sexta-feira, 15 de agosto de 2014

LUZ NO GOLFO


A cidade bebe o zarcão dos longes. / A noite se derreia com fadiga. / Em louro estuário de verão...

                                   A Afonso Maciel Neto

“(...) de maneira que, quando iluminadas ao sol
        (...), e vistas contra o fundo azul claro do céu
                     no horizonte, mais parecem sombras
                                           que construções reais.”
Charles Darwin, 1836 (sobre São Salvador da Bahia).



“(...) o movimento de embarcações no porto
         e a fluidez, aquática, esplendendo na
          luz que lhe irisa o dorso tranquilo.
                             Godofredo Filho, 1979.


Mamífero de Zeus, Itaparica,
Com as vértebras à luz (chão do reflexo),
Converte-se em cristais. O lábio prova
(Olhos lambem) corpos antes desertos.

A tarde é sábia; a luz, potável. A ilha
Arroja ao horizonte de peixe e nuvens
Ardente fuligem. Lá, mais adiante,
A cidade bebe o zarcão dos longes.

O espírito ali pousou suas asas: pés
Em forma de corolas sobre templos
Assentam-se no vidro da distância
Que é por onde espumeja o paraíso.

A água drapeja verdes chamalotes,
Que ouro já anuncia e o céu rebate;
Na parede rochosa em traços álacres,
A noite se derreia com fadiga.

Nem mesmo foi-se o inverno; a sombra morde
As emblemáticas ladeiras, torres
Emaranha e invade mar de telhados.
O vento se apaga ao clarão de vozes.

Escamado mar que sobre pedras ruge
Cobre de luz o dorso do mamífero:
Pegadas de estrelas, passantes rápidos,
Em louro estuário de verão precoce.

A ilha já pouco importa (o que está em frente
Ao iriado maciço arquitetônico),
Mas o espelho, onde rutilante muge
A manada de curvas; retas sobem

Como punhais atravessando a umbela
Dourada que afugenta o azul e lança
Vermelhos na parede, onde reluz
A voz da pedra, a cor, na dor da vida.

Tudo o que acende a vasta geometria:
Azulejos, na febre do momento,
E grades, por onde o metal conspira,
Cravam no azul retalhos de memória.

Não há pássaros, só cor; porto abaixo,
Bambos mastros, barcos em despedida,
A muralha enferma de São Marcelo
E a água que viaja amamentando a ilha.

Vadia no ermo, a luz agora geme;
Logo desencanta o mistério, quando
A mão de chumbo avança pelo golfo,
Deixando para trás a franja iluminada.

Obsessão do passar, marcha do augúrio
De feroz alquimista, o flamejante
Perfil, que espeta o céu, sereno, sonha.
Todos choram. Oram. E eu me curvo.

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