terça-feira, 19 de agosto de 2014

REVISITANDO GUERNICA

1937: a cidade de Guernica, na Espanha, após o bombardeio perpetrado por aviões da Legião Condor, a mando de Hitler

(Via Picasso; Madri, 1994)

Onde álacres campinas de recreio
Abriam-se a canto e alarido escolar;
Onde antes havia o tempo sem abismos,
Coruscantes ruas, comércio lucrativo,
Familiar convívio de pacatos rostos,
Ah, tudo desapareceu na hora agra:
Algo se transmudou em chão rugoso,
A seara insone de insaciadas fomes.

Foram mil seiscentos e cinquenta
Mortos;  oitocentos e oitenta e nove
Feridos e aleijados. Em Guernica,
As platibandas antes imponentes
Testemunharam o furor do sangue;
Enquanto avança o vento assoviando,
Fendas no chão de crenças, sonhos
Súbito de pedra viram coágulos.

Mater Dolorosa, detalhe de "Guernica", de Picasso
Aquartelados nos oitões da sombra,
De alumínio e aço centuriões desatam
Os arsenais de mortas dinastias –
Metálico tropel, inferno a vômitos.
Meteoro cravado a ferro e fogo
Sobre chaga ainda incólume sem idade,
Guernica: Troia em terras de Numância;
Canudos no caminho de My-lai.

Como que pendentes das estatísticas
E dos noticiosos radiofônicos,
Milhares de pássaros em pânico,
Mulheres e homens por aqui passaram,
Sem olhos e mãos aos céus clamando.
Ao marulho de pés acorrentados,
Marcham por vales e nevados montes.
Marcham, e marcham para a eternidade.



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