, inclusive Carlos, dono do imóvel nos Aflitos, que arrendou o espaço a três músicos. Há dois anos, o bar se chama Batatinha. Durante o mês de agosto, o bar vai ter rodas de samba em homenagem ao artista, exibição do filme Batatinha e o samba oculto da Bahia, dirigido por Pedro Habib.
Ainda sem data definida, mas entre o fim de agosto e o início de setembro, deve acontecer no bar a festa de lançamento de uma nova edição em vinil do disco Toalha da Saudade, pelo selo paulista Fatiado Discos. "Serão 500 cópias, mas o preço ainda não está definido", diz Alan Feres, dono do selo, que conheceu a obra do baiano através do disco Rosa dos Ventos, de Maria Bethânia. A cantora, aliás, foi a primeira a divulgar o trabalho do sambista nacionalmente, ao gravar no seu disco de estreia em 1965 as canções Diplomacia e Só eu sei.
Em meados da década de 90, os cantores e compositores J. Velloso e Paquito se uniram para produzir o disco Diplomacia, em homenagem a Batatinha, aproveitando a estrutura de gravação surgida em Salvador com a ascensão da axé-music. O álbum contou com a participação de Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Jussara Silveira.
"Nós quisemos fazer um disco de referência, com produção caprichada, para quem quisesse conhecer a obra de Batatinha. E a gente sabia que esses nomes no disco iriam chamar a atenção", afirma Paquito.
J. Velloso ressalta, como motivador do projeto, o fato de que Batatinha compôs canções belíssimas e que não tinham o devido reconhecimento: "A gente até procurou um produtor de nome nacional para o disco, mas ele fez essa provocação de que nós deveríamos fazer".
Em meio às gravações, Batatinha revela que estava fazendo tratamento de um câncer. O cantor gravou toda a sua parte no disco, inclusive faltando a uma consulta médica, e em uma sessão de gravação trocou o verso "mamãe, eu quero aguardente" por "mamãe, estou tão doente". Batatinha morreu em 3 de janeiro de 1997. Diplomacia foi lançado em 1998 e no ano seguinte ganhou o Prêmio Sharp de Música como melhor disco de samba.

O sambista Batatinha, em imagem da Revista Raça Brasil
Ilustração: Leandro Valquer.


O Centenário de Batatinha


Nelson Varon Cadena

Tenho para mim que o sambista Batatinha, cujo centenário de nascimento transcorre segunda feira (05), quando apreendeu o ofício de linotipista, no Diário de Notícias, de alguma forma se identificou com a sua vocação musical. O teclado da linotipo era o mesmo de uma máquina de escrever, a cadência rítmica do linotipista, ao digitar, era como música. O tec-tec, tac-tac, mais intenso ainda pela composição a chumbo.
Quando Batatinha se assumiu como gráfico já despontava como um músico diferenciado. Era a atração principal do programa “Parada de Calouros Eucalol”, da Rádio Sociedade da Bahia que tinha Antônio Maria como diretor artístico. Apresentava composições próprias, ganhava 30 mil reis por cada música. Na emissora apresentava-se também como integrante do conjunto Ases do Ritmo que contava na sua composição com Tião Motorista, um dos baluartes do samba baiano. Sandoval do Varanda era o Croner.
Oscar da Penha ganhou o apelido de Batatinha, em 1944, de Antônio Maria.“ Na hora não gostei muito, depois na rua foi um tal de Batatinha para cá, Batatinha para lá, e pegou logo”, contou certa feita a um repórter. Na década de 1950 já tinha um vasto repertório: Foi o introdutor da capoeira na música popular, em 1951, segundo Evandelim Rego, diretor do Centro Folclórico da Bahia, na década de 1970.
“Menino quem foi seu mestre/Seu mestre foi Salomão/Ensinou a capoeira/Com a palmatória na mão.../ Quero mostrar que meu samba/com um pouquinho de capoeira é bom.../Eles são capazes de fazer furor/Pois eles são os verdadeiros irmãos de cor”. Cantava
Batatinha passou a ser um compositor midiático, reconhecido nacionalmente, quando cruzou com dois personagens. Primeiro Jamelão, o célebre intérprete da Escola de samba Estação Primeira da Mangueira que gravou, em 1960, “Jajá da Gamboa”. Jamelão já era um personagem familiarizado com a terrinha, todo ano participava da festa de Iemanjá, Caetano o homenageou na sua música “Onde o Rio é mais baiano”.
O segundo personagem foi a cantora Maria Bethânia que o conheceu quando era adolescente, não cantava ainda. Quando já era uma das atrações do MPB o apresentava, nos seus shows no RJ: “Na Bahia tem um compositor chamado Batatinha que é um cara maravilhoso, que faz músicas tristíssimas para o Carnaval". Bethânia gravou algumas de suas composições. Num show no Rio de Janeiro, em 1971, comentou que o samba dele carregava um certo tom de blues. “Gosto de Batatinha, como gosto da luz do dia. Do som do tamborim, do samba em tom menor". E complementava: "Batatinha é uma pessoa rara, um artista”.
Bethânia, Caetano e J. Velloso, seriam personagens importantes nessa divulgação do talento do grande sambista baiano. É outra história que fica para amanhã. (Nelson Varón Cadena)

História do sambista conhecido como Batatinha

O samba de Batatinha é samba de gente grande, coisa da antiga. Muitos equiparam a qualidade de sua obra, por exemplo, ao nível do mestre Cartola, com composições de belezas extraordinárias, mas, infelizmente, ainda pouco conhecida e divulgada. Batatinha era um daqueles que compunham na base da caixinha de fósforo, aqueles sambas cheios de cores e também doloridos que alegram a gente. Fazia músicas desde os 15 anos, época em que começou a se envolver com o ambiente musical da Bahia, trabalhando ao mesmo tempo como office-boy do Diário de Notícias, em Salvador. Mas desde cedo (com 10 anos) começou a trabalhar numa marcenaria para engordar o orçamento da família, que contava com mais nove irmãos.
Logo foi para o jornal Estado da Bahia, tornando-se, em pouco tempo, profissional da gráfica. Sua carreira artística iniciou-se na Rádio Sociedade da Bahia, em 1944, como cantor no programa Campeonato de samba, com a ajuda do compositor pernambucano Antonio Maria. Antes disso, Batatinha – malandra e inocentemente – apresentava suas composições como se fosse de outros autores, afim de que seu trabalho de intérprete ficasse mais valorizado. Dessa maneira, Oscar da Penha que, aliás, ainda não era o Batatinha, ganhou o segundo lugar no campeonato cantando 212, samba que era realmente de Roberto Martins e Mário Rossi.�Oscar da Penha virou uma revelação na Rádio Sociedade da Bahia. Nessa época, para elogiar, conferir qualidades a algo ou alguém, dizia-se que tal fulano era batata. Em uma das apresentações de Oscar da Penha na rádio, Antônio Maria apresentou-o como “nosso batata”. Humildemente, Oscar corrigiu: “Não sei se sou batata, acho que sou apenas uma pequena batata, uma batatinha”. Daí em diante ele não era mais o Oscar da Penha, mas o Batatinha.
Seus sambas passaram a fazer parte do repertório da Rádio Sociedade da Bahia, que era a principal da região norte/nordeste. No entanto, a primeira gravação aconteceu somente em 1957, na voz de ninguém menos que Jamelão, que volta e meia fazia incursões pela Bahia, chegando a conhecer boa parte dos sambistas da terra. O samba gravado foi Jája na Gamboa. Três anos mais tarde, Glauber Rocha lançou o filme Barravento, incluindo na trilha sonora um samba da Batatinha, Diplomacia, contado por um pescador: “…Meu desespero ninguém vê/ sou diplomado em matéria de sofrer…”.
A partir de 1965, sua obra ganhou dimensão nacional na voz de Maria Bethânia, que gravou um LP intitulado Maria Bethânia, incluindo no repertório duas canções de Batatinha numa mesma faixa: Só eu sei e Diplomacia. No disco Rosa dos Ventos, mais 3 canções: Toalha da Saudade, Imitação e Hora da Razão. “Gosto de Batatinha, como gosto da luz da lua, do som do tamborim, do samba em tom menor, das coisas tristes e simples. Batatinha pra mim, é uma pessoa rara, um artista”, comentou a diva sobre o compositor. Em 1972, ela ainda gravou o disco, Drama, incluindo outro samba do mestre: O Circo. Bethânia sempre foi uma das maiores difusoras da obra e da memória de Batatinha.
Somente em 1968, Batatinha gravou com o seu jeito e sua voz. Era seu primeiro disco, intitulado Batatinha Futebol Clube. Paulinho da Viola também descobriu Batatinha em uma de suas incursões pela ‘Bahia de todos os sambas’. Também descobriu seu bando, formado na velha-guarda por Riachão e Panela, além da ala da mocidade, composta por bambas como Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Tião Motorista e Walmir Lima. A tertúlia se formava no Pelourinho. Paulinho da Viola de volta ao Rio de Janeiro, anunciou sua visão/audição miraculosa, que teve deste maravilhoso grupo.
Paulo Lima, então diretor de produção da Polygram não vacilou, armou um estúdio improvisado na Vila Velha, em Salvador, para gravar o disco Samba da Bahia, relíquia que merece outras edições. Lá vemos o depoimento de Paulino da Viola: “Batatinha, um simples cidadão de Salvador, gráfico, casado, pai de muitos filhos, alisa a cabeça branca e sorri. Apanha a caixa de fósforos e desfia seu rosário – é assim que se diz no samba – para a felicidade daqueles que têm o privilégio de estar perto dele e conhecê-lo. Eu o coloco ao lado de um Nélson Cavaquinho e um Cartola, no nível da poesia popular mais pura. Digno representante do samba mais verdadeiro que conheço”.
Batatinha trabalhou duro até mesmo depois da aposentadoria. Morreu em três de janeiro de 1997, deixando uma família grande. E, para ela, um tesouro: sua obra, seus sambas que ele guardava na memória como um velho griot. Seus filhos e netos preservam o brilhante legado que Batatinha nos deixou. Pra saber mais sobre ele assista ao filme o Poeta do Samba, dirigido por Marcelo Rabelo.

TEXTO: Redação | Ilustração: Leandro Valquer | Adaptação web: David Pereira. Publicado no Facebook, em 04.08.2024, por Evinha Freitas.


Batatinha: o sambista
baiano que deixou saudade
no coração da MPB

(Redação publicada em 29/05/2012, às 12h37 - Atualizada em 31/05/2012, às 12h45)

Por Cláudia Boëchat

Oscar da Penha nasceu em Salvador em 1924. Compunha desde os 15 anos e cantava bem. Participava de programas de calouro e num deles ganhou o apelido de Batatinha, como depois ficou nacionalmente conhecido. O locutor, Antônio Maria, assim o chamou. Não se sabe ao certo se foi porque, na época, a palavra ‘batata’ era uma gíria que significava ‘gente boa’; ou se foi apenas uma uma confusão com o nome de Vassourinha, sambista carioca, muito admirado pelo baiano. Fato é que o apelido pegou. Seu primeiro samba foi “Inventor do Trabalho” e a primeira música gravada foi “Jajá da Gamboa”, parceria com José Bispo. Jamelão gravou em 1954. Ouça as duas na voz do autor:
Outro samba, “Diplomacia” (parceria com J. Luna) foi escolhido pelo cineasta Glauber Rocha para o curta-metragem Barravento. Também foi gravado por Maria Bethânia em seu primeiro disco, em 1965. Bethânia, aliás, gravou ainda outras canções de Batatinha. Entre elas, “Bolero” (com Roque Ferreira):
O primeiro disco desse exímio tocador de caixinha de fósforo só aconteceu em 1969, quando ele estava com 45 anos: Batatinha e Companhia Ilimitada. Ele só conseguiu gravar graças a Paulinho da Viola, que falava da excelência de um grupo de sambistas baianos do qual Batatinha fazia parte. Depois, rolaram apenas mais 4 discos: Samba da Bahia (1975), Toalha da Saudade (1976), Batatinha, 50 anos de Samba (1993) e Diplomacia (1997). Este último acabou sendo póstumo. É um disco-tributo, organizado por Paquito e J. Velloso, que demorou cerca de dois anos para ficar pronto. Batatinha chegou a colocar sua voz nele, junto à de outros grandes nomes da MPB, mas faleceu antes que o disco estivesse finalizado.
“Ministro do Samba”:
Batatinha morreu de câncer na próstata, no dia 3 de janeiro de 1997, aos 72 anos. Ouça “Não Suje o meu Caixão (Panela e Garrafão)”:

(Para falar com Cláudia Boechat, envie um e-mail para claudia.boechat@rollingstone.com.br)

Diplomacia, CD de Batatinha, lançado postumamente, em 1998


BATATINHA (OSCAR DA PENHA, 1924-1997)

BIOGRAFIA

Oscar da Penha (Salvador, 5 de agosto de 1924 — Salvador, 3 de janeiro de 1997), mais conhecido como Batatinha, foi um compositor e cantor brasileiro, [1] considerado um dos maiores nomes do samba da Bahia.
Começou a trabalhar cedo, aos 10 anos, como marceneiro em Salvador, sua cidade. Passou a compor e a cantar depois de ouvir pela primeira vez um samba do compositor carioca Vassourinha.
Em meados da década de 1940, trabalhou como office-boy do Diário de Notícias, órgão dos Diários Associados, emprego obtido por indicação de Antônio Maria, que, na época, dirigia os DA em Salvador. Gravou suas primeiras composições na Rádio Sociedade da Bahia. Nessa época, Batatinha procurou Antônio Maria e apresentou-lhe seu primeiro samba, intitulado "Inventor do trabalho". Conhecido como "Vassourinha", devido à influência do sambista carioca, Batatinha dizia a todos que suas canções eram feitas por outros compositores, na esperança de que o seu trabalho fosse mais valorizado. A artimanha acabou não dando muito certo, mas foi suficiente para encantar Antônio Maria, que lhe deu o apelido que acabaria o acompanhando pelo resto de sua carreira – “Batata”, que, na gíria da época, significava gente boa.
Estudou música com o maestro Santo Amaro de 1946 a 1947, mas gostava de batucar em caixa de fósforos, que usava também para compor.
Foi preciso que o sambista Jamelão gravasse uma de suas canções, "Jajá da Gamboa", em 1960, para que o trabalho de Batatinha começasse a ser ouvido com mais atenção. Uma jovem cantora, ex-meia esquerda do time de Santo Amaro, chamada Maria Bethânia, tornou-se uma de suas primeiras fãs e incluiu algumas canções do compositor em seu show de estreia em Salvador, em 1961. Bethânia acabou sendo a grande intérprete de sua obra: gravou “Diplomacia” (de Batatinha e J. Luna, incluída no repertório do lendário show Opinião, em 1965), “Só Eu Sei” (também com J. Luna), “Toalha da Saudade”, “Imitação” e “Hora da Razão”, sendo que as duas últimas foram incluídas em outro grande espetáculo da cantora, Rosa dos Ventos, de 1971.
Pai de nove filhos, Batatinha trabalhava de dia como funcionário público na Imprensa Oficial da Bahia e, à noite, como tipógrafo no Diário de Notícias. Cercado de admiradores, foi homenageado por Paulinho da Viola, que compôs para ele “Ministro do Samba”, em 1973. Em 1996, os compositores baianos Paquito e J. Velloso (sobrinho de Caetano e Bethânia), depois de longos encontros com o sambista, começaram a organizar um disco em sua homenagem, o qual acabou sendo lançado somente um ano depois de sua morte, em 1997. Batizado de Diplomacia, o CD reuniu 17 canções interpretadas pelo compositor e convidados, como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso e Maria Bethânia.
Aposentou-se pelo Diário de Notícias e morreu aos 72 anos, após gravar o último disco. O compositor e amigo Riachão, assim o definiu: "Uma cabeça cheia de cabelos brancos; cada fio uma nota musical".
A casa em que morou, na Ladeira dos Aflitos, em Salvador, foi transformada em um centro cultural que tem o seu nome.

















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