sábado, 4 de agosto de 2018

LITERAURA BAIANA, ANOS 1920-1930


Pesquisa de Gilfrancisco Santos, professor da Universidade Federal de Sergipe, sobre Pinheiro Viegas (1874-1937), poeta lírico e epigramista, líder e guru da chamada Academia dos Rebeldes, que atuou na Bahia entre 1928 e entrados 1930.
Abaixo o link facultado pelo pesquisador, ao que se acrescentam dois poemas e um famoso epigrama de Viegas, um deles reproduzido na ortografia da época.

MEDALHÃO GREGO
Pinheiro Viegas

Escuto Debussy. A noite. O luar. O oceano,
Recordo-o. Onde isso foi. Eu não o sei. Perdi-o.
Era o efebo irreal - grego mármore humano
Olhei-o. Olhou-me. Riu. È um demônio. Eu rio.
Belo mármore jônio impassível - engano!
Os olhos verdes maus, a grenha negra, vi-o.
As suas níveas mãos, nervosas, tinham frio
Nas teclas de marfim e de ébano do piano.
A boca - flor de sangue - em claros risos francos
Mostra-me, alegre, os seus trinta e dois dentes brancos.
O amor - interjeição - duas silabas métricas.
Uma por uma eu vi todas as suas baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.

EPIGRAMA

Dirigido a dois jornalistas vinculados ao integralismo, movimento de nítida tendência fascista, que assumiram O Imparcial, jornal de Salvador – Mário Simões, diretor de Redação e Mário Monteiro, diretor financeiro, Viegas, temido epigramista, tascou impiedoso:

Mário Simões bis Monteiro
Remontaram O Imparcial.
São quatro mãos no dinheiro,
São quatro pés no jornal.

AO DR. CEZAR ZAMA

É grande, colossal, profundo, imaculado,
Do coração do povo o augusto sentimento
De nobre gratidão – ao homem de talento
Ao democrata audaz, sincero e denodado!
Dos fortes, dos heroes, tem o poder ingente
De esmagar a blasphemia, o monstro, a Tirania,
É um déspota cruel – que ri sinistramente,
Em face do Brazil com sua autocracia!
N’esses tempos fataes de negro despotismo,
Fulminou com rigor torpes aventureiros,
De lepras bestiaes – que vendem, com cynismo,
As terras das Missões dos povos estrangeiros!
Elle nos faz lembrar gigantes d’outras eras,
Videntes do Progresso e athletas do Direito,
Batendo fortemente essas terríveis feras,
Vampiros do bordel, dragões do Preconceito!
Dos Neros imbecis, dos Neros oppressores,
Ele sabe arrancar a mascara postiça,
E sabe flagelar aos mercadejadores,
Mostrando heroicamente a espada da Justiça!
Há muito o povo faz n’esse cruel lethargo,
Este povo valente, este povo gigante,
Mas em de despertar ao grande insulto amargo
Das garras da oppressão, feroz, tão aviltante!
Não curveis a cerviz, povos americanos,
Deante de um traidor, ignóbil e soez,
Que nos traz a memória os Cezares Romanos,
Os monstros sociaes, monstros de insensatez!
Agora esta nação, bem como outr’ora a França,
Tem hoje em Mirabeau – contra esses desvarios!
Este grande paiz tem sede de Vingança
Contra o governo atroz dos chonicos vadios!
É honra nossa erguer um pantheon sublime
Ao heroe que nos deu uma lição aos novos,
Em prol da liberdade e do porvir dos povos,
Combatendo o terror d’este nefando crime!
Homens do nosso tempo, homens da nossa edade,
É honra nossa vir fazer mil ovações
Ao grande pregador da bíblia da Egualdade.
O moderno Rabbi das novas gerações!
J. A. Pinheiro Viegas
Pequeno Jornal. Salvador, Ano II, 6 de março de 1891. Clique aqui.

PINHEIRO VIEGAS (1865-1937) - BIOGRAFIA SINTÉTICA (2)

Florisvaldo Mattos

Talvez por sua fama de jornalista panfletário conquistada desde o Rio de Janeiro, onde viveu, mais bem reconhecido como agitador cultural, intelectual corrosivo e desagregador, que como mestre e líder de um movimento literário, João Amado Pinheiro Viegas nasceu em Salvador e, segundo o pesquisador Gilfrancisco Santos, morreu num dia de novembro, “abandonado pelos poucos amigos que tinha”, em Itacaranha, subúrbio da capital, sem receber qualquer homenagem póstuma, sequer merecer registro obituário na imprensa, mas talvez como um alívio para “a mediocridade empavonada e vitoriosa, a quem jamais poupou com a sua sátira”.
Jorge Amado, que se dizia surpreso por ter ele nome igual ao de seu pai, João Amado, o define como patrono da Academia dos Rebeldes, poeta baudelairiano, “panfletário temido, epigramista virulento, o oposto do convencional e do conservador, personagem de romance espanhol, espadachim”. Mas não foi somente essa marca do mentor a se fixar em sua mente. Pinheiro Viegas era mais. “Um homem avançado para os padrões da época”, recorda, que “havia participado da campanha civilista, ao lado de Rui Barbosa e trabalhado vários anos no Rio”. Nômade, pouco se sabe de descrição objetiva desse nomadismo; apenas que percorreu o Brasil, “de norte a sul”, como poeta e jornalista, e que no Rio, ainda segundo Gilfrancisco, fez boemia como integrante da turma de Lima Barreto.
Viegas cumpriu os cursos primário e secundário no então Ginásio da Bahia, bacharelando-se em Letras; ingressou no Curso de Direito, abandonando-o, para se dedicar ao jornalismo; trabalhou em O Imparcial, mas o deixou, quando o jornal foi vendido aos integralistas, força política na época, ao assumirem o seu comando dois ao tempo chamados “galinhas-verdes”, em alusão às cores da militância ideológica, Mário Simões, diretor de redação, e Mário Monteiro, diretor financeiro. É dessa ocasião um famoso epigrama de Viegas, composto para registrar tal assunção.

Mário Simões bis Monteiro
Remontaram O Imparcial.
São quatro mãos no dinheiro,
São quatro pés no jornal.

Em Salvador, onde verdadeiramente se tornaria conhecido e influente, antes de fundar a Academia dos Rebeldes, frequentou o grupo de Samba, cujos membros se mostravam engajados no combate ao conservadorismo, mas sem que estivessem efetivamente identificados com a corrente renovadora do modernismo. Apesar de publicações dispersas, seja como poesia, crônica ou panfleto, Pinheiro Viegas deixou apenas um livro de poemas, Brasil Prosa e Verso. Salvador: Gráfica Popular, 1931, mas com autoria sob pseudônimo de Sophos Arnaud.

Abaixo um de seus sonetos.

MEDALHÃO GREGO

Pinheiro Viegas

Escuto Debussy. A noite. O luar. O oceano,
Recordo-o. Onde isso foi. Eu não o sei. Perdi-o.
Era o efebo irreal - grego mármore humano
Olhei-o. Olhou-me. Riu. É um demônio. Eu rio.

Belo mármore jônio impassível - engano!
Os olhos verdes maus, a grenha  negra,  vi-o.
As suas níveas mãos, nervosas, tinham frio
Nas teclas de marfim e de ébano do piano. 

A boca - flor de sangue - em claros risos francos
Mostra-me, alegre, os seus trinta e dois dentes brancos.
O amor - interjeição - duas silabas métricas. 

Uma por uma eu vi todas as suas baldas.
Seus verdes olhos maus são duas esmeraldas
Sob o esplendor lunar das lâmpadas elétricas.


AO  DR. CEZAR ZAMA

É grande, colossal, profundo, imaculado,
Do coração do povo o augusto sentimento
De nobre gratidão – ao homem de talento
Ao democrata audaz, sincero e denodado!

Dos fortes, dos heroes, tem o poder ingente
De esmagar a blasphemia, o monstro, a Tirania,
É um déspota cruel – que ri sinistramente,
Em face do Brazil com sua autocracia!

N’esses tempos fataes de negro despotismo,
Fulminou com rigor torpes aventureiros,
De lepras bestiaes – que vendem, com cynismo,
As terras das Missões dos povos estrangeiros!

Elle nos faz lembrar gigantes d’outras eras,
Videntes do Progresso e athletas do Direito,
Batendo fortemente essas terríveis feras,
Vampiros do bordel, dragões do Preconceito!

Dos Neros imbecis, dos Neros oppressores,
Ele sabe arrancar a mascara postiça,
E sabe flagelar aos mercadejadores,
Mostrando heroicamente a espada da Justiça!

Há muito o povo faz n’esse cruel lethargo,
Este povo valente, este povo gigante,
Mas em de despertar ao grande insulto amargo
Das garras da oppressão, feroz, tão aviltante!

Não curveis a cerviz, povos americanos,
Deante de um traidor, ignóbil e soez,
Que nos traz a memoria os Cezares Romanos,
Os monstros sociaes, monstros de insensatez!

Agora esta nação, bem como outr’ora a França,
Tem hoje em Mirabeau – contra esses desvarios!
Este grande paiz tem sede de Vingança
Contra o governo atroz dos chonicos vadios!

É honra nossa erguer um pantheon sublime
Ao heroe que nos deu uma lição aos novos,
Em prol da liberdade e do porvir dos povos,
Combatendo o terror d’este nefando crime!

Homens do nosso tempo, homens da nossa edade,
É honra nossa vir fazer mil ovações
Ao grande pregador da bíblia da Egualdade.
O moderno Rabbi das novas gerações![1]

            2-3-91
                                    J. A. Pinheiro Viegas

[1] Pequeno Jornal. Salvador, Ano II, 6 de março de 1891. (Ortografia como publicado, conforme pesquisa do professor e ensaísta Gilfrancisco Santos).




[1] Pequeno Jornal. Salvador, Ano II, 6 de março de 1891.
(2) Texto constante do ensaio Academia dos Rebeldes - O salto da modernidade na Bahia dos anos 1930, ainda inédito.



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